Ioga: Lisboa transformada este domingo em capital da paz no mundo
A primeira comemoração do Dia Internacional do Ioga, desde que ele existe reconhecido pela ONU, acontece este domingo em Lisboa. Uma justiça feita ao mestre Jorge Veiga e Castro, presidente da Confederação Portuguesa do Yoga.
Não, não é engano — é verdade que nos últimos 13 anos este dia tem vindo a ser assinalado em Portugal, em pontos diferentes do país. A primeira foi em Setúbal, em 2002. Mas esta é a primeira comemoração oficial — já que foi apenas no ultimo mês de Dezembro que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a data que oficializa estas comemorações. E, apesar da proposta ter sido levada à votação pela mão do primeiro-ministro indiano, o único mestre yogi (praticantes do ioga) que foi convidado para assistir em directo à votação foi o presidente da Confederação Portuguesa do Yoga, Jorge Veiga e Castro. E se foi um engenheiro civil nascido em Alvalade quem recebeu o convite de estar presente na cerimónia de votação foi porque foi dele a ideia e a estratégia para a executar.
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Não, não é engano — é verdade que nos últimos 13 anos este dia tem vindo a ser assinalado em Portugal, em pontos diferentes do país. A primeira foi em Setúbal, em 2002. Mas esta é a primeira comemoração oficial — já que foi apenas no ultimo mês de Dezembro que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a data que oficializa estas comemorações. E, apesar da proposta ter sido levada à votação pela mão do primeiro-ministro indiano, o único mestre yogi (praticantes do ioga) que foi convidado para assistir em directo à votação foi o presidente da Confederação Portuguesa do Yoga, Jorge Veiga e Castro. E se foi um engenheiro civil nascido em Alvalade quem recebeu o convite de estar presente na cerimónia de votação foi porque foi dele a ideia e a estratégia para a executar.
Sentado na sala de um primeiro andar da Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, Jorge Veiga e Castro explicou ao PÚBLICO os pormenores da longa “batalha” que travou para chegar a este dia e as diligências diplomáticas por que enveredou. Usar um termo bélico para quem, como ele, diz que o mais importante de tudo não é o ioga, mas sim a paz no mundo, e que o ioga é uma forma eficaz de a alcançar, pode parecer uma provocação. Mas ela continua a parecer adequado, por dar ideia da persistência e perseverança do grande mestre internacional (é este o seu grau, se alguma similitude houver com carreiras como as académicas) e da forma como foi conquistando aliados para o que Veiga e Castro defende ser o Primeiro Dia Global da Humanidade: “Um dia sem derramamento de sangue de nenhuma espécie em todo o planeta, em que a humanidade se una pelo respeito da diversidade étnica e cultural e pela tolerância religiosa”, descreve.
Por que é que o ioga está relacionado com a paz, se as primeiras ideias que surgem a qualquer leigo quando a palavra ioga é mencionada são praticantes em posições físicas exuberantes e desafiadoras, ou sentados de pernas cruzadas, e olhos fechados, a invocar, demoradamente, a palavra “Omm”? “Toda a gente quer paz. Somos porta-vozes daquilo que 99,999% das pessoas querem. E não tem a ver com utopia. A nossa missão é ser útil”, responde, pausadamente. E isso, no seu entender, significa dar a cada indivíduo as ferramentas para conseguir o controlo e o bem-estar físico e mental, para que se sinta mais feliz, mais solidário — para que não veja problemas nos outros e tente resolver todos os seus.
“Não é uma utopia. Todos os anos fazemos uma celebração ecuménica e inter-religiosa. Temos o imã da mesquita principal de Lisboa, Sheik David Munir (que é nosso aluno) ao lado do presidente da Comunidade Israelita de Lisboa. Já me disseram algumas vezes que só em Portugal é que isto podia acontecer. Eu respondo: se é possível aqui, é possível em todo o mundo”, diz o grande mestre internacional.
Voltemos às poses exuberantes (os chamados asanas) e às técnicas de meditação e mentalização (o shamadi ou manasika). O que é o ioga, afinal? “O ioga é um sistema filosófico. E todos podem filosofar. Cristãos, muçulmanos, israelitas, ateus, evangélicos, protestantes, budistas. O desafio é desenvolver o ser humano em todas as suas facetas”, explica o mestre.
Isso implica exercício fisico, “que confere mais resistência muscular, mais elasticidade, flexibilidade articular, domínio da gravidade, equilíbrio”. Implica exercícios respiratórios, “para aumentar o nosso fulgor”. E exercícios de relaxamento, “para fazermos recuperações rápidas, e em poucos minutos termos o equivalente a muitas horas de sono”. Há ainda exercícios de controlo emocional, “para que as nossas emoções sejam sempre construtivas e criativas, e que as pessoas procurem não se zangar”. E, por fim, os mais importantes no ioga: os exercícios mentais. “O adestramento mental mostra que a nossa mente é capaz de fazer coisas muito superiores ao normal, desencadear uma mente supercognitiva. Os cientistas já provaram que temos um segundo circuito neuronal, que é ainda mais importante do que aquele que pensa. Quando a ciência chegou a essa conclusão, o ioga já estava lá”, assegura Veiga e Castro.
O presidente da Confederação Portuguesa de Yoga (neste momento, também, presidente da confederação ibérica) admite que nem todas as escolas trabalham o ser humano como um todo, como o faz o ioga samkhya, nome em sânscrito que significa primordial. “Do grande castelo que é esta filosofia milenar, há quem pegue num tijolo, ou até numa poeira do tijolo, e lhe chame poeira-ioga”, brinca Veiga e Castro, que insiste que seria importante ter o castelo completo, “porque o ser humano é um todo”.
Daí a complexidade teórica e técnica dos cursos que são ministrados naquela mesma sala da Avenida 5 de Outubro. O mais básico instrutor de ioga demora seis anos a tirar o curso, e consome 6500 horas de formação. Um professor de ioga demora mais quatro a concluir o curso, e mais seis mil horas; um mestre de ioga precisa de mais quatro e mais 9500 horas. Ou seja, 14 anos de formação. “Neste aspecto, somos únicos no mundo, trabalhamos com excelência. No total, são 22 mil horas de formação. Se apostámos na excelência, não foi para sermos os melhores do mundo. O que sabemos é que o ioga é muito complexo”, argumenta.
A caminho da UNESCO
Depois de ter demorado 14 anos a fazer chegar à ONU o reconhecimento do ioga como uma prática mundial, Jorge Veiga e Castro iniciou outras pequenas grandes batalha. No passado mês de Abril de 2015 foi recebido na UNESCO pela embaixadora da Índia e avançou para o “segundo passo”, o processo de reconhecimento do ioga como Património Cultural e Imaterial da Humanidade. “A UNESCO é uma espécie de biblioteca de cultura da humanidade. O ioga é a filosofia prática e teórica mais antiga da humanidade. Tem mais de 6000 anos. Está reconhecida, sobreviveu, teve um consenso mundial. Agora é oficializar, pôr o ioga nessa prateleira”, defende.
Para conseguir este objectivo já iniciou os contactos diplomáticos que lhe garantam o apoio necessário a este objectivo. “Já demos provas de que somos uma instituição que leva as coisas para a frente, não é lunática. Temos a cabeça na lua, mas os pés bem assentes na terra”, assevera.
A perseverança é, pois, uma característica de Veiga e Castro. Demora o tempo que for preciso, mas, por acreditar nos seus objectivos — “a minha missão, a de cada um de nós, é deixar o mundo melhor do que o que encontrou” — é difícil desviá-lo do caminho.
A primeira vez que o Dia Internacional do Ioga foi celebrado no mundo foi em 2002, na cidade de Setúbal. A segunda, em 2003, foi em Lisboa; a terceira, em 2004, no Porto. Só a partir de 2005 é que Portugal deixou de estar sozinho nas comemorações e foram os Estados Unidos quem primeiro se juntou.
“Estivemos dois ou três anos a preparar a coisa. Porque somos pequenos, temos dez milhões de habitantes, não fazemos lobby com facilidade. Na União Europeia, também não somos um país extraordinário. Fizemos as nossas reuniões, vimos as nossas capacidades, e acabamos por decidir assim, arrancar com as celebrações. Elas ajudaram muito. Permitiram que convidássemos mestres de outros países. No primeiro ano juntamos mais de 600 praticantes de ioga. No segundo já passámos a ser mil. Nunca mais baixamos”, relata. Este ano, espera, serão também muitos milhares. E este, advoga, será o ano de transição, em que ainda são muitos os dirigentes internacionais a participar nas comemorações em Portugal como visitantes.
“Para o ano espero que estejam nos seus países a celebrar, também eles com milhares de pessoas. Não quero parecer pouco hospitaleiro e correr com os convidados. Mas, nesse aspecto, o nosso trabalho acabou. Lançámos a semente à terra, a árvore nasceu, regámo-la, está robusta. Agora esperamos que esta árvore se transforme numa floresta”, vaticina.
Trabalhos de amostragem
Um outro objectivo traçado pela confederação — e que foi ratificado numa cimeira em Bengaluru, na Índia, onde estiveram reunidas, pela primeira vez, todas as linhagens do ioga tradicional — é o de ver a disciplina de ioga no currículo dos estudantes.
“Em criança, fui atleta em Alvalade: nadador, patinador e corredor de fundo. Era o único miúdo da rua que fazia ginástica. Hoje toda a gente faz. Eu gostava que acontecesse a mesma coisa com o ioga, que fosse uma disciplina obrigatória. Poupávamos muito em medicamentos, em sofrimento, nos choques de adolescência, na ando e menopausa”, enumera. E, para sustentar a afirmação, avança com os protocolos que alguns ashramas (centros de ioga) têm com escolas públicas do Norte e do centro aonde vão dar aulas e exemplifica com o caso de uma escola de Aveiro, onde a confederação está a dar aulas de ioga.
“O professor de Matemática é aqui meu aluno. Ele diz que desde começaram no ioga os processos disciplinares acabaram. Focaram-se, tornaram-se mais amigos. Os resultados melhoraram”, relata.
“Há uma serie de exercícios do ioga que acrescentam às crianças coisas que lhe faltam (no relaxamento) e consolidam outras que eles tem. Isto são provas no ensino oficial. Fora do ensino oficial, no nosso departamento de ioga para crianças os resultados têm sido extraordinários”, garantiu Veiga e Castro, anunciando que a confederação irá fazer trabalhos de amostragem, para ver diferenças entre uns estudantes e outros.