Ministra alertada há cinco meses que Kamov podiam não estar a funcionar no Verão

Dos dez helicópteros que compunham a frota do Estado apenas estão a operar um aparelho pesado e dois ligeiros. A fase mais crítica dos fogos (a Charlie) começa esta quarta-feira.

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Neste momento, só três dos seis helicópteros kamov estão a voar

A carta foi enviada por Pedro Silveira, presidente da Heliportugal, a empresa que vendeu os aparelhos e esteve a assegurar a sua manutenção até ao início deste mês. E a realidade veio dar-lhe razão: a um dia de entrar na fase Charlie, a mais crítica dos fogos, a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) só tem um dos seis Kamov a operar. E com o acidente desta segunda-feira, também os helicópteros ligeiros, inicialmente quatro Ecureuil B3, estão reduzidos a duas aeronaves.

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A carta foi enviada por Pedro Silveira, presidente da Heliportugal, a empresa que vendeu os aparelhos e esteve a assegurar a sua manutenção até ao início deste mês. E a realidade veio dar-lhe razão: a um dia de entrar na fase Charlie, a mais crítica dos fogos, a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) só tem um dos seis Kamov a operar. E com o acidente desta segunda-feira, também os helicópteros ligeiros, inicialmente quatro Ecureuil B3, estão reduzidos a duas aeronaves.

No documento, o presidente da Heliportugal diz escrever à ministra depois “de vários pedidos de reunião quer por telefone, quer por email, quer por carta registada ao senhor presidente da ANPC”, manifestando uma “enorme apreensão com o que se está a passar com os helicópteros Kamov”. “É nosso sentimento que o país vai ficar sem estes meios aéreos disponíveis (...) exactamente no pior momento”, acrescentava a carta.   

No dispositivo de combate estava previsto que a ANPC tivesse ao seu dispor 49 meios aéreos para combater os incêndios entre 1 de Julho e 30 de Setembro. Mas, pelo menos no início desta fase, apenas poderá contar com 44 aparelhos, a esmagadora maioria ligeiros. Os meios aéreos pesados, usados no combate aos fogos de maior dimensão, estão reduzidos a um helicóptero Kamov e a dois aviões bombardeiros pesados, um número que contrasta com os sete previsto no dispositivo, que integra a frota do Estado e os aparelhos alugados.  

Em resposta ao PÚBLICO, a ANPC diz que conta ter durante o próximo mês os dois Kamov “com problemas mais ligeiros” a funcionar. Mas estas duas aeronaves ainda continuam paradas à espera da chegada de novos motores. Estes helicópteros estão inoperacionais, um desde 30 de Dezembro do ano passado e outro uns dias mais tarde, ou seja, ambos há mais de seis meses.

No penúltimo dia do ano, um dos Kamov teve um incidente grave em São Brás de Alportel, no Algarve, durante um voo para treinar a utilização do guincho usado para as missões de resgate e salvamento. Na sequência deste incidente, foi determinada uma inspecção aos motores de todos os helicópteros pesados, tendo-se detectado fissuras num outro motor, o que obrigou o aparelho a parar, explica o responsável pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, Álvaro Neves. Foi aberta uma investigação e, neste momento, as aeronaves ainda estão à guarda desta investigação. “Mal a Autoridade Nacional de Protecção Civil tenha os motores, liberto os aparelhos da investigação”, garante Álvaro Neves.

A ANPC não explica porque não mandou reparar mais cedo os aparelhos, atirando as culpas para a Heliportugal que diz era responsável pela “manutenção das aeronaves”. Pedro Silveira responde que a manutenção contratualizada era apenas a programada e, como tal, não incluía este tipo de reparação. Insiste que isso mesmo foi reconhecido pelo Ministério da Administração Interna que lançou um concurso no final de Maio para reparar estes aparelhos, com um preço base de três milhões de euros. Mas nem a Heliportugal, nem nenhuma outra empresa concorreu.

“O Estado foi atrasando o conserto destes helicópteros e depois queria obrigar-nos a fazer a reparação em 30 dias, o que era manifestamente impossível”, justifica Pedro Silveira. Mas isto só explica porque há dois helicópteros parados.

Um outro teve um acidente grave em Setembro de 2012 e, desde então, ou seja, há mais de dois anos e meio que não funciona. O Estado nunca teve dinheiro para o reparar. Isto porque, como se tem optado por não fazer seguros para aeronaves, cada vez que há um acidente ou um incidente grave o MAI fica com o total dos encargos. Por isso mesmo, o Estado nunca substituiu o helicóptero ligeiro destruído num acidente em Novembro de 2007, que provocou a morte do piloto da aeronave. Tal não acontecerá, contudo, com o aparelho acidentado esta segunda-feira, já que, actualmente, os helicópteros estão a ser operados por privados que possuem seguro dos aparelhos.

Um outro esteve envolvido num incidente em Agosto de 2013, que obrigou o aparelho a aterrar de emergência no aeródromo de Viseu. Esteve sem funcionar até há cerca de um mês, altura em que a Heliportugal o entregou à protecção civil após o Estado ter autorizado a reparação. Contudo, entretanto, foi detectado um problema num dos motores, tendo a ANPC responsabilizado a Heliportugal pela deficiente reparação. Pedro Silveira garante que o motor era novo e não tinha qualquer problema, atribuindo o problema às sete horas que a aeronave operou após a reparação.   

Este helicóptero e outros dois, um dos quais está a voar, estiveram até 15 de Junho a ser operadas pela ANPC, que era responsável pela aeronavegabilidade dos aparelhos. A manutenção estava contratada à Heliportugal. Mas, na sequência de um concurso público, o Estado delegou a operação das aeronaves a uma empresa, a Everjets, que mantém desde 2013 um conflito com a Heliportugal.

Antes de começar a operar as aeronaves a Everjets fez uma inspecção com a ANPC aos Kamov, só tendo aceite uma delas. “Há um conjunto grande de desconformidades no conjunto das aeronaves”, afirma a ANPC, recusando-se a precisar o número. Tal levou a protecção civil a fazer uma denúncia à Autoridade Nacional de Aviação Civil, que pela lei supervisiona a aeronavegabilidade destes helicópteros. As auditorias estão em curso, assim como um inquérito instaurado pela Inspecção-Geral da Administração Interna, por ordem da ministra.

Pedro Silveira acusa a Everjets de inventar problemas nos Kamov, por não ter interesse nem pilotos para operar estes helicópteros. Ao PÚBLICO, a Everjets afirma ter “um acordo de confidencialidade com o seu cliente, a ANPC, que a impede de responder às questões” colocadas. Fica-se, por isso, sem saber se, apesar dos Kamov estarem no chão, a ANPC vai ter de pagar a operação dos mesmos à Everjets. A Autoridade Nacional de Protecção Civil garante que não: “A execução do contrato com a Everjets será feita à medida e em função da real utilização daquelas aeronaves”.