Pais do Amaral ameaça avançar para tribunal contra Humberto Pedrosa
Empresário queixa-se de conduta “desleal” do ex-parceiro de consórcio, que diz tê-lo impedido de avançar com oferta firme pela TAP.
O dono da Leya alega que o líder da Barraqueiro foi “desleal” e quebrou o contrato de confidencialidade que o impedia de associar-se um concorrente na corrida pela TAP. Agora, ameaça recorrer à justiça portuguesa e norte-americana, soube o PÚBLICO junto de fonte próxima do processo.
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O dono da Leya alega que o líder da Barraqueiro foi “desleal” e quebrou o contrato de confidencialidade que o impedia de associar-se um concorrente na corrida pela TAP. Agora, ameaça recorrer à justiça portuguesa e norte-americana, soube o PÚBLICO junto de fonte próxima do processo.
O aviso foi feito por Miguel Pais do Amaral numa carta que, segundo a mesma fonte, foi enviada a Humberto Pedrosa na quarta-feira, no mesmo dia em que este e o seu sócio, David Neeleman, dono da Azul, assinaram o contrato de compra de 61% da TAP no Ministério das Finanças, em Lisboa. “Ao criar na Quifel Holdings [QH] a legítima convicção que integraria o consórcio por ela liderado e ao desligar-se no dia final, [Humberto Pedrosa] incorreu em clara responsabilidade pré-contratual", lê-se na carta a que o PÚBLICO teve acesso.
Nela, a Quifel, a holding pessoal de Pais do Amaral, garante a Pedrosa “que não deixará de o denunciar e responsabilizar, privada e publicamente, nas instâncias e pelas formas que julgar conveniente”. Em declarações ao PÚBLICO, Humberto Pedrosa disse desconhecer a existência deste documento: “Não sei de nada, não recebi carta nenhuma e não acredito que isso possa acontecer e que [Miguel Pais do Amaral] possa ter uma atitude dessas porque além do mais somos amigos pessoais”.
Mas Pais do Amaral garante que tem capital de queixa de Pedrosa e assegura que “em devido tempo e no lugar próprio a QH apresentará a respectiva contabilização total” dos prejuízos sofridos com “os actos de concorrência desleal” que imputa ao ex-parceiro de consórcio. O que inclui o facto de a mudança de barricada de Humberto Pedrosa o ter alegadamente impedido de avançar com uma proposta vinculativa pela transportadora aérea depois de ter sido o primeiro a manifestar interesse na privatização.
Até à data, Miguel Pais do Amaral tinha-se mantido discreto em relação à ruptura com o patrão da Barraqueiro, justificando o facto de não ter entregado uma proposta vinculativa pela TAP com a necessidade de avaliar o impacto da greve de dez dias dos pilotos, em Maio, nas vésperas de entrega das propostas. Porém, a carta enviada a Pedrosa é taxativa: a renúncia deste ao consórcio, “comunicada no dia limite de apresentação de proposta vinculativa, impediu a QH de procurar uma alternativa a essa ausência”.
O dono do grupo Leya vai mais longe e diz que foi a aliança com Pedrosa que garantiu a Neeleman “condições de admissibilidade [no processo de privatização], que de outro modo não conseguiria reunir”. Isto porque as regras comunitárias impedem investidores não europeus de controlar companhias de aviação do espaço comunitário. A proposta da Atlantic Gateway (em que os dois sócios foram assessorados pela sociedade de advogados Cuatrecasas, Gonçalves Pereira) garante ao Estado um encaixe de dez milhões de euros e à TAP uma injecção de pelo menos 354 milhões.
A proposta liderada por Miguel Pais do Amaral que foi entregue à Parpública em Maio “não seria a mesma” se tivesse contado “com a participação de Humberto Pedrosa”, disse ao PÚBLICO fonte próxima do processo. Recorde-se que Pais do Amaral (que inicialmente apareceu associado ao antigo accionista e presidente da Continental Airlines, Frank Lorenzo) entregou apenas uma proposta não vinculativa, com o apoio de três fundos internacionais cujos nomes não foram divulgados, em que pedia quatro a seis semanas para apresentar uma oferta final, o que levou o Governo a afastá-lo do processo. A proposta pressupunha 325 milhões de euros para capitalizar a TAP, mas não incluía dinheiro pelas acções da companhia.
Agora, o investidor vem acusar Pedrosa de o ter forçado a ficar pelo caminho, mas também de ter copiado para a Atlantic Gateway “diversas soluções financeiras e operacionais” que a Quifel tinha considerado apresentar. O investidor acusa ainda Pedrosa de ter quebrado “o princípio da igualdade das partes” ao aproximar-se de Neeleman com informação pormenorizada da oferta da Quifel que permitiu colocar a Atlantic Gateway “numa posição privilegiada em relação aos restantes concorrentes” e diz que o empresário “actuou maliciosamente”.
Recorda também que o Grupo Barraqueiro assinou a 23 de Agosto do ano passado um contrato de confidencialidade, com a validade de três anos que, além de “restringir a divulgação de informação” do consórcio, “proibia a associação, a qualquer título com qualquer outro concorrente”. Um compromisso que “até hoje nunca foi denunciado”, garante Pais do Amaral.
Na carta, o fundador da Quifel fala em “juízos éticos” a retirar da conduta de Pedrosa, mas também de prejuízos objectivos que o empresário dos transportes tem “o dever de indemnizar”. Relata ainda que foram as “divergências com sócios do Grupo Barraqueiro” (os ingleses da Arriva) o motivo invocado por Humberto Pedrosa para participar no consórcio com a sua holding pessoal (a HPGB).
Mas se esse pedido, feito “a poucos dias” da data prevista para a entrega da proposta vinculativa, foi “aceite sem qualquer reserva” pela Quifel, porque se entendia que Humberto Pedrosa tinha “o controlo efectivo das duas estruturas” e que a alteração “não afectava as obrigações já assumidas”, a “estupefacção” havia de chegar a 15 de Maio. Só nessa data, o fim o prazo para a entrega das propostas vinculativas pela TAP, Pais do Amaral diz ter recebido a informação de que Pedrosa “iria integrar um consórcio concorrente”, tendo sabido apenas “pela comunicação social” que o antigo parceiro “integrou esse consórcio concorrente numa posição de liderança”.
Já depois de conhecida esta troca de chapéus, Miguel Pais do Amaral garantiu até ao final do prazo de entrega de propostas que mantinha o interesse na TAP e que tudo continuava em aberto. Foi só no dia 21 de Maio que o Governo confirmou que a proposta da Quifel não cumpria os requisitos do caderno de encargos, pelo que só as ofertas firmes da Atlantic Gateway (Humberto Pedrosa, com 51% do consórcio, e David Neeleman, com 49%) e Germán Efromovich, o dono da Avianca, passariam à fase de negociação.
Derrotado, este empresário brasileiro avançou com uma queixa junto da Comissão Europeia por duvidar que o consórcio Pedrosa/Neeleman cumpra as regras comunitárias. É que o dono da Azul esteve desde cedo sozinho na corrida pela TAP e foi só a cerca de um mês da entrega de propostas que se aliou a Pedrosa. Este ficou formalmente ficou com a maioria do consórcio, permitindo a Neeleman cumprir a legislação europeia.