João Ribas: um mediador com jardim ao fundo
Passou pelo Drawing Center e o List Art Center. Foram 27 anos nos Estados Unidos. Agora está em Serralves.
Estamos no restaurante. O barulho à volta é imenso, mas Ribas não parece incomodado. Minutos antes terminou a visita de imprensa ao seu primeiro grande gesto de curadoria para o museu – depois de dois projectos de menor escala: a inauguração em Fevereiro da nova Sala de Projectos, de entrada gratuita, com “Paraficção”, de Salomé Lamas, e “Pode o museu ser um jardim?”, uma estratégia de revisão da colecção feita por etapas (até Setembro).
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Estamos no restaurante. O barulho à volta é imenso, mas Ribas não parece incomodado. Minutos antes terminou a visita de imprensa ao seu primeiro grande gesto de curadoria para o museu – depois de dois projectos de menor escala: a inauguração em Fevereiro da nova Sala de Projectos, de entrada gratuita, com “Paraficção”, de Salomé Lamas, e “Pode o museu ser um jardim?”, uma estratégia de revisão da colecção feita por etapas (até Setembro).
Ribas tem 36 anos. Nasceu em Braga, mas passou últimas quase três décadas nos Estados Unidos, onde construiu o seu percurso até agora, primeiro na crítica de arte e, depois, em cargos de curadoria em instituições como o MIT List Arts Center, o centro de artes visuais do famoso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge (2009-2014), e o The Drawing Center, de Nova Iorque (2007-2009). Inicialmente estagiário de Carolyn Christov-Bakargiev no P.S. 1, em sete anos recebeu quatro prémios para melhor exposição do ano atribuídos por observadores como a delegação norte-americana da Associação Internacional de Críticos de Arte. E estamos a falar dos Estados Unidos, onde a competição é feroz. Entretanto, no fim do ano passado chegou ao Porto como adjunto da nova directora do museu, Suzanne Cotter. Afinal, o que o trouxe a Portugal? Que faz ele aqui?
Aventamos a hipótese de já nem ser bem português, mas ele recusa. “Sou português, nasci em Portugal e tenho uma experiência completamente portuguesa, no sentido de ser imigrante. Também sempre senti e tive uma relação com a Cultura e a arte portuguesa, através de vários artistas portugueses com quem já trabalhei e com os quais tenho uma relação próxima.”
É a primeira parte da resposta. Na segunda surge o repúdio pela carga pejorativa face ao país que se insinua sempre que se pergunta a alguém porque decidiu voltar: “A pergunta implica que tudo o que está lá fora é bom e o que está cá dentro é mau. Não reconheço isso. Não existe.” Depois há outra questão – ele não está “a voltar”: “Sou uma pessoa diferente da que era quando sai de cá. Era uma criança. E hoje as condições do país também são completamente diferentes, em todos os sentidos – socialmente, economicamente, politicamente. São várias décadas de transformação. Nesse sentido, não se volta. Reanima-se uma relação, reinveste-se.”
Outra questão resvaladiça: a da falta de presença histórica dos artistas portugueses nos circuitos internacionais e da relativa invisibilidade a que a posição periférica do contexto nacional parece votar os seus agentes. Pessoas como ele.
Ribas recusa. Depois de um período de uma certa ansiedade em marcar presença, diz que “a nova geração de artistas portugueses participa da cena internacional”. Sublinha também que, de qualquer forma, potenciar o grau dessa participação faz parte da sua missão – da missão de qualquer curador em qualquer lugar do mundo. “A minha responsabilidade é programar os artistas. É menos uma preocupação pessoal e mais uma ética da minha função. Tenho a certeza que qualquer artista português pode participar em qualquer bienal. Sem dúvida. Sempre achei que a arte portuguesa tem uma história importante e um potencial altíssimo. A nossa responsabilidade [no museu] é ajudar a esse conhecimento.”
Serralves tem projecção internacional, um historial de ambição e um percurso nessa via de trabalho. “No corredor dos nossos gabinetes temos os cartazes das exposições que se fizeram aqui nos últimos 15 anos”, sublinha Ribas, “e é inacreditável o que lá está! Lygia Clark, Nan Goldin, Christopher Williams, Warhol, Claes Oldenburg... E depois os portugueses: René Bertholo, Alberto Carneiro, Ana Jotta…”
Por outro lado, é pensar o curador como mediador: “Eu faço o que faço porque quero transmitir a energia, o prazer e o momento de clarividência de [estar frente a uma obra de arte e] ver o mundo como outra pessoa o vê. Quero que outros vivam essa experiencia afectiva, intelectual e sensorial, que sintam essa electricidade. Seja uma coisa que venha da Tailândia, de Coimbra ou Braga, a emoção é a mesma: a euforia, o nervosismo de querer partilhar. É por isso que faço isto.”
É uma história de “afectos mortos que têm de ser activados”. Fazer a mediação – entre a instituição e o artista, entre a obra e o espaço, a obra e o público… Mesmo o público muitas vezes esquecido pelos curadores: o infantil. “Este museu está cheio quase todos os dias. E a energia das crianças mal comportadas no espaço é incrível. Entram e ficam logo ou de olhos esbugalhados [de fascínio] ou a torcer o nariz [em recusa]. Provavelmente como curador não devia dizer isto, mas adoro quando desatam a correr pela rampa. Estão vivas.”