HPV: estudos estão a concluir que as vacinas também são eficazes com menos doses
Análise de dois estudos sobre uma das vacinas para o vírus do papiloma humano conclui que ela pode ser eficaz só com duas doses, em vez das actuais três. Essa já é a recomendação para a outra vacina no mercado contra este vírus que causa o cancro do colo do útero.
A investigação partiu do cruzamento de dados de dois estudos anteriores – o Ensaio Clínico de Vacinação do HPV na Costa Rica (2005), com 7466 mulheres, e o Ensaio Clínico da Vacina do Vírus do Papiloma Humano contra o Cancro em Jovens Adultas (2009), com 18.644 mulheres –, que avaliaram a sua eficácia durante os quatro anos subsequentes à vacinação, com menos doses administradas. Estes dois grandes estudos já eram ensaios clínicos de fase III, destinados a demonstrar a segurança, eficácia e benefício terapêutico de um novo medicamento.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A investigação partiu do cruzamento de dados de dois estudos anteriores – o Ensaio Clínico de Vacinação do HPV na Costa Rica (2005), com 7466 mulheres, e o Ensaio Clínico da Vacina do Vírus do Papiloma Humano contra o Cancro em Jovens Adultas (2009), com 18.644 mulheres –, que avaliaram a sua eficácia durante os quatro anos subsequentes à vacinação, com menos doses administradas. Estes dois grandes estudos já eram ensaios clínicos de fase III, destinados a demonstrar a segurança, eficácia e benefício terapêutico de um novo medicamento.
A Cervarix protege contra os genótipos 16 e 18 do HPV, responsáveis por cerca de 70% dos casos de cancro do colo do útero. Os resultados da nova análise apontam para uma igual eficácia contra os HPV 16 e 18 na administração de uma dose única, comparativamente às três doses actualmente recomendadas. No entanto, não se verificou uma imunidade igual para os genótipos 31, 33 e 45 do vírus, menos carcinogénicos, para os quais a vacina oferece protecção cruzada parcial, quando aplicada em três doses.
O estudo de 2009 seleccionou apenas mulheres seronegativas ao HPV (na Ásia, Europa, América Latina e do Norte), ao contrário do estudo na Costa Rica em 2005, que seleccionou o grupo aleatoriamente. Com a obtenção de resultados de eficácia similares entre os dois grupos de mulheres, o segundo estudo veio assim colocar de parte a possibilidade de os resultados de 2005 se deverem a um reforço da imunidade naturalmente adquirida nas mulheres que já haviam contactado com o vírus.
A eficácia da vacina em garantir imunidade para os genótipos 16 e 18 foi testada com uma dose única, duas doses e as três doses recomendadas. Resultado: os valores situam-se em intervalos que se sobrepõem uns aos outros, pelo que os cientistas consideram não haver diferenças assinaláveis entre eles.
Em relação às mulheres que receberam apenas uma dose da vacina comparativamente às que tomaram as três doses, a concentração de anticorpos no sangue para as estirpes 16 e 18 era quatro vezes mais baixa. Ainda assim, a concentração foi constante durante os 48 meses de avaliação (quatro anos), sendo muitas vezes superior à da imunidade naturalmente adquirida.
Para as mulheres às quais foram administradas as duas doses, a concentração de anticorpos mostrou-se muito próxima da verificada com as três doses, resultando assim em valores de eficácia semelhantes. Os dados do estudo vêm colocar a questão – ainda sem resposta – de qual a concentração mínima de anticorpos necessária para uma protecção eficaz contra o vírus.
Por quantos anos é que dura a protecção para as duas doses? “A duração da protecção é uma questão crítica, que ainda temos de abordar. Mas os dados obtidos mostram-nos uma protecção de quatro anos. Serão necessários mais estudos para se verificar a possibilidade de uma protecção mais alargada, idealmente seria de 20 anos”, explica ao PÚBLICO Aimée Kreimer, um dos autores do estudo. “Para as três doses, temos actualmente dez anos de dados, que nos indicam uma protecção eficaz”, acrescenta o investigador, referindo-se ao facto de a vacina ter surgido na última década.
E em relação às estirpes menos carcinogénicas? Quando se administraram as três doses, a protecção para as estirpes 31, 33 e 45 foi de 59,7%, mas o valor cai bastante com duas doses (37,7%) e uma única dose (36,6%). Além disso, o intervalo de tempo de aplicação da primeira e da segunda dose revelou-se importante na eficácia da vacina, sobretudo para as estirpes em que a Cervarix oferece protecção cruzada: se a segunda dose for dada logo um mês depois da primeira, a imunidade é de apenas 10,1%, mas o valor sobe para 68,1% quando se administra a segunda dose com um intervalo de seis meses.
Actualmente, os custos e outras limitações infra-estruturais impedem o acesso à vacina em diversas regiões do mundo. “Se este resultado for confirmado, será uma grande oportunidade para alagar a protecção da vacina do HPV a mais pessoas do que aquelas que alguma vez considerámos possíveis”, comentou, num artigo também publicado na The Lancet Oncology, Julia Brotherton, que investiga o vírus do papiloma humano no Programa Nacional do HPV da Austrália e que não participou no estudo agora publicado.
“Se for suficiente apenas uma dose, poderão reduzir-se os custos de vacinação e melhorar a distribuição. Isto é especialmente importante para as regiões menos desenvolvidas do mundo”, refere ainda Aimée Kreimer, citado num comunicado da revista The Lancet. “Usando os dados existentes, mostrámos que uma única dose da vacina bivalente contra o HPV poderá ser suficiente para reduzir substancialmente a incidência do cancro do colo do útero. Ainda assim, um novo estudo clínico será necessário para confirmar estes resultados”, adverte Cosette Wheeler, uma das autoras do estudo, citada no comunicado.
Vírus descoberto em 1976
A outra vacina actualmente disponível no mercado, a Gardasil, destina-se às estirpes 16, 18, 6 e 11 do vírus. Faz parte do Plano Nacional de Vacinação para raparigas entre os dez e os 13 anos. Se não se vacinarem nessa altura, poderão fazê-lo gratuitamente até aos 25 anos, desde que a primeira dose seja dada até aos 18. Para quem estiver fora deste grupo, terá de pagar a vacina do seu bolso: 359 euros pela Gardasil; e 217 euros pela Cervarix sem comparticipação do Estado ou 136 com comparticipação.
Em Portugal, a Gardasil já é aplicada só em duas doses desde 2014, com um intervalo de seis meses. Essa recomendação partiu da Comissão Técnica de Vacinação do laboratório farmacêutico Sanofi Pasteur, que desenvolveu esta vacina. “A decisão da Direcção Geral da Saúde (DGS) apoiou-se nas recomendações do laboratório e noutros estudos científicos independentes que apontam para a eficácia das duas doses da vacina”, explica ao PÚBLICO Graça Freitas, subdirectora-geral da Saúde. “A vacina é recente, pelo que a duração da eficácia só se irá perceber ao fim de vários anos. Até agora e desde 2008, quando foi introduzida no Plano Nacional de Vacinação, a imunidade tem sido constante.”
Na semana passada (17 de Junho), a Sanofi Pasteur anunciou a aprovação pela Comissão Europeia da introdução no mercado de uma nova versão da Gardasil, agora contra nove estirpes do HPV, responsáveis por cerca de 90% dos casos de cancro do colo do útero. A Gardasil 9, além dos sete tipos do vírus de alto risco (16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58), inclui dois de risco mais baixo (6 e 11). Esta decisão, segundo um comunicado de imprensa da Sanofi Pasteur, baseia-se em sete ensaios, em mais de 15.000 pessoas em 30 países, desde 2007. “Após esta autorização de introdução no mercado, as autoridades de saúde em toda a Europa irão avaliar o papel desta nova vacina nos seus programas de vacinação”, lê-se ainda.
Os dados indicam que 70% das mulheres portuguesas já tiveram contacto com o HPV e estima-se que 12,7% estejam infectadas. O vírus é responsável pelo aparecimento de vários tipos de cancro, incluindo o do colo do útero, o segundo mais comum nas mulheres a nível mundial. Portugal apresenta uma das mais elevadas incidências deste cancro na Europa Ocidental, com 17 casos por cem mil habitantes e cerca de mil novos doentes diagnosticados em cada ano. Por ano, calcula-se que morrem cerca de 300 portuguesas com cancro de colo do útero.
Foi em 1976 que Harald zur Hausen, no Instituto de Virologia Clínica de Erlangen-Nuremberga, na Alemanha, associou o cancro do colo do útero ao vírus do papiloma humano, descartando a hipótese de que esta doença era provocada pelo herpes simplex.
Usando células HeLa, Harald zur Hausen identificou os genótipos 16 e 18 do vírus. As células usadas pertenciam a Henrietta Lacks e foram obtidas em 1951, no Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, EUA, quando foi diagnosticada com cancro do colo do útero. As células HeLa constituem a primeira linhagem de células humanas a manterem-se vivas fora do corpo – como eram cancerosas, eram imortais –, tendo sido usadas em diversas investigações, como mapeamento genético, o desenvolvimento da vacina da poliomielite e até nas primeiras missões espaciais para perceber o que aconteceria às células em gravidade zero. A descoberta de Hausen permitiu o desenvolvimento da vacina contra o HPV em 2006 e valeu-lhe o Prémio Nobel da Medicina em 2008.
O vírus entra na célula hospedeira, modificando o seu ADN pela integração do ADN viral. Esta alteração provoca um descontrolo dos genes que regulam a divisão celular, estimulando assim a proliferação que conduzirá ao início da carcinogénese. Transmitido por via sexual e, mais raramente, durante o parto, o HPV é também causa de cancros orofaríngeos, na região da base da língua e da faringe, sobretudo em indivíduos do sexo masculino, que estão ainda sujeitos a outros tipos de cancro, como o do pénis e do ânus. O aparecimento de cada vez mais tipos de cancro provocados pelo HPV nos homens tem alertado também para a necessidade de vacinação de ambos os sexos.
Texto editado por Teresa Firmino