A violência inter-religiosa está a aumentar no Brasil

As organizações que defendem a diversidade alertam para o radicalismo dos grupos evangélicos, que diabolizam os cultos de origem africana e ameaçam a cultura do país.

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Celebração de Yemanjá no Rio de Janeiro Christophe Simon/AFP

Eduardo Paes, o presidente da câmara desta cidade, que acolherá os Jogos Olímpicos em 2016, apressou-se a pedir desculpa "em nome dos cariocas" a Kailane Campos, de 11 anos. A rapariga foi ferida na cabeça à pedrada por dois homens que lhe chamaram "diabo" e gritaram "Jesus está para chegar". Kaliane Campos estava vestida de branco, a roupa tradicional do Candomblé, um rito afro-brasileiro muito difundido.

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Eduardo Paes, o presidente da câmara desta cidade, que acolherá os Jogos Olímpicos em 2016, apressou-se a pedir desculpa "em nome dos cariocas" a Kailane Campos, de 11 anos. A rapariga foi ferida na cabeça à pedrada por dois homens que lhe chamaram "diabo" e gritaram "Jesus está para chegar". Kaliane Campos estava vestida de branco, a roupa tradicional do Candomblé, um rito afro-brasileiro muito difundido.

"A marca do Rio é a diversidade. É inaceitável que uma pessoa seja agredida por causa da sua religião", disse Campos, enquanto o arcebispo católico, Orani Tempesta, vê "estes sinais de intolerância religiosa como muito inquietantes".

"Numa cidade que vai receber os Jogos Olímpicos, tem que se apoiar a diversidade cultural. Não somos contra os evangélicos, mas contra uma minoria fascista que tem um projecto de construção de um poder hegemónico. É muito perigoso para a liberdade de expressão e para a democracia brasileira", disse Ivanir dos Santos, um babalawo (guardião dos segredos do Candomblé) que coordena, desde 2007, a marcha contra a intolerância religiosa que reúne todos os anos centenas de milhares de pessoas de todos os credos na praia de Copacabana.

No domingo, uma marcha de apoio à rapariga atacada juntou 1500 pessoas, entre os quais muitos evangélicos que "rejeitam o fanatismo de certos grupos".

"Estas perseguições não são de hoje mas estão a piorar, e nós queremos romper o silêncio. Alguém devia responder por estes actos de violência. O Governo federal deve criar um plano nacional para combater a violência religiosa", disse Ivandir dos Santos.

No maior país católico do mundo, onde metade dos 202 milhões de habitantes são negros ou mestiços, o sincretismo religioso está muito presente. Depois de assistirem à missa de Natal no dia 24 de Dezembro, no dia 31 milhões de brasileiros vestem-se de branco e negro para fazerem a oferenda a Yemanjá, a deusa do mar no Candomblé. Muitos acreditam nos espíritos e na reencarnação.

Porém, desde há 30 anos, as igrejas evangélicas proliferam, sobretudo nos meios pobres, e "diabolizam" os cultos de origem africana.

Nas prisões, os pastores são muito activos e hoje muitos traficantes de droga ordenam o encerramento dos terreiros (lugares de culto do Candomblé) nas favelas, sublinha Ivandor Santos. "É racismo. O fim do sincretismo coincide com a ascensão das igrejas evangélicas".

"No Rio, estes neo-pentecostalistas mudaram a cultura moderna da cidade. A alegria — como o Carnaval e o samba — tornou-se pecado", diz o presidente do Instituto para a Diversidade de Salvador da Bahia, Hélio Santos.

Este responsável diz ser adepto "da doutrina espírita" fundada no século XIX pelo francês Allan Kardec. Foi popularizada no Brasil por Chico Xavier, que morreu em 2002 aos 92 anos e cujo túmulo foi profanado na sexta-feira da semana passada em Uberaba, no estado de Minas Gerais.

"É preciso valorizar a diversidade. O Brasil está à beira de se tornar anacrónico, de fazer marcha atrás. Um país que quer ser a quinta ou a sexta potência do mundo até 2030 não conseguirá o seu objectivo com as posições evangélicas. A sociedade deve reagir urgentemente", defende Hélio Santos, que é doutorado em Economia.

Nota que o grupo parlamentar Frente Evangélica, que se opõe à igualdade racial e de género, ao aborto e ao casamento gay, é hoje a terceira força do Parlamento e que o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, é pentecostalista. Acrescenta: "Os evangélicos também têm um grande peso na comunicação social, fazem proselitismo e são muito bons em marketing".

Evangélicos crescem

Segundo o Censo 2010, divulgado na sexta-feira da semana passada, o número de evangélicos no Brasil cresceu  61,5% em dez anos, com 16 milhões de novos fiéis.

"Temos notado um declínio acentuado da população católica no Brasil, e essa é uma tendência observada nos Censos de 1991, 2000 e 2010", disse o investigador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Cláudio Dutra. "São as igrejas pentecostais que puxam o crescimento da população evangélica como um todo", acrescentou.

Entre 2000 e 2010, o total de evangélicos subiu de 26,2 milhões de pessoas para 42,3 milhões. A proporção de evangélicos em relação à população avançou de 15,5% para 22,2%. Em 1991, representavam apenas 9% por cento da população. 

O número de católicos, por seu lado, encolheu nesses dez anos de 73,6% dos brasileiros para 64,6% (em 1991 eram 83% da população.

A confissão evangélica, diz o estudo do IBGE, tem mais penetração entre os jovens. "A proporção de católicos é maior entre as pessoas com mais de 40 anos, decorrente de gerações que se formaram em períodos de hegemonia católica. Os evangélicos têm maior proporção entre crianças e adolescentes."