Brincar aos aviões e às oposições
Privatizar a TAP em cima do joelho foi uma péssima ideia, que levanta suspeitas justas e que não podiam existir.
Contudo, duvido que manter esta mecânica após quatro anos de crise, e nas vésperas de umas eleições que podem derivar em bloco central, seja o melhor serviço que os dois partidos possam prestar ao país. Nos seus anos democráticos, Portugal teria ganhado em ter um pouco menos de consenso entre governos (foram todos demasiado parecidos) e um pouco mais de consenso entre oposições (permitindo acordos alargados em matérias essenciais).
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Contudo, duvido que manter esta mecânica após quatro anos de crise, e nas vésperas de umas eleições que podem derivar em bloco central, seja o melhor serviço que os dois partidos possam prestar ao país. Nos seus anos democráticos, Portugal teria ganhado em ter um pouco menos de consenso entre governos (foram todos demasiado parecidos) e um pouco mais de consenso entre oposições (permitindo acordos alargados em matérias essenciais).
Eu sei que a palavra “consenso”, tal como a expressão “acordo de regime”, causa alergias à esquerda e à direita, e lembra excessivamente os discursos de Cavaco Silva. Mas basta olhar para aquilo que se está a passar na TAP para desejarmos ardentemente que PS e PSD abandonem depressa a sua adolescência política e comecem a comportar-se como partidos crescidos, capazes de conversar entre si. Aquilo que se está a passar é uma vergonha, e ninguém sai bem na fotografia. O governo tem andando a vender a companhia à velocidade a que Usain Bolt corre os 200 metros, e o PS, que ameaça fazer marcha atrás na privatização se vencer as eleições, propõe como alternativa uma solução patética: vender a privados 49% de uma companhia de aviação com 1,2 mil milhões de euros de dívida. Se o Estado acabou de vender 61% – ou seja, o controlo da TAP – por pífios dez milhões, onde estariam os terráqueos interessados em 49% de uma dívida gargantuesca?
Em lado algum, como é óbvio – e António Costa sabe isso. Tal como sabe que a privatização da TAP estava prevista no memorando assinado com a troika, tal como estava prevista no PEC IV. Argumentar que dispersar 49% da companhia também é uma privatização, ou é desonestidade, ou é tolice, porque só malucos ou multimilionários filantropos iriam meter dinheiro numa empresa falida, onde o governo continuaria a ter a última palavra. A TAP é há muitos anos uma batata a ferver, e tanto o PS como o PSD têm perfeita consciência disso. Mas Costa sente-se na obrigação de fingir que não é Dupont nesta matéria, preferindo lançar para o ar promessas absurdas, tal como ontem prometeu neste jornal acabar com as assessorias privadas no Estado. Claro está que António Costa irá tanto acabar com as assessorias privadas no Estado como acabou com as segundas filas em Lisboa. Só que é preciso dizer coisas.
Contudo, nada disso justifica que o governo se tenha lançado num insensato contra-relógio para ter a privatização tão atadinha lá para Outubro que o PS já não tenha forma de a desatar. Compreendo mal a pressa, mesmo tendo já havido uma privatização falhada no final de 2012. Num país com uma saudável cultura democrática, não se faz uma privatização com este peso simbólico desta maneira. Das duas, uma. Ou se tinha feito há dois anos, sem o consenso do PS; ou se tinha feito agora, com o consenso do PS. Uma das boas ideias do programa socialista é a exigência de maiorias de 2/3 para a aprovação das grandes obras públicas – PSD e CDS deveriam ter feito exactamente o mesmo em relação às grandes privatizações. Privatizar a TAP em cima do joelho foi uma péssima ideia, que levanta suspeitas justas e que não podiam existir.