As Mil e uma Noites estão em casa
O filme de seis horas de Miguel Gomes abre este fim-de-semana a 23ª edição do festival de Vila do Conde. Um teste de público e de exibição, depois da passagem por Cannes que já fez dele um dos fenómenos internacionais do ano.
As Mil e Uma Noites, a aventura de Miguel Gomes a partir da realidade do Portugal contemporâneo, tornou-se primeiro num dos filmes mais aguardados do festival de Cannes. Depois da sua estreia na Quinzena dos Realizadores tornou-se num fenómeno, aclamado pela crítica de todo o mundo como uma obra que merecia estar mais na competição oficial do que muitos dos filmes a concurso. A sua estreia em França na semana passada atraíu uma “tempestade perfeita” de referências elogiosas com direito a capa dos Cahiers du Cinéma. Não é excessivo dizer que este já é, por estas razões e muitas outras, “o” filme português do ano.
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As Mil e Uma Noites, a aventura de Miguel Gomes a partir da realidade do Portugal contemporâneo, tornou-se primeiro num dos filmes mais aguardados do festival de Cannes. Depois da sua estreia na Quinzena dos Realizadores tornou-se num fenómeno, aclamado pela crítica de todo o mundo como uma obra que merecia estar mais na competição oficial do que muitos dos filmes a concurso. A sua estreia em França na semana passada atraíu uma “tempestade perfeita” de referências elogiosas com direito a capa dos Cahiers du Cinéma. Não é excessivo dizer que este já é, por estas razões e muitas outras, “o” filme português do ano.
É por isso que a primeira exibição pública em solo luso de As Mil e Uma Noites, este fim de semana, em abertura do Curtas Vila do Conde 2015, ganha um peso completamente diferente. Tanto para Mário Micaelo, um dos três directores do Curtas (com Miguel Dias e Nuno Rodrigues), como para Luís Urbano, produtor do filme através da companhia O Som e a Fúria, há uma ligação de amizade e entrosamento com o certame que tornava irresistível a ideia.
“O Miguel é um dos 'autores' do Curtas”, explica Micaelo, “um realizador que já foi premiado, que colaborou com o Curtas, que antes de ser [cineasta] já era espectador e presença assídua. Não temos por hábito pegar num autor, mostrar um filme, e pronto, acabou a relação; não se trata de repetir um nome, mas de seguir uma obra que faça sentido no conjunto. As nossas relações com os cineastas, e sobretudo com os portugueses, são prolongadas no tempo. E se se conjugar a questão da oportunidade, que tem sempre a ver com calendários da produção, faz todo o sentido o Miguel passar no festival, com este ou com outro filme.”
Urbano reforça a ideia: “Tem a ver com esse reconhecimento, com o lado simbólico de ter sido em Vila do Conde que o Miguel e muitos outros se lançaram.” Mas aponta também uma vontade de seguir nas pisadas da estreia de Aquele Querido Mês de Agosto em 2008. “Já nessa altura fizemos ante-estreia em Vila do Conde, e o percurso do filme era o mesmo – vinha da Quinzena dos Realizadores de Cannes e estreava nas salas em Agosto...” Aquele Querido Mês de Agosto acabaria por se tornar num expressivo fenómeno de público e crítica, justificando o desejo de procurar reproduzir, a uma escala maior, o “boca-a-boca” lançado no Curtas.
Há, no entanto, outras razões para As Mil e Uma Noites ser mostrado primeiro em Vila do Conde. Para Luís Urbano, uma delas tem a ver com a “proximidade geográfica” entre o Curtas e uma série de “cenários” da acção do filme. “Permitia-nos criar um evento em que pudéssemos reunir as gentes de Aveiro, Resende, Ílhavo que entraram nas histórias que compõem o primeiro volume, os operários dos estaleiros navais de Viana do Castelo...” E, não menos importante, será a primeira oportunidade de testar o impacto do filme numa audiência portuguesa “não especializada", que não consista apenas de convidados e de imprensa. “O Curtas tem sempre bastante público do Porto e de Vila do Conde que se desloca lá propositadamente. É um momento para lhe tomarmos o pulso.”
O teste não é só de público como também de exibição. Em Cannes, os três “volumes” foram exibidos com um dia de intervalo entre cada; em Vila do Conde, serão mostrados no espaço de 36 horas (O Inquieto sábado às 17h, O Desolado sábado às 21h30 e O Encantado domingo às 21h30). Em França, primeiro país a estrear o filme comercialmente, a distribuidora Shellac optou por um lançamento distendido por três meses (O Inquieto estreou no passado dia 24, seguindo-se O Desolado a 29 de Julho e O Encantado a 26 de Agosto); em Portugal, O Inquieto estreia a 27 de Agosto, com O Desolado quatro semanas depois, a 24 de Setembro, e O Encantado na semana seguinte, a 1 de Outubro.
Para o produtor, “são décalages que estamos a testar. Chegámos a colocar a possibilidade de mostrar em Vila do Conde o primeiro filme no primeiro fim-de-semana, o segundo a meio da semana e o terceiro no fim do festival, mas por conveniências logísticas, e para não criar interferência com a própria dinâmica do festival, era mais fácil concentrar tudo em dois dias. Mas vamos tirar notas, porque haverá um momento em que, quando estrear o terceiro volume, é possível ter os três em sala ao mesmo tempo e ver o filme numa lógica de maratona.”
Com tudo isto, é legítimo perguntar se As Mil e Uma Noites, com a bagagem que já traz, não corre o risco de se tornar um filme maior que o Curtas. Mário Micaelo não acredita nisso. “Temos um festival um bocadinho mais prolongado, a nossa própria estrutura de programação encaixa no filme” - numa referência a uma das secções regulares, Da Curta à Longa, que mostra o que os “autores” regulares do festival fizeram ao passarem ao “formato grande". Fala, antes, de “confirmação” do que ficou conhecido por “Geração Curtas”, uma série de cineastas que surgiram numa mesma altura e que, mesmo depois de passarem à longa, sempre entenderam a curta-metragem como parte da construção de uma obra. (Não é, aliás, por acaso que a abertura do Curtas com As Mil e Uma Noites coincida com o lançamento de um DVD agrupando as curtas-metragens do realizador, iniciativa do festival posta em marcha muito antes do novo filme estar concluído mas cujo timing não podia ser mais feliz).
“Este tipo de trabalho continuado - saber conjugar e equilibrar os nossos autores de referência com nomes novos - é-nos importante,” explica o director do festival. "O Curtas é conhecido lá fora por mostrar um cinema mais arrojado, mais arriscado, mais inventivo, mais criativo. É aí que marcamos a diferença.” As Mil e Uma Noites estão em casa.