Os últimos comícios antes do referendo mostram os gregos mais do que divididos
Enormes multidões, pessoas emocionadas, hinos europeus ou revolucionários. O que dizem as sondagens foi espelhado nos últimos comícios antes do referendo. Ambos acham que vão vencer, mas nenhum parece ter vantagem.
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Num lado, bandeiras da Grécia e da União Europeia, para além dos autocolantes e cartazes do "sim", em várias cores. No outro, bandeiras da Grécia, do Syriza, e cartazes feitos à mão: um diz "não" em dez línguas, outro diz "democracia: desculpem, não está disponível na União Europeia".
Esta é uma das ideias em que tem martelado o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, e que ontem voltou a reforçar. O voto no "não" é um voto por uma União Europeia mais democrática. Também repetiu que o voto no "não" diz apenas respeito à aceitação de um acordo proposto pelos credores. O resultado, tem repetido vezes sem conta, dar-lhe-á mais força para negociar um melhor acordo.
Da União Europeia têm vindo vozes a dizer exactamente o oposto, como Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Mas esta sexta-feira, foi Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, quem veio fazer uma declaração no mesmo sentido de Alexis Tsipras, dizendo que se o "não" vencer, isso não significa o fim da permanência da Grécia na moeda única.
Num ecrã de um café nas proximidades a tentar ouvir o discurso, Maria concorda. "Sei que pedimos dinheiro emprestado, não quer dizer que não o queiramos devolver, mas não pode ser nestas condições."
Maria, 34 anos, trabalha numa empresa portuguesa em Atenas – pede para não dizer qual – e descreve-se como "uma das pessoas com sorte". Trabalha, tem casa própria... A crise afectou-a, claro, mas de outro modo: "Já não vou a Londres, por exemplo, mas consigo ir a uma das nossas ilhas, nem que seja só três dias. Já não visito a minha afilhada em Creta todos os meses, mas de vez em quando consigo mandar-lhe uma prenda", descreve. "Custa-me mais o meu pai, que trabalhou a vida toda e eu mal o vi enquanto crescia, e cortaram-lhe a pensão para metade", desabafa.
Quanto à situação política, vai votar "não", mas com algumas reticências. "Espero que permita negociarmos melhor e mantermo-nos no euro. Mas não sei, tenho medo que haja um plano B por trás disto tudo". Ou seja: "Vou votar assim, mas com os olhos bem abertos. Não tenho a certeza do que vai resultar daí."
Vamos ter de passar por isto juntos
Maria explica que é a primeira manifestação deste tipo a que vem, porque não gosta de manifestações que dividam as pessoas. "Nós os gregos temos uma história muito má de divisões", sublinha. "E o que quer que aconteça no domingo, vamos estar todos juntos na segunda-feira."
O mesmo diz Vera, 40 anos, que se descreve como "mãe solteira de dois filhos a viver em casa dos pais". "Tenho muitos amigos e familiares que vão votar 'sim'. Claro que não temos conseguido não discutir, mas temo-nos lembrado sempre que o quer que aconteça vamos ter o enfrentar juntos", declara.
Tal como Maria, o seu 'não' não é contra a União Europeia nem o euro. É contra uma vida que nos últimos cinco anos tem sido pautada pelas notícias "que vêm de segunda a quinta-feira de Bruxelas". E Vera anseia por esse "encontro final", em que se decida então – há um novo acordo, ou não. Ela espera que seja possível esse acordo. Um que seja humano e que lhe permita "ser uma cidadã europeia decente – esse é o meu sonho", diz, comovendo-se. "Eu trabalho muito. Eu posso trabalhar mesmo muito."
Maria acha que o "não" vai ganhar, os seus amigos estão convencidos de que será o "sim". A verdade, completa, "é que nem do 'sim' nem do 'não' ninguém sabe, nem o que vai acontecer, nem o que quer dizer cada voto". As sondagens dão um panorama semelhante: o instituto Alco põe o "sim" nos 44,8% contra 43,4% do "não" (defendido pelo governo), mas a Universidade da Macedónia aponta para 43% "não" e 42,5% "sim".
A multidão no comício do "não" é impressionante, espalha-se pela estrada em frente ao Parlamento e espraia-se pelas laterais, há gente na praça também. Há pessoas empoleiradas em cima das paragens dos autocarros, e para chegar aqui foi um sufoco no metro. Uma multidão saía da carruagem enquanto cantava aos gritos: "Oxi, oxi" (Não, não). Se havia algum partidário do "sim" (a manifestação era mais acima), nessa altura não se fazia ouvir.
Já mais em cima, perto do estádio antigo onde foi o comício do "sim", começam a ver-se autocolantes nas lapelas a declarar "nai" (sim).
Acompanhamos dois homens de cabelos brancos, que andam sem pressa, até lá. "Vamos à manifestação porque o mais importante é ficar na União Europeia. A questão, minha querida, é esta", explica Haris, professor e médico. "Não quer dizer que o que tenha sido feito para trás tenha sido bem-feito", considera. "Massacraram o sector privado, quando podiam ter feito cortes no público", diz.
Mas pior do que os outros governos, para si, é o actual. "Não acredito em nada do que ele diz", nem se referindo ao nome de Tsipras. "É um mentiroso. Acho que nunca tentou negociar."
Se o "sim" ganhar, como ele acredita que vai acontecer, há esperança: "Acho que os alemães já perceberam. Alguns políticos alemães, não todos mas alguns, já perceberam. Acho que vamos ter algo mais favorável."
O presidente da câmara de Atenas, George Kaminis, falou aos milhares que se juntaram a favor do "sim" no referendo. "Eles dizem que vão fazer um acordo em 48 horas, quando ninguém fala com eles", disse Kaminis, referindo-se ao governo da Grécia.
Também o antigo primeiro-ministro conservador Costas Karamanlis (2004-2009) fez campanha pelo "sim": "Ao empurrar a Grécia para fora do contexto europeu, estamos a expor o país a perigos. Isto não deve acontecer de maneira alguma. Aqueles que, com boas intenções, acreditam que votando 'não' no domingo reforçam a posição do país nas negociações estão a cometer um erro. O 'não' será interpretado por todo o mundo como a decisão de abandonar o coração da Europa. Será o primeiro passo em direcção à saída."
UE tentou impedir FMI
Num país em que tudo parece virado ao contrário – há manifestações organizadas pelo Syriza que são pacíficas e os provocadores estão nas do "sim" –, o primeiro-ministro de um governo de esquerda tem invocado um relatório do FMI para apelar ao voto contra o acordo proposto pelas instituições.
E esta sexta-feira soube-se ainda que a União Europeia tentou impedir a publicação do relatório feito no dia 26 de Junho, e cuja divulgação foi forçada pelos Estados Unidos. Segundo a agência Reuters, "numa reunião no conselho do Fundo Monetário Internacional, na quarta-feira, os membros europeus questionaram o momento da publicação do relatório, que a direcção do FMI propôs revelar com pouco tempo de aviso, três dias antes do referendo crucial de domingo que poderá determinar o futuro do país na zona euro". Como o relatório diz que a dívida grega não é passível de ser paga, dá força ao argumento de Tsipras de que qualquer acordo tem de incluir um corte na dívida e um período de carência.
Não chegou a haver votação, acrescentou a Reuters, mas tornou-se claro que os europeus ficaram em minoria, "e os Estados Unidos, que são a voz mais poderosa no FMI, aprovaram a publicação do relatório". O FMI é de opinião de que a dívida grega precisa de um corte e de 20 anos de período de carência.