Há um "efeito Unesco" em Coimbra?
Dois anos depois da classificação de Património Mundial, A Universidade é a única instituição na qual dispararam as visitas. Hotelaria, restauração e maioria dos espaços museológicos não sentem, na generalidade, os resultados do aumento de turistas
As visões dos comerciantes sobre os efeitos da classificação atribuída há dois anos pela UNESCO a Coimbra como Património Mundial diferem, dependendo da localização do estabelecimento e do ramo de actividade. Se, para António Manuel, proprietário de um café que também serve refeições no Largo da Sé Velha, a classificação veio significar melhores tempos para o negócio, o mesmo não sucedeu a Ofélia Henriques, responsável por uma loja de souvenirs na Baixa da cidade.
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As visões dos comerciantes sobre os efeitos da classificação atribuída há dois anos pela UNESCO a Coimbra como Património Mundial diferem, dependendo da localização do estabelecimento e do ramo de actividade. Se, para António Manuel, proprietário de um café que também serve refeições no Largo da Sé Velha, a classificação veio significar melhores tempos para o negócio, o mesmo não sucedeu a Ofélia Henriques, responsável por uma loja de souvenirs na Baixa da cidade.
É esta segunda-feira que passam dois anos sobre a classificação da Universidade de Coimbra (UC) e da Rua da Sofia como Património Mundial pela UNESCO, mas as opiniões sobre o seu efeito na vida e na economia da cidade não são consensuais. “No primeiro ano, não se notou muito, mas a cada ano que passa tem-se notado o aumento de afluência”, diz António Manuel. Dono de um estabelecimento situado num ponto de passagem entre a Alta e a Baixa da cidade, com grande circulação de turistas, confessa-se mesmo “surpreendido” com o aumento da clientela. Por outro lado, explica que, se na faixa classificada a situação de outros estabelecimentos é semelhante, os fornecedores contam-lhe que, “fora do centro, a cidade está meia parada”.
Descendo para a Rua de Ferreira Borges, também um ponto de passagem da maioria dos que visitam a cidade, Ofélia Henriques garante que tem verificado uma diminuição no número de turistas ao longo dos anos. “O que temos aqui é turismo de pé-descalço, muito por causa das companhias aéreas low-cost, que não deixam transportar muita bagagem." A comerciante admite a passagem de muitas excursões, mas lamenta a falta de consumo.
A face mais visível do efeito UNESCO é a UC, que, desde 2013, viu aumentar 40% as receitas relacionados com turismo. De acordo com o reitor João Gabriel Silva, a instituição arrecadou 2 milhões de euros com a venda de bilhetes e merchandising em 2014 e prevê um crescimento de 10% no próximo ano. Associado a esta subida está o aumento do número de turistas a visitar a universidade. Desses, Gabriel Silva estima que apenas 10% sejam portugueses.
Museus não acompanham universidade
Em termos de espaços museológicos, as tendências são múltiplas, mas nenhuma instituição parece acompanhar o crescimento da UC. Apesar de o número de visitantes ter subido escassamente, ou, em alguns casos, diminuído, a percentagem de turistas estrangeiros tem vindo a aumentar.
De acordo com os dados recolhidos pelo PÚBLICO junto das instituições, o número de visitantes do Museu da Ciência e do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha tem vindo a diminuir. Apesar de ter registado uma subida no ano de 2014, o número de visitas ao mosteiro desceu para 35 mil, quando em 2012 se tinham registado 37 mil. No entanto, entre os dois anos, a percentagem de estrangeiros tem assinalado uma subida, de 17,5% para 22,2%.
Situado na zona Alta e pertencente à UC, também no Museu da Ciência se tem verificado uma tendência decrescente. O número de visitantes caiu de 24 mil em 2012 para perto de 20 mil no ano passado, quando a taxa de turistas estrangeiros rondava os 11%.
Já o Museu Municipal, localizado na Baixa, tem averbado uma tendência inversa. Entre 2012 e 2014, o espaço contabilizou um aumento de 10 mil visitantes, atingindo a marca dos 30 mil no ano passado. O Museu Nacional Machado de Castro (MNMC), instalado na Alta, é um caso singular. Tendo sofrido obras de requalificação e ampliação durante seis anos, reabriu em Dezembro de 2012, apenas a meio ano da classificação da UNESCO. Para a directora, Ana Alcoforado, “é um bocado difícil" associar o crescimento do museu à classificação. “Temos notado um crescimento acentuado, sobretudo de público internacional”, afirma, explicando que “poderá resultar ou não da classificação”. Em 2013, o MNMC recebeu perto de 58 mil visitantes, 23% dos quais estrangeiros. Em 2014, registou mais 4 mil entradas, sendo que a proporção dos estrangeiros se aproximou dos 30%. Ana Alcoforado esclarece que o museu está a “retomar os circuitos internacionais” e que não há um resultado imediato das acções de promoção. "Necessitamos de dois ou três anos para que isso aconteça”. A directora entende ainda que “o crescimento dos números do museu não tem acompanhado o dos números da UC”, porque “ainda se nota muito que os turistas vêm a Coimbra por um período muito curto e exclusivamente para visitar a universidade”.
Necessidade de fixar turistas
A fixação dos turistas é uma questão levantada há anos por responsáveis políticos ou institucionais da cidade, que mesmo com a classificação de parte de Coimbra como Património Mundial não foi solucionada. A região Centro apresenta uma taxa de ocupação de camas inferior à média nacional. O presidente da Turismo do Centro, Pedro Machado, avalia que, apesar de ser “evidente que há um aumento do fluxo de turistas na região Centro – em particular em Coimbra –, não há mais gente a permanecer na cidade”. O dirigente cita dados do INE que mostram que, na região Centro, entre Janeiro e Fevereiro deste ano, foi registado um crescimento de 14% no fluxo de turistas em relação ao período homólogo de 2014. No entanto, Pedro Machado admite que este aumento pode não ter uma relação directa “com o número de estadias médias na região Centro e em Coimbra”.
O presidente da delegação da Associação de Hotelaria e Restauração de Portugal (AHRESP) de Coimbra, José Madeira, entende que “o efeito no turismo ainda está por ser comprovado”. Também proprietário de um hotel na Baixa, o responsável considera que “grande parte dos visitantes não sabe que Coimbra é Património Mundial” e que, mesmo tendo-se “notado um maior crescimento no turismo de excursões e de passagem”, estes constituem “grandes grupos que não se alojam em Coimbra e, na maioria, nem o comércio ou restaurantes usam”.
Quanto aos efeitos do aumento do fluxo de turistas, José Madeira interpreta que a “ligeira recuperação verificada” em 2014, “com tendência para continuar em 2015”, acompanha “a tendência do mercado nacional”. Pedro Machado refere a responsabilidade das unidades hoteleiras e de restauração na fixação de turistas para que eles pernoitem em Coimbra. “Também é bom que a hotelaria e a restauração se organizem, criando pacotes específicos que possam ajudar a captar e a fixar os turistas mais tempo na cidade”, afirma o presidente da Turismo do Centro, segundo o qual “há uma parte que compete à iniciativa privada” na criação de “estímulos para que os turistas passem mais tempo na cidade”. Sobre a dificuldade de evitar que os visitantes cheguem de manhã, visitem a universidade e sigam caminho, apesar de interpretar este fenómeno à luz do “efeito centrífugo da universidade”, Pedro Machado lembra que a “movimentação de turistas implica alguma maturidade” e que uma mudança nesta situação leva algum tempo.
Encontra-se consenso na necessidade da existência de uma estratégia para cativar quem visita Coimbra a ficar mais tempo. O curador da candidatura à UNESCO, Raimundo Mendes da Silva, explica que “uma candidatura a Património Mundial pressupõe um compromisso com uma capacidade de visitação consciente, interessante, apelativa e responsável para grandes massas”. Prevista no Plano de Acção entregue à UNESCO aquando da candidatura, a construção de um Centro de Informação e Divulgação da UC é vista como uma necessidade. “Independentemente do modelo, Coimbra tem que ter uma estratégia integrada de acolhimento de turistas”, considera o curador.
João Gabriel Silva esclarece que “neste momento, não se encontra forma de financiar” esse projecto e que esse tipo de estrutura é algo que pode ser acolhido no Convento de S. Francisco, quando este for inaugurado. Também no Plano de Acção figuram outros projectos como a construção de um parque de estacionamento na Alta da cidade, que ajudaria a solucionar o problema de estacionamento que a zona universitária enfrenta. Com estimativas de custos e prazos, Mendes da Silva refere que estes “são indicativos”. O reitor esclarece que o plano “é para rever”, pois “as condições, neste momento, são muito diferentes daquilo que eram quando foi escrito”, e que não há por esse motivo “nenhum problema com a UNESCO”. Gabriel Silva explica que a universidade “não dispõe de meios” financeiros para levar a cabo projectos dessa dimensão. “Continuamos a festejar o facto de a UC ter sido classificada, mas ainda não estamos em condições de festejar aquilo que fizémos depois de conseguir a classificação”, avalia Raimundo Mendes da Silva. Em relação ao que está por fazer, o curador considera que “é preciso criar roteiros e sinalética articulada com a cidade”, bem como pensar em questões de “mobilidade, de circuitos, numa perspectiva de um plano de cidade”.
A associação RUAS foi criada, de acordo com os seus estatutos, com a finalidade de “salvaguardar, promover e gerir as áreas candidatas [mais tarde classificadas] e de protecção” através de vários meios. Com a direcção repartida entre a UC, a Câmara de Coimbra e a Direcção-Geral de Cultura do Centro (DRCC), Raimundo Mendes da Silva considera que a associação tem atravessado “períodos cíclicos de inactividade e reflexão”. Depois de ter “desempenhado o seu papel de uma forma muito intensa para a aprovação da candidatura”, a RUAS tem, na opinião do curador da candidatura, “demorado a entrar na velocidade de cruzeiro”. No entanto, Gabriel Silva considera que a principal função da associação (“servir de interlocutora com a UNESCO”) tem sido “cumprida”.
Apesar de reconhecer que a RUAS atravessou “um período de redefinição estratégica”, o reitor acredita que esse momento está ultrapassado. “Houve uma redefinição do modo de funcionamento, em Março”, explica Gabriel Silva, sublinhando que “a RUAS terá essencialmente um papel de coordenação, não acolherá ela própria uma estrutura, mas servirá como elemento de coordenação de entidades envolvidas.”
O PÚBLICO tentou conhecer a posição da Câmara de Coimbra e da DRCC. Mas tal não foi possível em tempo útil.