Investimentos da Fidelidade na Fosun levantam dúvidas ao regulador

Actuação da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões poderá levar a uma redução da exposição da Fidelidade à Fosun.

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Nuno Ferreira Santos

O PÚBLICO apurou que a entidade presidida por José Almaça, que monitoriza o sector segurador, tem vindo a pedir à Fidelidade informações adicionais sobre as decisões de investimentos envolvendo sociedades do grupo chinês, de que é parte relacionada. Na prática, a ASF quer garantir que a cultura de risco seguida antes da passagem do controlo da empresa liderada por José Magalhães Correia para a Fosun, se mantém e que a empresa não foi capturada pelos interesses do seu investidor maioritário com 85% do capital (a Caixa Geral de Depósitos detém os restantes 15%).

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O PÚBLICO apurou que a entidade presidida por José Almaça, que monitoriza o sector segurador, tem vindo a pedir à Fidelidade informações adicionais sobre as decisões de investimentos envolvendo sociedades do grupo chinês, de que é parte relacionada. Na prática, a ASF quer garantir que a cultura de risco seguida antes da passagem do controlo da empresa liderada por José Magalhães Correia para a Fosun, se mantém e que a empresa não foi capturada pelos interesses do seu investidor maioritário com 85% do capital (a Caixa Geral de Depósitos detém os restantes 15%).

O PÚBLICO confirmou que as investigações estão em curso e poderão abrir o caminho a uma redução da exposição da Fidelidade à Fosun. Inquirida pelo PÚBLICO sobre o tema a ASF pronunciou-se de modo circunstancial. Começou por notar que decorrem avaliações a todo o sector “no domínio prudencial” e reconheceu que sendo a Fidelidade “o maior operador nacional e tendo um accionista que se encontra a implementar um plano de negócios a três anos” acordado no quadro da privatização, “o acompanhamento” da ASF é “particularmente activo”.

Isto, em especial, no que concerne “às decisões de investimento, tendo em conta, a natureza e duração das responsabilidades decorrentes dos contractos de seguros subscritos e os limites de diversificação e dispersão prudenciais”.

Em Maio de 2014 a Fosun assumiu formalmente 80% da Fidelidade por cerca de 1100 milhões de euros, verba financiada por um banco chinês a juros de 5%. A este montante somam-se mais 650 milhões de euros em resultado do pagamento de dividendos antecipados à CGD e da aquisição do lote de acções reservado aos trabalhadores e que não foram subscritas.

Passados seis meses, em Novembro de 2014, a Fidelidade subscreveu duas emissões no valor global de 1100 milhões de euros de títulos emitidos por um veículo da Fosun, o Xingatao Assets Limited, com sede em Dublin, que se destina a levantar fundos no mercado para financiar a expansão chinesa. A aplicação inscrita no balanço de 2014 da Fidelidade, no capítulo de transacções com partes relacionadas, tem associado um cupão anual de 3,3% e destinou-se a refinanciar dívida com maturidade até 2022. E prevê uma opção de resgate para liquidação.

Posteriormente a Fidelidade comprou activos imobiliários a uma outra empresa da Fosun, a Idera, por cerca de 340 milhões de euros: dois edifícios estão no Japão e custaram à volta de 260 milhões de euros e um outro está em Sidney e foi adquirido por 80 milhões de euros. Os projectos geram uma rentabilidade anual de 5,6% a 12% à Fidelidade.

O timing e a natureza das duas operações podem configurar um apoio da Fidelidade ao accionista maioritário, o que legitima dúvidas: Estará a Fosun usar a Fidelidade para pagar os seus investimentos?  

 Em declarações recentes em Xangai, veiculadas pela comunicação social portuguesa, o CEO do grupo chinês, Liang Xinjun, afirmou que os “investimentos” da Fidelidade “não trazem risco” e “permitiram melhorar a rentabilidade da seguradora.” E deu outra informação: a Fosun “já recuperou grande parte do investimento que fez na compra da Fidelidade e está a levar a cabo uma estratégia de redução da sua dívida, que passa pela emissão de novas acções e pela venda de títulos em carteira”.

Formalmente a estratégia de investimentos da maior seguradora parece respeitar as regras básicas de exposição ao risco, por exemplo, no que respeita à compra de dívida de uma empresa cotada numa bolsa europeia e ao nível de rentabilidade das aplicações (o limite máximo é de 20% quando se trata de investir numa empresa relacionada com o accionista).

Hoje, os activos sob gestão da Fidelidade ascendem a 13,5 mil milhões de euros, dos quais apenas 1400 milhões são activos livres.

Inquirido pelo PÚBLICO sobre a proveniência dos fundos aplicados no Xingatao, fonte oficial da Fidelidade esclareceu que “parte substancial veio de verbas libertas que não estão afectas a quaisquer responsabilidades com clientes e pertencem à companhia”. Ou seja: se por hipótese se viesse a considerar que a dívida emitida pelo veículo chinês se tornara insolvente, os segurados não eram afectados, mas apenas os accionistas da companhia.

Uma outra parte do valor aplicado vem dos 12,1 mil milhões de euros afectos a provisões técnicas destinam-se a cobrir compromissos futuros de clientes que compraram seguros para prevenir riscos ou produtos financeiros, como complementos de reforma, pensões de invalidez ou de morte. E, por isso, a rentabilização respeita regras estritas. Por serem grandes investidores institucionais, as seguradoras são muito disputadas, designadamente, por private equities (como é a Fosun), pois dão acesso a dinheiro barato e boa capacidade de alavancagem. Em Portugal, também a Tranquilidade foi adquirida por um fundo de investimento de risco, o norte-americano Apollo.

Um quadro da autoridade de supervisão admitiu que “o perfil do investimento Fidelidade parece ser o correcto e ser coerente com os critérios da actividade e garantir uma rentabilidade que permita ocorrer a um sinistro”. Mas com pontos controversos “por indiciar algum grau de concentração de risco numa parte relacionada, que é um conglomerado financeiro que, por natureza, tem sempre uma componente opaca”.

A Fidelidade tem defendido as decisões tomadas, observando que “obedeceram a um mecanismo de aprovação específico, usual nestas situações, tendo de ser aprovada por uma maioria qualificada de administradores indicados pelos dois accionistas de referência (Fosun e CGD)”. Já a Fosun respondeu apenas que "tanto a Fosun como qualquer das empresas suas participadas se gere segundo o estrito cumprimento das regras de cada país em que actuam".

Na administração da Fidelidade presidida por Guo Guangchang (o rosto da Fosun, de 22 anos, e o 25ª homem mais rico da China), estão 14 gestores, sete dos quais chineses. A CGD está representada por João Nuno Palma, Nuno Fernandes Thomaz e João Pedro Cabral dos Santos (gestores executivos da CGD).

Actualmente a seguradora tem em carteira cerca mil milhões de obrigações emitidas pela CGD, fora as verbas depositadas no banco. Mas a exposição total ao banco público chegou a ser superior a 5000 milhões. Uma fonte do banco estatal explicou que existe um acordo para que os investimentos da Fidelidade nos dois accionistas sejam equivalentes.

Com os relatórios publicados na praça de Hong Kong, a Fosun  protagoniza uma onda de aquisições internacionais sustentada em dívida que, no final de 2014, chegou a aproximar-se de 15 mil milhões de euros, o que justificou alertas das agências de rating. Em Novembro, Guo Guangchang afirmou ao Financial Times que a aquisição da Fidelidade significava que tinha agora mais activos que podia usar para investimentos, e que isso tinha ajudado a aplicar 100 milhões de dólares na Alibaba quando esta entrou em bolsa.

A S&P classifica a Fosun com o rating BB e a Moody’s com o de BA3, um grau acima do da CGD contaminada pelo risco país. Já este mês em Xangai, o CEO Liang Xinjun confirmou que a Fosun está a seguir uma estratégia de diminuição da dívida, com emissão de novas acções e venda de activos. 

Depois da entrada na Fidelidade, a Fosun acabou a assumir-se como o investidor chinês com maior presença em Portugal. Mas muitos dos activos são detidos indirectamente como são os casos dos Hospitais Luz (adquiridos ao GES, após uma OPA onde ganhou aos outros concorrentes pelo preço) e da posição de 5,1% na REN, activos nas carteiras da Fidelidade. A seguradora acompanha, aliás, o seu principal accionista noutros projectos com menor fôlego: é accionista de uma distribuidora chinesa de filmes e da Tom Tailor, uma sociedade alemã de moda com 52 anos. E investiu no Club Med, adquirido pela Fosun já em 2015.

Outro dado que não escapa à atenção do regulador prende-se com o facto de a comissão de investimento da Fidelidade, que deve supervisionar todas as decisões, em particular quando estão em causa grandes somas, estar a ser chamada a pronunciar-se à posteriori. Os estatutos da empresa prevêem que o possa fazer e foi o que aconteceu com a decisão de comprar divida de sociedades  Fosun. No entanto, o PÚBLICO sabe que a situação está a gerar desconforto dentro da Fidelidade, com alguns técnicos a resistirem a inscrever as suas análises para validar investimentos já concretizados, bem como na CGD, dado que centenas de milhares de clientes compraram produtos Fidelidade aos balcões do banco.

Tudo isto explica que o Banco de Portugal esteja já a acompanhar a situação, depois de lhe terem chegado informações sobre o tema Fosun. Os alertas não serão alheios à venda do Novo Banco pelo Fundo de Resolução, gerido pelo BdP, que é disputado por uma lista restrita de 5 candidatos, onde estão dois chineses, a Fosun e Anbang, e dois fundos norte-americanos a Apollo e a Cerberus, além do banco espanhol Santander.