Quando a cabeça não tem juízo
Uma viagem emocional ao interior do cérebro que prova que a Pixar ainda não se perdeu.
Pete Docter assinou o último grande filme “original” do estúdio (Up Altamente, em 2009, seguido de perto pela gloriosa sequela Toy Story 3 em 2010) antes de uma série de obras menores - as sequelas de Carros e Monstros & Companhia e o problemático Brave/Indomável – sugerirem uma crise de rumo. E é Docter que traz a Pixar de regresso à sua melhor tradição com mais uma ideia criativa engenhosamente “fora do baralho”: uma viagem ao cérebro de uma miúda de onze anos, representado como uma “ponte de comando” onde cinco engenhocas, correspondendo a cinco emoções, gerem o melhor que podem as interacções de Riley com o mundo lá fora.
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Pete Docter assinou o último grande filme “original” do estúdio (Up Altamente, em 2009, seguido de perto pela gloriosa sequela Toy Story 3 em 2010) antes de uma série de obras menores - as sequelas de Carros e Monstros & Companhia e o problemático Brave/Indomável – sugerirem uma crise de rumo. E é Docter que traz a Pixar de regresso à sua melhor tradição com mais uma ideia criativa engenhosamente “fora do baralho”: uma viagem ao cérebro de uma miúda de onze anos, representado como uma “ponte de comando” onde cinco engenhocas, correspondendo a cinco emoções, gerem o melhor que podem as interacções de Riley com o mundo lá fora.
Ora, Riley acaba de se mudar com os pais para São Francisco, deixando para trás tudo o que sempre conheceu e não sabe bem para onde se virar – e pelo meio da confusão que isso gera duas das emoções, a entusiasmada Alegria e a melancólica Tristeza, dão por si fechadas fora do centro de comando, com a Repulsa, o Raiva e o Medo à toa sobre o que fazer. O que Docter encena, com enorme delicadeza e sentido de humor, é uma viagem iniciática sobre o que significa crescer, acompanhando a odisseia da Alegria e da Tristeza pelos recantos do cérebro de Riley para tentarem retomar o controlo das emoções da miúda. A abstracção conceptual é visualizada ao melhor nível do estúdio: as memórias são “berlindes” luminosos coloridos, guardados em intermináveis prateleiras e esquecidas quando são aspiradas para um abismo-lixeira, e o “comboio do pensamento” é um efectivo comboio que transporta como mercadorias “factos” e “opiniões”.
Mas Inside Out não é, ainda assim, um retorno inteiramente a cem por cento à melhor forma da Pixar. O filme desequilibra-se no “segundo acto”, quando Alegria e Tristeza reencontram as suas memórias de infância, sugerindo uma ligeira cedência à necessidade de atrair um público mais jovem quando a força da Pixar sempre esteve em fazer tratar os miúdos como se eles fossem adultos. Não é um desequilíbrio problemático – é até quase exigido pela trama – mas não é resolvido da melhor maneira. E é nos momentos em que Inside Out faz a ponte entre a infância e a idade adulta, em que põe o espectador a reencontrar aquela emoção mágica de quando éramos miúdos, que o filme prova ser digno sucessor da melhor linhagem do estúdio. Bastará apenas afinar o controlo de qualidade – que, já agora, deixou inexplicavelmente passar a curta que serve de complemento, Lava, exemplo perfeito de uma ideia concretizada muito abaixo do seu potencial, provavelmente o pior cartoon da Pixar que já vimos. Inside Out merecia melhor complemento, mas prova, felizmente, que a companhia de John Lasseter ainda tem coisas a dizer.