O imprevisível caminho entre um acordo e o início da saída do euro
Nos próximos dias, a crise grega enfrenta dois possíveis cenários: um acordo que implica provavelmente a perda da face das duas partes ou uma ruptura financeira que força o Estado a fazer os pagamentos internos com um meio alternativo à moeda única.
Ao longo dos últimos cinco anos sob a supervisão da troika, e em especial durante os cinco meses de Governo liderado pelo Syriza, a Grécia tem saltado de dia decisivo para dia decisivo, num permanente adiamento de decisões que clarifiquem qual o rumo seguido pelo país. Prolongar por mais tempo este estado de coisas parece, no entanto, estar a deixar de ser possível.
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Ao longo dos últimos cinco anos sob a supervisão da troika, e em especial durante os cinco meses de Governo liderado pelo Syriza, a Grécia tem saltado de dia decisivo para dia decisivo, num permanente adiamento de decisões que clarifiquem qual o rumo seguido pelo país. Prolongar por mais tempo este estado de coisas parece, no entanto, estar a deixar de ser possível.
E um de dois cenários principais vai ter de ser escolhido pela Grécia e pelos seus credores: uma convergência surpreendentemente rápida entre as duas partes em relação a um programa de financiamento para os próximos dois anos e meio ou uma ruptura nas finanças do Estado e dos bancos gregos que obrigue a decisões radicais que impliquem o fim do euro como única divisa utilizada para fazer pagamentos. Mais do que nunca, tendo em conta a quantidade de variáveis políticas e financeiras em causa, é difícil prever qual dos dois cenários irá prevalecer.
Um acordo rápido é atingido
Em público, as duas partes continuam a garantir que um acordo entre a Grécia e os seus credores é possível. Angela Merkel e François Hollande afirmaram, no fim do seu encontro, que as portas estão abertas para ouvir uma nova proposta grega. E do lado do Governo grego, Alexis Tsipras defende mesmo que, com a vitória do “não” no referendo, as condições para a obtenção de um acordo ainda são mais favoráveis, esperando que a posição assumido pela população sirva para convencer os parceiros europeus a fazer cedências.
Ainda assim, apesar desta pré-disposição anunciada para a obtenção de um acordo, os passos concretos dados pelas duas partes para esbater as divergências são ainda muito reduzidos. Da Comissão Europeia – que foi a instituição da troika que liderou, antes do anúncio do referendo, a tentativa de chegar a um acordo com Atenas – ouviram-se palavras de pessimismo, com o vice-presidente Valdis Dombrovskis, a dizer que o “não” dados pelos gregos torna ainda mais difícil a obtenção de um acordo. E Angela Merkel voltou a defender que aquilo que já foi oferecido à Grécia nas negociações é “muito generoso”.
O Governo grego deu alguns passos que mostram vontade de agradar aos restantes governos europeus, ao substituir Yanis Varoufakis na pasta da Finanças por uma figura – Euclides Tsakalotos – que é vista como menos conflituosa.
Além disso, tentou juntar ao diálogo entre as partes a participação dos partidos que defenderam o “sim” no referendo, ou seja, que se mostraram dispostos a aceitar a proposta feita pela troika. Depois de uma reunião mediada pelo presidente da República, foi emitido um comunicado conjunto entre todos os partidos com representação parlamentar, excluindo o Partido Comunista e a Aurora Dourada, que define as bases para um acordo com a troika.
No entanto, em termos de propostas concretas que representem claramente um encurtamento das diferenças entre as partes, pouco foi feito até agora. E as diferenças ainda são substanciais.
Um acordo ficou por concluir no final de Junho por causa de três áreas de conflito essenciais. A troika continuava a defender que as alterações no sistema de pensões tinham de gerar mais poupanças e de forma mais rápida do que o Governo grego estava disposto a aceitar. No IVA, mantinham-se opiniões diferentes em relação aos produtos que passariam a ter uma taxa de 23% e, especialmente, no que diz respeito às isenções aplicadas nas ilhas gregas. Por fim, a Grécia continuava a insistir na definição de um plano para a reestruturação da dívida pública, algo com que as outras capitais europeias não queriam, para já. comprometer-se.
Por agora, é difícil antecipar de onde poderão surgir eventuais aproximações. No comunicado conjunto dos partidos gregos, é dito que a Grécia está disposta a pôr em prática “reformas credíveis baseadas na distribuição justa dos esforços e a promoção do crescimento através de um impacto recessivo o mais pequeno possível”. É pedido ainda que seja assumido “um compromisso para o início de uma discussão essencial sobre a forma de enfrentar o problema da sustentabilidade da dívida pública grega” e que se garanta “uma cobertura adequada das exigências de financiamento do país”.
Há quem aposte nesta fase que um acordo pode ser possível seguindo a via defendida pelo FMI, em que o Governo grego acaba por aceitar mais austeridade, ficando como contrapartida com um compromisso explícito dos outros países da zona euro de que aceitam uma nova reestruturação da dívida. Esta via implica contudo que as duas partes estão disponíveis a “perder a face”, contradizendo-se em relação a declarações feitas recentemente, algo que para já ainda parece difícil.
As novas negociações têm outra dificuldade adicional pela frente. Enquanto no final de Junho, aquilo que se estava a tentar era um prolongamento do anterior programa – por um período de cinco meses e prevendo apenas a libertação de dinheiro que tinha sido aprovado no passado –, agora o que está em causa é o pedido da Grécia para um terceiro programa de apoio financeiro, com um novo empréstimo a rondar os 30 mil milhões de euros, que garanta o financiamento do país até ao final de 2017. Isto faz com que os parceiros da Grécia na zona euro possam ter ainda mais aversão a aceitar uma suavização das condições impostas à Grécia.
Outro problema importante é que, para evitar uma deterioração ainda mais drástica da situação financeira grega, um entendimento tem de ser alcançado numa questão de dias. Caso contrário, a falta de euros nos seus cofres e nos cofres dos bancos pode forçar o Executivo a começar a utilizar outra moeda para fazer face aos compromissos internos, algo que pode acelerar o processo de saída do euro.
Euro deixa de ser a única moeda
O outro cenário que enfrenta a Grécia é aquele que resultar de um novo falhanço na tentativa de obter um acordo rápido nas negociações entre Atenas e os seus parceiros europeus.
A pressão financeira a que estão sujeitos neste momento o Estado e os bancos gregos está claramente nos limites da ruptura. Do lado do Estado, já houve aliás uma falha no pagamento aos credores, quando a Grécia foi incapaz, há uma semana, de devolver uma parte do empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional. Nos próximos dias, o Governo vai enfrentar novos pagamentos para quais não tem neste momento dinheiro nos cofres. Os mais importantes são os 3500 milhões de euros que tem de devolver ao BCE a 20 de Julho e os pagamentos de salários e pensões que é suposto fazer até ao final do mês.
Ainda mais urgente é a situação dos bancos. Com o actual nível de financiamento de emergência que o BCE está disposto a dar (89 mil milhões de euros com exigências de apresentação de garantias cada vez mais restritivas), um responsável do Governo grego estimou, em declarações à Reuters, que as instituições financeiras gregas apenas conseguem assegurar o levantamento diário de 60 euros nas caixas automáticas por mais alguns dias, possivelmente até ao final desta semana. Se entretanto tal não acontecer, um incumprimento do Estado face ao BCE no dia 20 de Julho poderia ser o suficiente para a autoridade monetária fechar definitivamente a torneira aos bancos gregos.
Neste cenário, a ruptura pode acontecer por duas vias. A que parece neste momento mais próxima é, perante a indisponibilidade do banco central da zona euro em alargar o financiamento, a banca grega ficar incapacitada de entregar o dinheiro que é exigido pelos seus clientes. Inicialmente poderá reduzir ainda mais o limite diário de levantamentos que é permitido e, com o tempo, pode mesmo ficar sem euros disponíveis para ser levantados, agravando ainda mais a situação das famílias e das empresas que ainda têm dinheiro no banco.
A outra via é o Estado ficar incapaz de pagar salários e pensões (há muito que já deixou de pagar a tempo aos fornecedores).
Em ambos os casos, a instabilidade social e económica atingiria níveis que forçariam o Governo grego a encontrar formas alternativas para os bancos e o Estado fazerem face aos seus compromissos internos. Uma vez que não teria euros nos seus cofres, a solução mais provável seria realizar estes pagamentos através de outros meios.
Uma hipótese é a entrega de uma nota de crédito que o Estado se compromete, num determinado espaço de tempo, a trocar por euros. Isto foi feito por exemplo pelo estado norte-americano da Califórnia, quando, em 2009, enfrentou uma incapacidade temporária para fazer face aos seus compromissos e utilizou aquilo a que se chama IOU (a sigla correspondente à expressão em inglês “I owe you” – “Devo-te”). Na prática, o que aconteceria, por exemplo, é que um funcionário público receberia o seu salário através destas notas, que depois poderiam ser utilizadas como meio de pagamento, já que o Estado se comprometeria a transformá-las em euros no futuro, qualquer que seja o seu detentor.
Outra hipótese seria a emissão de uma nova divisa, uma espécie de regresso do dracma. Em ambos os casos, a opção deveria ser provavelmente a sua utilização em simultâneo com o euro. A Grécia não abandonaria a moeda única europeia, mas teria em complemento outra divisa.
Quer os “IOU”, quer os “novos dracmas”, sofreriam com toda a probabilidade uma depreciação muito forte e imediata. É difícil prever quanto, mas por exemplo na Islândia, a crise de 2008 provocou uma desvalorização imediata da moeda de 40%, que depois acabou por estabilizar em 25%.
Esta desvalorização poderia tornar uma saída do euro e a opção definitiva por uma nova divisa muito rapidamente numa realidade. A prazo, as empresas gregas teriam ganhos de competitividade face aos concorrentes estrangeiros. No imediato, o Estado, os bancos, as empresas e as famílias gregas ficariam com muito mais dificuldades em fazer face às suas dívidas com o estrangeiro (em euros), forçando-os a uma reestruturação, e perderiam grande parte da capacidade para adquirir produtos importados, alguns deles de primeira necessidade, como os medicamentos. Um processo inflacionista seria igualmente possível, o que reduziria o poder de compra da população.