A longa sombra de Atenas paira sobre Baiona

Na cidade galega, Portugal e Espanha avançam para a criação do mercado ibérico de gás com a assinatura do tratado prevista já para Setembro. Fortalecer o “hub” do gás ibérico é condição para garantir menor dependência da Europa do abastecimento russo.

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Passos e Rajoy em 2012, no Porto: hoje a hora é de urgência europeia Nelson Garrido

É verdade que a Espanha chegou a preferir ser “o mais pequeno dos grandes” que “o maior dos mais pequenos”. Foi em época de abundância. Hoje, a realidade é outra. E nunca como no 28.º encontro dos dois governos , que se realiza esta segunda-feira de manhã, o futuro da Europa esteve tão actual. A longa sombra de Atenas paira sobre Baiona.

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É verdade que a Espanha chegou a preferir ser “o mais pequeno dos grandes” que “o maior dos mais pequenos”. Foi em época de abundância. Hoje, a realidade é outra. E nunca como no 28.º encontro dos dois governos , que se realiza esta segunda-feira de manhã, o futuro da Europa esteve tão actual. A longa sombra de Atenas paira sobre Baiona.

Ainda antes da saída em falso da cimeira do eurogrupo de quinta-feira passada, as diplomacias portuguesa e espanhola tinham trabalhado numa declaração conjunta sobre os 30 anos da adesão à CEE. Um documento de reflexão sobre o caminho percorrido, com referências às reformas estruturais e propostas de reforço da estrutura da União Europeia. Embora não haja sinais de apoio de Madrid à proposta da criação de um Fundo Monetário Europeu avançada por Pedro Passos Coelho, no documento constam preocupações comuns.

A referência à necessidade de reformas estruturais tem uma dupla leitura. Externamente, demonstra a conformidade de ambos os governos de direita com as políticas desenhadas por Bruxelas. A nível doméstico, em vésperas de eleições legislativas em Portugal e gerais em Espanha, reitera a validade, quase inevitabilidade, da opção seguida. A cimeira de urgência desta noite em redor da crise grega não podia ser melhor chancela para o documento dos executivos do PSD-CDS/PP e do Partido Popular espanhol.

Na reflexão sobre a Europa, apurou o PÚBLICO, há preocupação com os populismos. Uma declaração conjunta tem, sempre, uma redacção de equilíbrio. Os conservadores espanhóis pensam nas novas forças políticas que ameaçam enterrar o bipartidarismo no país, ou seja, o Podemos de Pablo Iglésias. Com uma realidade mais difusa, a coligação portuguesa tem a mira posta nos socialistas, a quem acusa de radicalismo. À margem desta leitura política, ambos os países insistem na necessidade de acelerar o processo de União Bancária.

Esta questão ocupará num dos salões do Parador de Baiona o tradicional encontro a sós dos chefes dos dois governos, o anfitrião Mariano Rajoy e o convidado Pedro Passos Coelho. Já os titulares dos Negócios Estrangeiros têm uma temática mais ampla, mas concentrada num problema comum: a pressão migratória no Mediterrâneo. Com as inevitáveis derivadas da situação na Líbia e na luta contra o autodenominado Estado Islâmico. Madrid tem um protagonista in loco: o experiente diplomata Bernardino León, enviado das Nações Unidas para a Líbia. Aliás, a quota de refugiados, avançada por Bruxelas, será discutida pelos ministros do Interior.

O sal e a pimenta dos trabalhos que decorrem durante esta manhã está num dos terrenos mais recentes, e que maior desenvolvimento tem conhecido: a energia. Portugal e Espanha vão avançar para a constituição de um mercado ibérico de gás, o Mibgás, a réplica do que foi o Mibel, o mercado ibérico de electricidade.  O futuro tratado do Mibgás está em preparação adiantada e o calendário previsto, soube o PÚBLICO, aponta para a sua assinatura em Setembro.

Com este passo, existe o reforço do “hub” ibérico do gás, perspectivam-se novas ligações entre Portugal, Espanha e França e um aproveitamento dos oito terminais de LNG [Gás Natural Liquefeito] existentes na Península Ibérica e actualmente subutilizados: o do porto de águas profundas de Sines, em Portugal, e os outros sete em território espanhol. Os dois países vêem neste meio uma forma de ajudar a União Europeia a reduzir em 40% a importação de gás da Rússia, o que não é de somenos importância no actual quadro de instabilidade política no leste.

De tal modo, que não se antevêem problemas na gestão dos fluxos destes oito terminais: está definida uma estrutura de custos harmonizada e há vontade política para eliminar a dupla tarifação. Ou seja, o gás que vai de Portugal para Espanha paga uma tarifa, o que faz o percurso contrário paga duas. O guião já está definido, e segue o do Mibel. Pelo que, até Setembro, estará criada uma bolsa de gás ibérica, onde os operadores podem adquirir as suas necessidades.

Na electricidade, confirmado o reforço das interligações, aos dois projectos existentes no Golfo da Biscaia e em Portugal, juntam-se outros dois nos Pirenéus. As suas rotas têm de ficar definidas até ao final do corrente ano a tempo de serem incluídos na lista de projectos de interesse comum de 2016. Já a 30 de Julho, em Paris, será constituído o Alto Grupo de Coordenação para Interligação Eléctrica, constituído por Jorge Moreira da Silva, José Manuel Soria, ministro da Indústria, Energia e Turismo de Espanha, Ségolène Royal, titular da pasta do Ambiente de França, e o comissário europeu da Energia, Miguel Arias Cañete. O propósito é continuar a identificar projectos e contabilizar as suas necessidades de financiamento para envolver a comissão Juncker.

Em Baiona será também assinado um acordo de defesa bilateral que estipula a troca de experiências na formação militar e nos cursos de Estado-Maior. Tudo no âmbito do V Conselho luso-espanhol de Segurança e Defesa. A compatibilização das tecnologias da via verde portuguesa e suas homólogas espanholas está em curso e na agenda dos responsáveis das Obras Públicas. Como continuam as obras de prolongamento da auto-estrada até à Guarda, do qual ainda faltam cerca de dez quilómetros.

Por fim, a 28.ª cimeira luso-espanhola formalizará a convocatória, para 20 de Julho, da terceira conferência das partes da Convenção de Albufeira, sobre o regime de caudais dos rios. Os executivos dizem não existir problemas, que vão ser definidos os caudais de estiagem e as novas regras de utilização das barragens e de outros utilizadores do Tejo. Está prevista, ainda, a discussão pública e simultânea, nos dois lados da fronteira, dos planos de bacia dos quatro rios internacionais: Minho, Douro, Tejo e Guadiana.