A cultura da atenção e do consumismo

Os dois mecanismos essenciais à construção individual – solidão social e solidão intrapsíquica – são desvalorizados. Não são tomados em consideração sequer

Foto
Darren Staples/Reuters

Vivemos numa cultura de consumismo, de materialismo do consumo, de mediatismo, de atenção.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Vivemos numa cultura de consumismo, de materialismo do consumo, de mediatismo, de atenção.

Cada qual já não tem valor intrínseco como ser humano, mas sim aquele que a sua imagem tiver no mercado, o lucro ou o retorno que der.

Troca-se a privacidade pelo dinheiro ou pela atenção. O luto, a tristeza, as lamentações já não se podem fazer na intimidade do lar, dos amigos, dos familiares, de si mesmo. Violam-se os bonitos laços sentimentais que se nutriam com entes queridos perdidos, em favor de uma ida à televisão para encontrar o olhar humedecido de uma apresentadora que interrompe a história para relembrar o número de telefone para o concurso com um prémio monetário, para encontrar as carpideiras na assistência, pagas para entrar num coro de lamentação pública etiquetada, sem qualquer ligação emocional, sem qualquer empatia.

Os dois mecanismos essenciais à construção individual – solidão social e solidão intrapsíquica – são desvalorizados. Não são tomados em consideração sequer. Porque também já ninguém se toma a si próprio em consideração, mas sim à validação e à afirmação por parte de outrem, em praça pública.

As pessoas enchem-se de marcas, a cobrir o corpo (roupa) ou a mutilar a epiderme (tatuagens). Observam retratos fotográficos de tribais em museus, também eles cobertos de marcas culturais no corpo, mas nem reparam, porque estão demasiado longe da sua cultura, com a qual não se pode tomar contacto verdadeiro pela superfície captada por uma objetiva mecânica, que as outras marcas contêm em si uma distinção do indivíduo na sua sociedade e uma simbologia límpida, significante. Na nossa cultura, as marcas corporais, que cubram ou chaguem o corpo, não representam nada, mas servem apenas a apropriação do individual de quem as porta e mostra pela sociedade, qual animal de consumo marca a ferro ao rubro.

Encontra-se, tal como nos tribais, um exotismo na natureza, numa inversão de artificialidade em relação ao urbanismo, ao arquitetural da vida metropolitana que já só encontra reminiscência de um antigo cosmopolitismo na livre mercantilização das marcas, da publicidade, dos produtos que se querem obsoletos o suficiente para manter as pessoas numa cadeia viciosa de consumo.

E o consumismo pede uma disposição acrítica por parte do consumidor. Praticamente qualquer assunto “tabu” em sociedade foi reduzido ao seu valor no mercado económico monetário. Há de, com atenção, encontrar-se um nicho de mercado associado a qualquer tema que seja considerado politicamente correto discutir.

Ninguém é livre. A liberdade é estabelecida pelo poder de compra de cada um e pela sua capacidade de influenciar a opinião pública, de determinar tendências de moda e de consumo, de comprar a legislação daquilo que facilita a sua atividade empresarial e aumenta a sua margem de lucro.