A última batalha pela Grécia
Os gregos pagariam um preço altíssimo se a Grécia saísse, tão alto que abriria as portas a toda a espécie de extremismos.
1. Quando a crise grega se aproxima inexoravelmente da hora da verdade, duas questões políticas fundamentais continuam sem resposta. A primeira diz respeito a Berlim, a outra a Atenas. Em Berlim, a chanceler não abre o jogo sobre o que pensa realmente do desfecho da crise. E, como escrevia ontem José Ignacio Torreblanca no El País, a única coisa de que há certeza é que “a decisão final será tomada por Angela Merkel”.
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1. Quando a crise grega se aproxima inexoravelmente da hora da verdade, duas questões políticas fundamentais continuam sem resposta. A primeira diz respeito a Berlim, a outra a Atenas. Em Berlim, a chanceler não abre o jogo sobre o que pensa realmente do desfecho da crise. E, como escrevia ontem José Ignacio Torreblanca no El País, a única coisa de que há certeza é que “a decisão final será tomada por Angela Merkel”.
Já aprendemos que a chanceler decide sempre no último minuto. Será a sua vontade a prevalecer, mesmo que, desta vez, haja posições distintas dentro do Governo alemão. A mais óbvia será a de Wolfgang Schaeuble, um dos últimos europeístas do tempo de Helmut Kohl, que parece convencido de que a zona euro ficaria melhor sem a Grécia e que considera não haver um risco de contágio aos países mais vulneráveis do Sul com consequências imprevisíveis para toda a zona euro.
Outro sinal de que as coisas estão a mudar em Berlim veio das declarações recentes de Sigmar Gabriel, líder do SPD e vice-chanceler do Governo de “grande coligação”. O SPD teve sempre a preocupação de não fazer muitas ondas em matéria de política europeia, pela razão simples de que quase 80% dos alemães apoiam a chanceler neste domínio. Desta vez, Gabriel endureceu o discurso: “Se um acordo não for alcançado, a paciência de muita gente pode acabar”. A frase seguinte é a novidade: “Não deixaremos os trabalhadores alemães e as suas famílias pagarem pelas promessas eleitorais exageradas de um governo que é parcialmente comunista”. Quebrou um tabu. A ideia do SPD não é impedir um acordo mas “dividir” o Syriza entre aqueles com quem é possível negociar, como Alexis Tsipras, e os sectores mais radicais do partido que, em última análise, não querem nem o euro nem a Europa.
Um compromisso com o primeiro-ministro grego poderia ajudar a separar as águas, abrindo as portas para um entendimento com forças políticas mais moderadas e pró-europeias, com o To Potami (6,1% e 17 deputados) que é, entre os partidos gregos no Parlamento, o mais pró-europeu e cujo líder já disse que apoiará qualquer acordo que mantenha a Grécia no euro.
Jean-Claude Juncker falou recentemente com alguns partidos da oposição grega para avaliar da sua disponibilidade para apoiar um acordo. É uma aposta arriscada, mas é ela que justifica as palavras do líder do SPD alemão.
Ontem, a chanceler reagiu sem alarido às duríssimas críticas de Tsipras contra a “pilhagem” europeia e a tentativa de humilhar a Grécia (as palavras mais duras foram para o FMI). “Estou a concentrar toda a minha energia na ajuda às três instituições para que encontrem uma solução”, disse a chanceler em Berlim. As acusações de Tsipras são vistas em meios ligados às negociações como uma “carta moral”. Uma maioria de gregos continua a querer ficar no euro mesmo que, para isso, tenha de aceitar um mau acordo. É difícil avaliar a margem de manobra interna de Tsipras, aceitando como bom que ele quer um acordo.
2. O comportamento do Governo grego nos últimos cinco meses tem sido criticado por muitos analistas. Tsipras fez uma avaliação errada dos apoios com que poderia contar entre os seus pares europeus e as instituições da União. Eram escassos como se viu, deixando à chanceler a decisão final. Ontem, pela primeira vez, um primeiro-ministro europeu, no caso o chanceler austríaco Werner Faymann (social-democrata), foi a Atenas testemunhar a sua solidariedade com Tsipras. É caso raro. François Hollande quer continuar a ser o “melhor amigo” de Merkel e já só pensa em ganhar um segundo mandato. Os países ibéricos não querem ver o “infractor” premiado: Lisboa porque quis beber o cálice da austeridade até ao fim; Madrid por causa do Podemos. Os nórdicos terão imensa dificuldade em fazer aprovar nos respectivos parlamentos mais ajudas para Atenas, que serão necessárias no caso de haver um acordo. Os países de Leste argumentam que não estão para financiar um país cujo rendimento per capita é maior do que o deles (ou, pelo menos, de alguns). Mesmo com um acordo vai ser difícil vencer todos estes obstáculos.
3. A Grécia só continua a respirar graças aos apoios de urgência do BCE ao seu sistema bancário (o chamado ELA). Mario Draghi avisou os europeus de que uma saída da Grécia lançaria a zona euro “em mares nunca dantes navegados”. Ou seja, ninguém pode garantir que uma união monetária que seja reversível não tenha efeitos sobre o euro e, sobretudo, sobre os seus países mais vulneráveis (Portugal está na linha da frente). Podia não ser agora, mas na próxima crise. A tentação de “purificar” o euro aumentaria. O FMI quer livrar-se desta “aventura” em que entrou graças à pressão de Merkel em 2010.
Depois do G7, a pressão americana sobre a Grécia também aumentou. Obama olha para a crise grega do ponto de vista geopolítico. O Presidente americano já disse aos seus aliados europeus que esta é uma péssima altura para atirar a Grécia para os braços da Rússia. Além disso, os EUA têm uma base naval em Creta e olham para a Grécia como uma “guarda avançada” numa região cada vez mais instável. “As consequências não seriam apenas económicas mas humanas, geopolíticas e históricas”, diz o historiador britânico Timothy Garton Ash. “A Europa nunca mais seria a mesma.” E há ainda outra coisa: os gregos pagariam um preço altíssimo se a Grécia saísse, tão alto que abriria as portas a toda a espécie de extremismos. Seria difícil aos europeus virar a cara.