Correr é uma droga boa

O que passa pela cabeça de um corredor? Porque é que uma actividade que pode ser estafante também vicia? Vanessa Fernandes, 29 anos, vice-campeã olímpica de triatlo em Pequim 2008, responde. “Sem nos apercebermos, temos um tempinho nosso a respirar vida”.

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Quem corre por gosto também se cansa. Ao fim de uma hora, Vanessa Fernandes não parece estar fatigada mas o corpo da atleta dá sinais de ter estado a trabalhar: suada, tira a t-shirt, fica com os calções e o top. Vanessa Fernandes até pode estar cansada, mas este é um cansaço que também traz prazer.

— Dá-me boas sensações. Durante a corrida é quando tenho mais paz de espírito. A cabeça está desanuviada. [Correr] faz bem ao meu corpo. Não me vejo a não correr.

Aos 29 anos, a vice-campeã olímpica de triatlo em Pequim 2008 podia estar a descrever um vício. Porque correr vicia. Porque quando não corre parece que “há um desequilíbrio”, a sensação de que falta qualquer coisa. Então o corpo reage, ordena: vai correr. É a ordem para a prática de desporto, porque ao fazê-lo liberta-se endorfina, a hormona “do prazer”.

— Acho que [essa sensação de vício] tem muito a ver com os resultados no nosso corpo quando corremos: vemos os músculos mais tonificados, temos mais energia, mais descompressão. Até o próprio organismo se regula mais facilmente. E, sem querer, a nossa alimentação começa a ficar mais saudável.

O que passa pela cabeça de um corredor que pega no seu corpo e se atira em direcção a um lugar que muitas vezes não sabe qual é? Pensa, reflecte, nada disso?

— É o momento em que estou mais zen. Vou ali tão na minha… Não há contas para pagar. É aquele momento que é só para mim, não existe justificação para me preocupar com o que quer que seja. Vou a correr e penso: “Fogo, aqui ninguém me chateia.” Durante uma hora, que pode até estar a custar, podem vir sonhos, mas é aquele momento que é só para mim. Vou focada no cansaço, na respiração, na maneira de correr… Só isso acaba por mexer na cabeça. Sem me aperceber, tenho um tempinho meu a respirar vida.

Cuidado, porque este é um vício bom, mas é um vício que “pode destruir o nosso corpo”, há que fazer “a corrida de maneira saudável”, é preciso saber de que maneira corremos. E é preciso ouvir o corpo quando ele quer descansar, parar.

— Às vezes, a corrida sabe a pouco. Mas às vezes temos de ficar por ali: soube a pouco hoje, que é para amanhã conseguirmos fazer novamente. Muita malta quando começa a fazer maratonas pensa que tem de correr todos os dias hora e meia, depois aleija-se, queixa-se.

Vanessa Fernandes é campeã olímpica mas, na realidade, nunca fez nenhuma maratona na vida. Nunca fez, e se fizesse seria “pela competitividade”. Esse é o seu espírito, explica, sentada no terraço do Hotel Ozadi, em Tavira, um par de horas depois de ter estado a correr no meio do Parque da Ria Formosa, com as salinas em fundo e a “guiar” um grupo de corredores amadores pelo asfalto.

— Eu se calhar faria a maratona de maneira mais renhida, de competição, já por tempo, já por lugar.

Vanessa Fernandes é uma das atletas associadas ao projecto Run4Excellence, de Paulo Colaço, professor da Faculdade de Desporto da Faculdade do Porto e treinador de corrida. No início de Junho, ela e dois atletas ligados ao projecto, Licínio Pimentel (vice-campeão nacional de cross) e José Moreira (maratonista do Benfica), estiveram no Hotel Ozadi a lançar o programa de corrida para hotéis da Run4Excellence — que agora tem treinos personalizados de vários tipos (postura, prevenção de lesões, fortalecimentos, etc., individuais ou em grupo) ou Training Camps, com sessões de três dias de treino para qualquer nível.

— Tenho tido experiências fantásticas com as pessoas. Se elas gostam de fazer isto, o meu contributo é dar o máximo que puder nesse sentido, comenta sobre a sua participação no Run4Excellence.

O Run4Excellence é antes de mais um projecto sem fins lucrativos. Com sede no Porto, onde oferece treinos personalizados, tem também um website onde se pode consultar, de graça, vários tipos de exercícios importantes para qualquer corredor. São exercícios além de corrida, justamente porque correr só não chega.

Duas vezes campeã do mundo de triatlo, em 2007 e 2008, várias vezes campeã europeia e campeã do mundo de duatlo em 2008, a atleta comenta que admira o corredor que não compete.

Admira quem corre por correr, apenas pelo gozo, apenas para “estar bem”, com o objectivo não de ficar em primeiro ou segundo lugar, “mas de usufruir da distância da maratona”.

— Para essas pessoas, terminar é a meta principal. Isso é espectacular, ver o brio que têm em terminar uma maratona ou meia maratona. Enquanto nós [atletas de competição] terminamos e muitas vezes pensamos que devia ter sido melhor.

A verdade é que o corpo se habitua a ter uma actividade e isso, como um botão, precisa de ser activado. Torna-se um hábito, como outros.

— Chegar a casa e sentar no sofá é um vício, mas é uma droga má, comenta. Chegar a casa e ir correr é um vício, mas é uma droga boa. Se toda a gente conseguisse passar para esse lado, principalmente as mulheres… A partir de certa idade, devemos ter cada vez mais cuidado. O nosso metabolismo vai desacelerando, vamos ganhando peso, e se continuarmos com a corrida acabamos sempre por andar com o metabolismo mais depressa e sentimo-nos melhor.

O mais curioso é que, quando se começa a correr, não se gosta. Cansa. Custa. Dá dores. Parece que o tempo não passa. Parece que o corpo vai ceder. Até para os corredores, calçar os ténis às vezes demora.

— Porque custa! É uma coisa exigente e, até se encontrar o próprio ritmo, é preciso ter muita calma. É como tudo na vida, o iniciar de qualquer coisa é complicado — uma pessoa tem é de se atirar [para as coisas]. E, claro, tentar informar-se [para receber] os melhores conselhos. Há pessoas que, a partir de certa altura, começam a desmotivar porque precisam de coisas novas ou de reforço muscular ou de ficar com mais força.

Embora a ideia de pegar nuns ténis, descarregar no telemóvel uma aplicação de corrida e sair porta fora seja apelativa, a verdade é que não fazer treinos acompanhados por técnicos pode trazer vários riscos. E riscos que surgem da falsa ideia, por quem começa a correr, de que “fazer mais é melhor” — e exagera. Por isso é que aparecem depois “lesões, a fadiga, a desmotivação”.

Da sua casa, na praia da Aguda, em Vila Nova de Gaia, Vanessa Fernandes vê cada vez mais gente a correr. Acha que há maior consciência dos efeitos da corrida a longo prazo. Dá-lhe gozo que assim seja. Dá-lhe também gozo que o “preconceito do desporto” esteja a cair. E dá-lhe ainda gozo ver a “fibra” das mulheres na corrida.

— A mulher demorou mais tempo a abrir-se para a corrida; a primeira vez que uma mulher entrou numa maratona foi quase “corrida” [Kathrine Switzer, em 1967]. Agora vêem-se mais mulheres a correr. Muitas vezes são elas a puxar o marido e os filhos.

A ela puxava-o o pai, o ciclista Venceslau Fernandes. O que ela sofria, conta a rir.

— Coitadinha de mim. Às vezes queria ficar sentada no sofá e o meu pai: “Ó Vanessa vamos correr um bocadinho.” Eu com uma torrada na mão, quentinha do forno... Depois a minha competição era com o meu pai. Ia com a corda na garganta, mas no fim dava tudo para ganhar. O meu pai sempre me tentou incutir isso. Quando somos novos, somos preguiçosos e eu não fugi à regra.

A motivação era para ganhar, como sempre, “até na escola”. Ganhar até “uma régua”.

— Eu era demais. Deitava tudo ao chão se perdesse. Tinha muito mau perder. Fui aprendendo, mas o bicho de querer ganhar continua lá sempre, de querer ser melhor, de querer fazer melhor. Não há hipótese. É o que me move muito. Mas isso é em tudo o que esteja a fazer: um pão, um bolo. Aquilo tem de sair bem. Quando não sai, irrito-me pelas horas do dia.

Vanessa Fernandes corre em direcção a quê?

— Corro em direcção à minha vida. Corro a tentar, na minha vida, fazer muito mais do que simplesmente correr. Usufruindo do privilégio que tenho que é conseguir correr. Mas sem querer andar a correr. Tudo o que tenho feito tem sido dia a dia. E, consoante o que vou correndo, essa corrida vai-me guiar a algo que talvez um dia possa dizer que vai ser o meu objectivo — ri, com o trocadilho das suas próprias palavras.

 — Correr não é fugir. Correr é enfrentar. A correr enfrentas-te a ti próprio.
 

Ténis para que te quero

Quando se começa a correr, a grande aposta do equipamento deve ser nos ténis, simplesmente porque o embate do corpo com o solo em cada passada é tão forte que os pés precisam de uma protecção eficaz. Uns bons ténis fazem, de facto, toda a diferença — durante e depois da corrida. “Tudo o que condiciona as forças aplicadas no solo poderá provocar consequências positivas ou negativas na corrida”, diz Paulo Colaço, fundador da Run4excellence, treinador e professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. 

As marcas desdobraram-se a criar vários modelos, inclusivamente a “vender” a ideia de que para cada tipo de passada (pronadora, neutra ou supinadora) corresponde um tipo de ténis, mas Paulo Colaço explica: “Sugerimos sempre a adequação da sapatilha a cada corredor de acordo com diferentes parâmetros técnicos, morfológicos e até historial de lesões que cada um possa ter. As questões da escolha de calçado para corredores com apoios com maior pronação ou supinação é de tudo o que menos nos preocupa. As preocupações são muito mais técnicas e suportam-se nas forças aplicadas no solo e nas alterações que pretendemos que sejam construídas na sua corrida. Por isso a opção deve passar por consultar o seu técnico, até porque o modelo de uma determinada marca pode ser uma boa opção para um praticante e péssima para outro.”

Experimentámos duas marcas de ténis topo de gama — uma terceira marca, à última hora, não disponibilizou as sapatilhas para teste — com passada neutra, em duas corridas com a mesma duração. No caso da Adidas, os Ultraboost, sem costuras, dão uma sensação de adaptação imediata ao pé quando se calça, como uma luva — na corrida, o conforto do amortecimento do boost faz com que quase não sintamos o embate no chão. Se há sapatilhas que dão a sensação de leveza, são estas. Já os Nike Air Zoom Elite 8 recorrem às tecnologias Zoom Air e à espuma Lunarlon. Neste caso, a vantagem de ter uns ténis com costura foi a segurança do passo — a sensação de estabilidade e firmeza em cada passada. Pedimos às marcas um bilhete de identidade dos ténis.

 

Nike Air Zoom Elite 130€

Os Nike Air Zoom Elite 8 são vendidos como o modelo mais leve da família Zoom, com uma sola que combina as tecnologias Zoom Air e Lunarlon, para um amortecimento suave. Cada unidade Nike Zoom Air é preenchida com pequenas fibras que limitam a expansão da camada de ar presente na sola quando esta é pisada. Isto faz com que, segundo a marca, esta camada volte à sua forma original mais rapidamente, criando amortecimento responsivo

Adidas Ultra Boost 180€

Os Adidas Ultra Boost são o primeiro modelo de corrida com sola 100% boost, que oferece um amortecimento reactivo. Foram desenvolvidos durante dois anos e para tal a Adidas teve por base estudos antropomórficos e o sistema Aramis, utilizado pela Nasa, Boeing e Audi para medir provas de choque, análises de vibração e estudos de durabilidade. Como o pé pode expandir até pelo menos 10mm ao longo da passada, é usado Primeknit no topo. Quando o pé está restringido, a sua expansão pode causar incómodo, fricção e bolhas e Primeknit é um material com um toque suave, bastante elástico e respirável. A marca destaca a borracha continental, pois a transferência dos compostos dos pneus para o calçado de corrida pode ajudar a melhorar a performance dos atletas    
 

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