África coloca pela primeira vez cinco lanças na Volta a França

A MTN-Qhubeka anunciou a lista dos corredores que vão competir no Tour. A Eritreia estrear-se-á na prova com dois representantes.

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O maior contingente africano da história do Tour será assegurado pela MTN-Qhubeka DR

Para os corredores escolhidos, a divulgação dos nove convocados terá funcionado como uma espécie de noite dos Óscares. Especialmente para os sul-africanos Louis Meintjes, Jacques e Reinardt Janse Van Rensburg e para os eritreus Daniel Teklehaimanot e Merhawi Kudus. “Seria sempre difícil eleger nove entre 23. Escolhemos os melhores de acordo com os objectivos. Não iremos ao Tour focados só no sprint ou no contra-relógio, queremos aproveitar as oportunidades em várias etapas”, assinalou Brian Smith, director da MTN-Qhubeka.

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Para os corredores escolhidos, a divulgação dos nove convocados terá funcionado como uma espécie de noite dos Óscares. Especialmente para os sul-africanos Louis Meintjes, Jacques e Reinardt Janse Van Rensburg e para os eritreus Daniel Teklehaimanot e Merhawi Kudus. “Seria sempre difícil eleger nove entre 23. Escolhemos os melhores de acordo com os objectivos. Não iremos ao Tour focados só no sprint ou no contra-relógio, queremos aproveitar as oportunidades em várias etapas”, assinalou Brian Smith, director da MTN-Qhubeka.

É disso que se trata para a maioria dos atletas: aproveitar a oportunidade. Afinal de contas, não é todos os dias que uma equipa africana, da categoria Profissional Continental da União Ciclista Internacional (UCI), recebe um wildcard para participar na Volta a França (a Europcar, a Cofidis, a Bretagne-Seche Environnment e a Bora-Argon 18 também foram premiadas com um convite da organização). Nem é todos os dias que se finta o destino.

Para lá da taquicardia
Como é que Daniel Teklehaimanot saltou para a primeira linha do ciclismo? Com um misto de talento, sacrifício e alguma sorte. Nascido em Debarwa, a 25km da capital da Eritreia, Asmara, viveu uma infância difícil, numa casa que partilhava com seis irmãs e cinco irmãos. A escassez de recursos não o impediu de dar nas vistas ao ponto de, aos 20 anos, se ter tornado campeão nacional de estrada.

A proeza valeu-lhe um convite para integrar o World Cycling Center — uma incubadora de ciclistas criada pela UCI para desenvolver atletas de nações mais desfavorecidas —, em Aigle, na Suíça, abrindo-lhe as portas de um admirável mundo novo. Programas de treino específicos, conhecimento táctico, nutrição, aulas de inglês, exames médicos, estava tudo ao dispor. E Daniel aproveitou.

Em 2010 assinou pela Cervélo e em 2012 mudou-se para a Orica GreenEDGE, vencendo pelo meio a Volta ao Ruanda, o campeonato africano de estrada e de contra-relógio e renovando ciclicamente os títulos nacionais. Já neste ano, foi o vencedor da classificação de montanha no Critério do Dauphiné, ao serviço da MTN-Qhubeka, pois claro. As debilidades que lhe apontam? Mais do que as lacunas técnicas, o domínio do inglês, uma empreitada complicada quem tem o tigrínia, uma língua semítica, como idioma-mãe.

“Não me importa se sou o primeiro ou segundo eritreu no Tour, só quero estar lá e poder estar em boas condições para competir”, disse recentemente ao site cyclingnews o rolador que já contornou adversidades bem maiores, como a falta de competição (em 2013, só conseguiu um visto válido por três meses) e uma cirurgia para debelar uma taquicardia, corrigida em 2009.

Cérebro de ciclista
Merhawi Kudus também nos ajuda a perceber o que o ciclismo significa para a Eritreia. “É um desporto muito popular. É como o futebol no Brasil”, atira, em entrevista à imprensa nacional. “Onde quer que vamos, há alguém a fazer corridas, por isso cresci a ver ciclismo”.

Nada que se pareça com o que vive agora, porém. Venceu a Volta ao Ruanda com 18 anos, cinco anos depois de ter começado a pedalar numa bicicleta de montanha, e, tal como Teklehaimanot, acabou por se recrutado para o World Cycling Center. “É tacticamente inteligente e um ciclista nato. Nasceu com um cérebro talhado para o ciclismo”, avalia JP Van Zyl, o líder do projecto da UCI na África do Sul.

A influência desta espécie de centro de alto rendimento no ciclismo africano e eritreu, em particular, é inegável. De praticamente nada, em, 2005, a Eritreia colocou um primeiro representante no World Tour (Teklehaimanot) e parece estar em condições de reforçar cada vez mais esse contingente.

“São pessoas muito pobres, mas muito orgulhosas. Compreendo bem por que razão são bons corredores, porque são muito disciplinados, nao têm muito dinheiro mas respeitam-se mutuamente. Isso é importante para singrar no ciclismo”, completa Van Zyl, radiante com as prestações de Kudus, segundo na Volta a Castela e Lão (2013) e na Volta a Langkawi (2014), para além das participações precoces na mítica e dura Milan-San Remo e na Vuelta do ano passado.

Semanas antes de saber que tinha sido seleccionado para atacar o Tour, Merhawi Kudus antecipava cenários: “Nunca esquecerei o momento de pisar a linha de partida”; “espero não ter tantos percalços como na Volta a Espanha [sofreu várias quedas e terminou em sacrifício]”. E que impacto terá a estreia de uma equipa africana na Grande Boucle? “Vai criar oportunidades para os corredores africanos, não apenas para as grandes provas, mas para o desenvolvimento da modalidade”.

Um toque de experiência
A inédita dupla da Eritreia terá em Utrecht, no dia 4 de Julho, no arranque da Volta a França, a companhia de outros três estreantes de um país que não é um novato nestas andanças. Directamente da África do Sul seguem o campeão continental e um dos destaques das etapas de montanha do Dauphiné, Louis Meintjes (23 anos e também um quinto lugar na 14.ª etapa da Vuelta), e os Janse van Rensburg: Jacques (27 anos), actual campeão sul-africano de estrada, e Reinardt (26), vencedor de duas etapas da Volta a Portugal de 2012.

A quota de maior experiência da MTN-Qhubeka é assegurada pelo credenciado norueguês de 28 anos Edvald Boasson Hagen (detentor de duas etapas do Tour), pelo norte-americano Tyler Farrar (31 anos e uma vitória em etapas na edição de 2011), pelo veterano britânico Steve Cummings (34 anos que serão particularmente úteis no contra-relógio por equipas) e pelo belga Serge Pauwels (31 anos talhados para ajudar nas montanhas).

Seja qual for o resultado obtido por esta task force nas estradas francesas, há uma vitória que já ninguém lhes pode tirar — a da visibilidade. “Durante o Tour, esperamos conseguir sensibilizar as pessoas e angariar fundos para a nossa campanha ‘Bicicletas Salvam Vidas’, que consiste em fornecer bicicletas às crianças que têm de andar mais de 6km para se deslocarem até à escola, na África do Sul”, detalha Brian Smith. Nesta corrida particular, a MTN-Qhubeka não terá concorrência à altura.