O país que está à beira do abismo já não funciona há muito tempo
O problema não é de agora, é de há cinco anos. Não faltam só remédios nas farmácias — faltam medicamentos e coisas básicas nos hospitais. Há quem seja operado e saia da cirurgia com fita-cola porque não há compressas.
Eugenie Moustis, farmacêutica na zona de Petralona, acabou de receber alguns medicamentos para o dia. Não são muitos, mas antes também já não eram, explica. Irrita-se com os relatos de que há falta de alguns remédios nas farmácias. “Para já, para já, não temos muitos problemas. Podemos vir a ter, até ainda esta semana, mas para já não temos. Os problemas estão sobretudo nos hospitais – aí é que não há medicamentos nem outras coisas”, diz. “Os nossos maiores problemas não são dos últimos dias”, sublinha. “Os nossos problemas são dos memorandos.”
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Eugenie Moustis, farmacêutica na zona de Petralona, acabou de receber alguns medicamentos para o dia. Não são muitos, mas antes também já não eram, explica. Irrita-se com os relatos de que há falta de alguns remédios nas farmácias. “Para já, para já, não temos muitos problemas. Podemos vir a ter, até ainda esta semana, mas para já não temos. Os problemas estão sobretudo nos hospitais – aí é que não há medicamentos nem outras coisas”, diz. “Os nossos maiores problemas não são dos últimos dias”, sublinha. “Os nossos problemas são dos memorandos.”
Konstantina, jovem estudante de literatura inglesa de 22 anos, confirma: “O meu tio foi operado no ano passado e era preciso levar uma série de coisas, porque não havia. Não havia compressas nem pensos. Não sabíamos dos pensos, por isso ele saiu de lá com fita adesiva, daquela maior, a colar a cicatriz”, conta, no restaurante do centro de Atenas em que trabalha em part-time enquanto acaba o curso.
A universidade em que estuda, conta, tem outro problema: não há limpeza. As empregadas foram despedidas, por isso nada é limpo. “Eu vivo longe, demoro a chegar. Não tenho maneira de evitar ir à casa de banho”, diz.
Isso repete-se de organismo público em organismo público. No centro de saúde infantil de Kaisariani falta demasiadas vezes o básico. Por exemplo: não houve telefone durante três semanas. “A pediatra telefonava às famílias do seu telemóvel”, conta Electra Batha, antropóloga social do centro. “A conta não era paga desde 2011, por isso cortaram. Depois de três meses, lá voltámos a ter.”
Não são só os telefones que não funcionam. “Como uma das imposições do memorando era que por cada dez reformados da função pública pode entrar um, tínhamos 70 pessoas a trabalhar e agora temos 40. E como há muito mais problemas, precisávamos era de ser mais.”
"Temos de ajudar"
Com a crise a continuar, os casos “estão cada vez mais complicados”, diz a assistente social Katerina Zolota. Ela faz o que pode, mas sente-se “sem ajuda”. Há um caso em especial que está a deixá-la com os nervos em franja. “Temos quatro irmãos cujos pais não conseguem tratar deles. Estamos a tentar encontrar um sítio para eles, mas está tudo cheio. Só se os separássemos – um ia para Salónica, outro para outro sítio…” Uma separação que a assistente social do centro preferia evitar.
“A Katerina anda a fazer tudo por eles”, conta Electra. “Já limpou a casa toda, já foi cozinhar para eles…” Katerina encolhe os ombros. “Não consigo fazer mais nada. Às vezes penso: Ok, dêem-me um tiro!”, diz. “Mas depois temos de ajudar, ou deixá-los morrer. Como não podemos deixá-los morrer, temos de ajudar”, diz.
Tanto Electra como Katerina sublinham que “o problema não é de ontem, é de todos estes anos.” Bancos fechados, ao pé disto, não é o mais importante. “Tanta gente que não pode levantar nem cinco euros. E estamos nisto há cinco anos”, sublinha Electra.
Noutra zona da cidade, em Keramikos, há uma fila para comida ao lado de um grafitti que podia aparecer em qualquer roteiro de Street Art. Há muitos idosos com roupas já gastas, há mães com filhos adolescentes, há imigrantes, há uma grande mistura – peles escuras, olhos claros, lenço na cabeça, crucifixo ao peito.
E há um misto de tristeza, pontuada por erupções de indignação e pequenas escaramuças por causa do lugar na fila, mas também alguma alegria, enquanto são dados os 2700 snacks do dia.
Nesta última semana em que os bancos estiveram fechados e os transportes foram gratuitos, houve um aumento de 25% das pessoas a aparecer neste centro, chamado “food from the heart” para levar comida, diz a fundação Stelios, que gere o centro. O projecto é de Stelios Haji-Ioannou,o fundador da Easy Jet.
Jerry, 42 anos, é das poucas pessoas que aceita falar, e em inglês, graças aos anos que passou em Toronto. Voltou para a Grécia em 2002, e está a pensar ir de novo. “Trabalho na construção, canalização, mas não tenho nada aqui – há quatro anos que não tenho trabalho”, diz. “Por sorte tenho um amigo que me deixa viver na casa dele. Mas não é vida. Tenho de recomeçar a minha vida e acho que não vai ser aqui.”
Pelo que vai vendo nas notícias, talvez seja mesmo esta a altura para tomar uma decisão: “A crise vai durar. Euro ou não euro, vai durar. Francamente, tanto me faz. Não vejo uma solução para mim, aconteça o que acontecer.”
Quase ao dobrar a esquina, está a Igreja de São Jorge, que serve todos os dias refeições quentes a 350 pessoas em vários turnos, diz-nos o responsável.
O México "está melhor"
A refeição já acabou, mas encontramos a sair Julia Abrego, 52 anos, que arrasta a filha e um carro de compras antes de ir ao mercado. Cabelo arranjado, unhas pintadas, não parece a típica pessoa que precisa de comer aqui. Mexicana, veio viver para a Grécia “há já muuuitos anos”, depois de casar com um grego. “Quero ir-me embora o mais depressa possível. Esta terra é muito bonita mas é para os gregos”, diz. Julia suspeita que o seu filho mais velho foi morto por extremistas do Aurora Dourada, o partido xenófobo que tem vários membros acusados por vários crimes. “Dizem que foi um acidente mas eu não acredito. Nunca me deram o relatório da autópsia.”
Não é só por isso que quer ir para o México. “O meu marido morreu em 2009. Recebia uma pensão dele, de 1200 euros. Agora recebo 600. Tenho três filhos para sustentar. Percebe agora porque é que o Tsipras não podia cortar nas pensões?”, pergunta, referindo-se ao primeiro-ministro grego. “Já chega!”
Se tiver de escolher entre euro ou dracma, ela prefere a moeda europeia. “Desde que não cortem as pensões!”, sublinha. Mas ela acha que a Grécia está perdida, qualquer que seja a moeda. “No México também há corrupção, também há problemas, mas a minha família diz-me que está melhor do que aqui”, comenta. “O problema é que não consigo juntar dinheiro para a viagem”, lamenta.
Numa das várias clínicas sociais e comunitárias de Atenas, Stavros veio buscar os medicamentos para a sua mãe, que tem diabetes e tensão alta. Já veio no sábado, e não havia. A farmácia depende de doações, e assim nunca se sabe o que há. Mas quando chega a sua vez, ele consegue as quatro caixas de medicamentos. “Se não tivesse, ia ser complicado. A minha mãe não tem reforma, e eu sou electricista, mas só de vez em quando tenho trabalho”. Como muitos gregos, Stavros, de 54 anos, voltou a viver na casa que era dos pais, agora com a mãe, de 82. “Não temos a certeza de nada do que vai ser o dia seguinte”, conclui.
Se é euro ou dracma? “Ainda é cedo para dracma. Agora não é a altura, e as pessoas ainda não estão preparadas. Mas se o que nos pedirem for muito mais, vai chegar a uma altura em que poderá ser o dracma”, considera.
Stella, 48 anos, com uma filha de dez e nenhuma esperança, está à espera que abra um centro de distribuição de comida. É o retrato do mais fundo da crise: está sentada ao colo do namorado, ambos em cima de um cartão no chão, marcas de dependência de droga, uma nódoa negra escondida por um cabelo mal pintado.
A fila para a comida é o retrato do que Stella chama o gueto de Omonia: muitos corpos magros de heroína e muitos imigrantes que parecem não ter quase nada. pergunta. “Fumas? Era para pedir um cigarro. Era fixe se fumasses. Não é muito saudável apanhar do chão.”
Levanta-se na expectativa de que já seja a hora da distribuição, e comenta. “Isto está péssimo. Não há trabalho, quando há trabalho não pagam, a educação para a minha filha é muito má…” Mas Stella, uma grega-americana com sotaque a condizer, não está completamente alheada. “Era bom um acordo, mas não acredito. Acho que isto só vai piorar. Como no Mad Max, viste esse filme?”