Magistrados dizem que austeridade tornou cidadãos menos tolerantes à corrupção
Maria José Morgado, responsável do Departamento Investigação e Acção Penal de Lisboa, diz que falta de meios no Ministério Público está ao nível do toner das impressoras e do papel.
Na iniciativa, que foi organizada pelo Sindicado dos Magistrados do Ministério Público, pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, ouviram-se ainda várias críticas à falta de meios para investigar a criminalidade económico-financeira e para formar juízes e procuradores nesta área.
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Na iniciativa, que foi organizada pelo Sindicado dos Magistrados do Ministério Público, pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, ouviram-se ainda várias críticas à falta de meios para investigar a criminalidade económico-financeira e para formar juízes e procuradores nesta área.
“Antes os cidadãos viam construírem-se duas ou três rotundas desnecessárias e achavam que isso era um problema do presidente da câmara. Agora pensam que são eles que as têm de pagar”, exemplificou o procurador, que atribui a mudança de atitude ao facto de “terem cortado os ordenados à grande maioria dos portugueses”.
Apesar disso, João Marque Vidal defendeu que ainda há muito a fazer no combate eficaz à corrupção, insistindo que mais do que mudar leis é preciso investir na prevenção. O magistrado defendeu mais poderes e mais recursos humanos para o Conselho de Prevenção da Corrupção, que deve ter meios para analisar os circuitos de funcionamento dos serviços públicos, numa tentativa de acabar com as situações mais vulneráveis à corrupção. A aposta numa pedagogia permanente de combate à corrupção, que deve começar nas escolas e passar por campanhas permanentes para sensibilizar a opinião pública, além da formação do funcionários públicos são algumas das estratégias defendidas pelo director do DIAP de Coimbra. “Houve inúmeras campanhas e uma enorme pedagogia sobre a separação do lixo, mas nada sobre a corrupção”, criticou.
Ironizando sobre a polémica à volta da violação do segredo de justiça no caso Sócrates, Marques Vidal atirou: “Os espanhóis [que têm investigado grandes escândalos de corrupção envolvendo os principais partidos políticos] têm um problema de corrupção, os portugueses têm um problema de violação do segredo de justiça”.
A directora do DIAP de Lisboa, Maria José Morgado, também defendeu a aposta na prevenção, denunciando mais uma vez a falta de meios. "A prevenção é a chave de ignição da repressão. Sem prevenção nunca teremos uma repressão que seja dissuasora", afirmou Morgado.
Para além da prevenção, Maria José Morgado disse que Portugal precisa de um "modelo específico de investigação" da corrupção, que passa pela autonomia e proporcionalidade dos meios financeiros, tecnológicos e humanos ao dispor do Ministério Público e das polícias. "Nós não temos nada que se pareça com isso. Do lado do DIAP temos uma autonomia de mão estendida, neste momento a nossa luta por meios está ao nível do toner [das impressoras] e do papel. Todos os outros patamares nos surgem como uma escada muito dura de subir", afirmou.
Na PJ também há quem defenda a aposta na prevenção, numa perspectiva um pouco diferente. Teófilo Santiago, assessor de Investigação Criminal que esteve à frente do processo Face Oculta, insiste que é necessário um novo modelo de investigação preventivo e pró-activo. “É fundamental haver actualidade na investigação sob pena dos investigadores se queixarem que estão a fazer autópsias ou arqueologia”, sustenta. E completa: “Essas investigações não servem para nada a não ser para gastar e desgastar a Justiça”. Sobre os meios para o combate à corrupção, o investigador, que já não se encontra no activo, lamenta que se queira “ópera a preço de arraial minhoto”. Teófilo Santiago realçou o contraste entre os meios dos investigadores e das poderosas defesas, que tentam manipular os media. “Ultimamente até já se atrevem a fazer ameaças”, afirmou, numa clara alusão a algumas declarações, como a de Mário Soares que disse ao juiz que mandou prender Sócrates para se cuidar.
Já o juiz do Supremo Tribunal de Justiça Santos Cabral defendeu a criação de uma agência contra a corrupção que reunisse os melhores procuradores e investigadores nesta area. O magistrado foi o único que aludiu a alguns casos mediáticos, como o "caso Sócrates" e os inquéritos ao colapso do Banco Espírito Santo, defendendo que estes processos têm de ser tratados de forma transparente sob pena dos cidadãos perderem a confiança na Justiça.
"Se não forem tratados de forma transparente, límpida e clara para os cidadãos", há o "risco" de estes deixarem de confiar na Justiça, que considerou a trave-mestra do Estado de Direito. "O momento que vivemos é crucial. As expectativas estão voltadas para a forma como o sistema judicial vai tratar os casos que tem em mãos", afirmou Santos Cabral.
O magistrado do Supremo lembrou que os julgamentos de casos complexos na área da criminalidade económica implicam conhecimentos especializados, na área da contabilidade por exemplo, lamentando que em Portugal não haja tribunais especializados. Santos Cabral reconheceu que recentemente o Ministério Público se começou a especializar mas insiste que o mesmo não acontece com os juízes.