Numa década apenas, houve quatro anos com mortes a mais devido ao calor
Ondas de calor são cada vez mais frequentes e intensas no mundo. Alertas multiplicam-se sobre os seus efeitos na saúde pública. Em 2003 e 2006, mas também em 2010 e 2013, registaram-se em Portugal excessos de mortalidade significativos.
Certo é que os períodos prolongados de temperaturas extremas provocam mortalidade em excesso. Este ano, têm-se multiplicado os avisos para os efeitos das ondas de calor – que são cada vez mais visíveis e frequentes. Portugal não tem sido excepção. Só numa década, há registo de quatro anos com excessos de mortalidade significativos (2003, 2006, 2010 e 2013) devido a ondas de calor prolongadas em território nacional, de acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde (ver gráfico). Antes disso, os registos dão conta de anos complicados apenas em 1981 e 1991.
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Certo é que os períodos prolongados de temperaturas extremas provocam mortalidade em excesso. Este ano, têm-se multiplicado os avisos para os efeitos das ondas de calor – que são cada vez mais visíveis e frequentes. Portugal não tem sido excepção. Só numa década, há registo de quatro anos com excessos de mortalidade significativos (2003, 2006, 2010 e 2013) devido a ondas de calor prolongadas em território nacional, de acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde (ver gráfico). Antes disso, os registos dão conta de anos complicados apenas em 1981 e 1991.
A maior parte dos sistemas de alerta europeus surgiu justamente após o Verão de 2003, quando uma onda de calor prolongada provocou a morte de milhares de pessoas em vários países europeus. França e Portugal foram, então, os mais afectados. As ondas de calor são definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como períodos de seis dias consecutivos com temperaturas máximas diárias superiores a 5ºC ao valor médio diário para essa época do ano. Este ano, os alertas subiram de tom. Em Junho, uma comissão internacional de peritos concluía, num relatório publicado na revista The Lancet, que o impacto das alterações climáticas na saúde poderá revelar-se “catastrófico”, pondo em causa “os ganhos obtidos nos últimos 50 anos”, se nada for feito entretanto.
Até 2100, estimam os especialistas, naquele que é o cenário mais pessimista, o número de pessoas com mais de 65 anos expostas a ondas de calor poderá ultrapassar os três mil milhões por ano, quando hoje não chega a 500 milhões. “As alterações climáticas são uma emergência médica”, enfatizava um dos coordenadores da comissão, Hugh Montgomery. Citando projecções da OMS que apontam para um aumento de 250 mil mortes por ano devido às alterações climáticas, em consequência dos seus efeitos directos ou indirectos, os peritos lembram que uma parte ficará a dever-se às ondas de calor. No início deste mês, a Organização Meteorológica Mundial e a OMS lançaram também, e pela primeira vez, um alerta conjunto sobre o impacto das ondas de calor na população, na sequência da morte de milhares de pessoas na Índia e no Paquistão devido às elevadíssimas temperaturas (por volta dos 50ºC) registadas em Junho. Para responder a estes fenómenos, as duas organizações recomendam a adopção generalizada de sistemas de alerta como os que já existem em vários países europeus, Portugal incluído. As ondas de calor “não têm o carácter espectacular nem a violência repentina de outros fenómenos, como os ciclones ou as inundações, mas as suas repercussões podem ser graves”, argumentam, recordando que 14 dos 15 anos mais quentes observados até à data aconteceram neste século e que, à escala global, 2014 foi mesmo o mais quente (desde que há registos –1850). Em Junho, até o Papa Francisco apelou a uma mudança global do estilo de vida, numa encíclica pioneira em que abordou quase todos os aspectos da crise ambiental mundial. Colocando-se ao lado dos cientistas na questão das alterações climáticas, recordou que “existe um consenso científico muito consistente que indica que estamos perante um preocupante aquecimento climático”. Os alertas surgem quando falta meio ano para a conferência climática de Paris, onde se aguarda um acordo mundial que suceda ao protocolo de Quioto e que leve o maior número de países a adoptar medidas para conter o aquecimento global, até ao final do século. O objectivo é o de que a temperatura média global não aumente mais do que 2ºC, mas, mesmo com um acréscimo de 1ºC, "haverá muitas pessoas afectadas nos países mais pobres", observa Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, um dos revisores do relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) e coordenador dos primeiros estudos sobre o impacto das alterações climáticas em Portugal. Pôr assunto na ordem do dia
“A acção do homem em termos da emissão de gases com efeito de estufa acabou por acelerar fenómenos naturais que sempre aconteceram”, corrobora Paulo Diegues, o chefe da Divisão de Saúde Ambiental da Direcção-Geral da Saúde (DGS), um dos responsáveis pelo plano de contingência para temperaturas extremas em Portugal.
Cenários já delineados por especialistas indicam que “vamos ter um clima mais desértico nalgumas regiões, como o Alentejo e o Algarve e maior stress hídrico tendo em conta a água disponível”, agravado por alterações na precipitação que, em vez de ocorrer ao longo do tempo, será mais concentrada, lembra Paulo Diegues. Doenças tropicais provocadas por vectores, como a malária e o dengue, podem aparecer no território nacional. Citando a Agência Europeia do Ambiente, os autores da última versão do plano português de contingência destacam, aliás, que a década de 2002-2011 “foi a mais quente na Europa, tendo a temperatura média da atmosfera à superfície sido 1,3ºC mais quente do que a média no período pré-industrial”. “Há de facto um potencial de ameaça, mas este é um cenário extremo, que só poderá concretizar-se se não tomarmos medidas”, desdramatiza o epidemiologista da DGS Paulo Nogueira, referindo-se às previsões mais pessimistas traçadas no artigo da Lancet. Admitindo que é um “aviso importante”, Paulo Nogueira prefere destacar a ideia de que esta é “uma grande oportunidade para a saúde abordar estas questões”, pô-las na ordem do dia. “Se dissermos às pessoas que o que está em causa é questão de saúde pública, de vivermos mais tempo, elas percebem melhor”, acredita.
Filipe Duarte Santos não tem dúvidas. As ondas de calor estão a tornar-se mais frequentes praticamente em todos os pontos do mundo provocando efeitos directos e indirectos na saúde pública, diz. Quanto às alterações climáticas, lembra que há dois tipos de resposta a considerar: a "mitigação" reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa, e a "adaptação". As respostas, destaca, estão nas mãos de todos: “Cada um de nós pode contribuir poupando energia, com a climatização das casas, diminuindo a velocidade nas auto-estradas e com gestos tão simples como o de não deixar a televisão ligada quando não estamos na sala.”