Fim do ciclo Passos-Rajoy

Mesmo que ganhem os desafios eleitorais e voltem a encontrar-se, as cimeiras da direita fizeram história. Descomplexaram um relacionamento marcado por errados calculismos políticos e deram impulso ao futuro, à energia.

Foto
O ciclo de Passos Coelho e Mariano Rajoy (aqui em 2014) destruiu o ressentimento português Pierre-Philippe Marcou/AFP

Não foi por identidade ideológica – PSD e CDS/PP e Partido Popular espanhol pertencem à mesma família europeia, a do PPE [Partido Popular Europeu] – que os dois executivos retomaram o diálogo peninsular. Mas o regresso destes encontros, embora em formato mais condensado – durante uma manhã – desfez um mal-entendido. Enterrou um quase machado-de-guerra.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Não foi por identidade ideológica – PSD e CDS/PP e Partido Popular espanhol pertencem à mesma família europeia, a do PPE [Partido Popular Europeu] – que os dois executivos retomaram o diálogo peninsular. Mas o regresso destes encontros, embora em formato mais condensado – durante uma manhã – desfez um mal-entendido. Enterrou um quase machado-de-guerra.

Durante três anos, com os socialistas José Sócrates e José Luís Rodriguez Zapatero como chefes de Governo, as cimeiras foram interrompidas. O inquilino da Moncloa, o complexo onde está sediado o executivo espanhol, quis evitar a partir de 2009 o contacto com Sócrates pelas dificuldades financeiras de Portugal e a iminência do resgate. Um gesto que os socialistas que integravam o Governo de Portugal não esquecem e que foi mais um episódio do percurso ziguezagueante percorrido pelo então dirigente do PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol] nos derradeiros tempos da sua gestão.

De pouco valeu a Zapatero o expediente. Não era a convivência com um país em apuros e um primeiro-ministro em anunciada queda que o contagiava. À Europa comunitária preocupava mais o estado do sistema financeira espanhol – afogado em dívidas pela especulação imobiliária - que as fotografias de circunstância com o vizinho. A decisão de adiar as cimeiras com Lisboa, para além de deselegante, foi um erro diplomático e uma manobra insolidária. A Espanha, um dos principais mercados das nossas exportações, congelava o diálogo político ao mais alto nível, com a inexistência de solidariedade perante as dificuldades do parceiro. Ainda por cima, “companheiro” socialista

O ciclo de Passos Coelho e Mariano Rajoy inaugurou, assim, uma nova fase. Destruiu o ressentimento português O galego Rajoy esteve em São Bento com Passos Coelho em 24 de Janeiro de 2012 pouco depois da sua tomada de posse como presidente do Governo espanhol. Então, o seu executivo já estava sob o fogo intenso dos mercados e Portugal passava o cabo do primeiro ano de intervenção da troika.

Este pragmatismo conservador não significou entendimentos perante a crise europeia. O ministro das Finanças espanhol Cristóbal Montoro apelidou os emissários da troika como “homens de negro”, definição impensável no léxico de qualquer governante da coligação portuguesa. Madrid mexeu-se, procurou entendimentos com a Itália e a França. Insinuou-se, numa primeira fase, um entendimento dos países do sul perante as receitas de austeridade.

Portugal esteve ausente nestes démarches mas, em Maio de 2013, na cimeira de Madrid, foi dito, alto e bom som, que os dois países da Península Ibérica recusavam uma frente contra os países do norte. A diplomacia espanhola foi obrigada a baixar a mira, e Rajoy manifestava “apoio ao espirito reformador de Passos” num discurso dirigido para as vicissitudes da sua política interna. Ambos recordaram os compromissos duros assumidos pelos seus cidadãos e a necessidade de honrar o acordado com os parceiros europeus.

Na relação bilateral, a era Passos/Rajoy ou Pedro/Mariano, como preferem os espanhóis, teve alguns pontos altos. A assinatura em 5 de Janeiro último, em Madrid, por operadores de Portugal, Espanha e França de um acordo para projectos que visam aumentar as interconexões de electricidade entre a Península Ibérica e o resto da Europa, é um salto qualitativo no Mibel [Mercado Ibérico de Electricidade], pois rompe a fronteira geográfica dos Pirenéus e abre horizontes à sua rentabilidade económica.

Outro projecto comum, o Laboratório Ibérico de Nanotecnologia de Braga (INL), cuja criação foi decidida na cimeira de Évora de Dezembro de 2005, passou a suscitar interesse de terceiros países. No ano passado, Marrocos e Argélia manifestaram interesse em investir numa dupla forma: fundos para o orçamento do INL e para programas específicos de investigação. Uma das áreas contempladas é a agro-alimentar. Lisboa e Madrid pretendem levar esta experiência a outras latitudes, da Alemanha ao Brasil, da França ao México, da Itália à Colômbia.

Na agenda das últimas cimeiras, após o trabalho de décadas de ajustamento das infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, os dois governos colocaram temas de proximidade, ou seja, que têm repercussões na comodidade do quotidiano dos seus cidadãos. O pagamento das portagens virtuais em Portugal é um dos casos típicos, como o é ainda a existência de “roaming” nas chamadas de telemóvel.