A vingança de uma mulher e outras histórias

Ramona, do romeno Andrei Cretulescu, é até ver o grande filme de um concurso internacional do Curtas ao qual não têm faltado motivos de interesse.

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A conversa vinha a propósito do melhor filme que vimos até agora no concurso internacional do Curtas, que é romeno. Ramona, a terceira curta do crítico e produtor Andrei Cretulescu, já vencedora da Semana da Crítica em Cannes, parece feita à medida daquele velho ditado shakespeariano, “não há raiva como a de uma mulher desprezada”. Sem diálogo de espécie nenhuma (a não ser uns grunhidos de alguém que, perceberemos mais tarde, está amordaçado e amarrado), rodado em apenas quatro longos planos-sequência de câmara à mão, Ramona desenha “a vingança de uma mulher” - vingança brutal e impiedosa cuja motivação o filme nunca explica e cuja amplitude só iremos compreender ao longo dos seus 20 minutos. 

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A conversa vinha a propósito do melhor filme que vimos até agora no concurso internacional do Curtas, que é romeno. Ramona, a terceira curta do crítico e produtor Andrei Cretulescu, já vencedora da Semana da Crítica em Cannes, parece feita à medida daquele velho ditado shakespeariano, “não há raiva como a de uma mulher desprezada”. Sem diálogo de espécie nenhuma (a não ser uns grunhidos de alguém que, perceberemos mais tarde, está amordaçado e amarrado), rodado em apenas quatro longos planos-sequência de câmara à mão, Ramona desenha “a vingança de uma mulher” - vingança brutal e impiedosa cuja motivação o filme nunca explica e cuja amplitude só iremos compreender ao longo dos seus 20 minutos. 

Ao mesmo tempo que se inscreve no formalismo despojado a que a produção do país nos habituou, Cretulescu parece também subvertê-lo ao usá-lo para fins completamente diferentes, mais ligados ao cinema de género: Ramona é um filme notável que, além do mais, sugere que a “primeira geração romena” começa a ter sucessores à altura.

Ramona não é o único filme digno de nota no concurso internacional. Haverá que falar de The Old Jewish Cemetery, a última incursão na curta documental do bielorrusso Sergei Loznitsa, visitante regular do Curtas, produzido no âmbito de Riga Capital da Cultura 2014. Trata-se de um olhar num cristalino a preto e branco sobre um memorial das vítimas judias do nazismo na Letónia que foi transformado pelo tempo, sendo hoje um parque do qual muitos dos frequentadores não terão noção da história que ali se inscreve. The Old Jewish Cemetery retoma um dos temas regulares do cinema de Loznitsa - a impossibilidade de esquecer um passado traumático – sem lhe trazer muito de novo a não ser uma placidez zen do seu dispositivo de observação.

E Bär, do alemão Patrick Flörks, transcende a sua dimensão de exercício de fim de curso de animação e efeitos visuais para se tornar numa complexa e afectuosa obra de transfiguração da memória. O título do filme – Urso – é programático: o que Flörks faz é substituir, em fotografias de família e outra memorabilia, o seu avô que morreu por um urso pardo, criando um efeito de estranheza, entre o respeito distante e a afeição sincera, que parece amplificar o abismo entre gerações.

Destaque ainda para A Copa do Mundo no Recife, onde Kleber Mendonça Filho, ponta-de-lança do novo cinema brasileiro desde O Som ao Redor, responde a uma encomenda do canal desportivo SporTV com um olhar idiossincrático sobre o modo como o seu Recife natal recebeu os jogos do Mundial de Futebol. O “jogo bonito” propriamente dito não se vê, a não ser numa belíssima sequência final onde a justaposição de um relato de futebol a uma câmara volteando por um estádio abandonado sublinha de modo fantasmagórico a fugacidade da emoção do evento desportivo. 

O que interessa a Mendonça Filho é o mosaico socio-político-económico que o rodeia, desde a invasão de turistas estrangeiros ao movimento de revolta contra a demolição de um sítio histórico que a polícia expulsou à força enquanto decorria o Brasil-México. Mais uma vez, é o Brasil real que o realizador nos mostra, de um modo aparentemente esquinado mas profundamente atento e interessado.

Faltará dizer que, com Kung Fury, a curta do sueco David Sandberg que se tornou num pequeno fenómeno na Internet, a montanha pariu um rato. Não que a ideia de base – uma paródia afectuosa mas esticada ao limite dos lugares-comuns e do vale-tudo do cinema e da televisão xunga dos anos 1980 sobre um polícia com super-poderes, com direito a piscar de olhos a David Hasselhoff e tudo – não seja boa, porque é. 

O problema é que o que tem graça numa gague de cinco minutos se torna cansativo expandido para 30, e às tantas a acumulação de disparates é tal que o filme acaba devorado pela sua própria desmesura de querer ser a paródia para acabar com todas as paródias.