PS terá “um ministro com função transversal” para o mar
PÚBLICO: Quem o ouve fica com a sensação de que o problema do país é só inabilidade e falta de vontade do actual primeiro-ministro?
António Costa: Há uma dimensão de incapacidade que não quero reduzir, mas há sobretudo uma razão. Tem a ver com a opção ideológica que este Governo fez. Este Governo desde o princípio encarou esta crise internacional como uma oportunidade histórica para procurar fazer o maior ataque ao Estado Social que existiu alguma vez em Portugal. Por isso, quis dramatizar e desconsiderar a dimensão internacional desta crise, convencendo os portugueses que era puramente nacional. Em segundo lugar, quis convencer os portugueses que isto era uma crise de dívida pública quando é uma crise económica assente na divergência acumulada pelo país desde 2000 por insuficiente capacidade de competir no novo quadro do euro, da globalização e do alargamento da Europa a Leste. Em terceiro lugar, nesta ideia de que era preciso austeridade que enfraquecesse o Estado, cortasse salários, cortasse direitos, era condição para voltarmos a ser competitivos. O que estivemos a pagar foi toda uma agenda ideológica radical que o primeiro-ministro apresentou logo que ganhou as eleições com o projecto de revisão constitucional e utilizou quer a troika quer a crise para tentar implementá-la. Ou acha que foi uma gaffe o primeiro-ministro dizer que queria ir além da troika? Não. Quando a ministra das Finanças agora diz que é necessário um novo corte das pensões de 600 milhões de euros, não é uma gaffe, é mesmo o que querem fazer. A direita portuguesa mudou de natureza.
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PÚBLICO: Quem o ouve fica com a sensação de que o problema do país é só inabilidade e falta de vontade do actual primeiro-ministro?
António Costa: Há uma dimensão de incapacidade que não quero reduzir, mas há sobretudo uma razão. Tem a ver com a opção ideológica que este Governo fez. Este Governo desde o princípio encarou esta crise internacional como uma oportunidade histórica para procurar fazer o maior ataque ao Estado Social que existiu alguma vez em Portugal. Por isso, quis dramatizar e desconsiderar a dimensão internacional desta crise, convencendo os portugueses que era puramente nacional. Em segundo lugar, quis convencer os portugueses que isto era uma crise de dívida pública quando é uma crise económica assente na divergência acumulada pelo país desde 2000 por insuficiente capacidade de competir no novo quadro do euro, da globalização e do alargamento da Europa a Leste. Em terceiro lugar, nesta ideia de que era preciso austeridade que enfraquecesse o Estado, cortasse salários, cortasse direitos, era condição para voltarmos a ser competitivos. O que estivemos a pagar foi toda uma agenda ideológica radical que o primeiro-ministro apresentou logo que ganhou as eleições com o projecto de revisão constitucional e utilizou quer a troika quer a crise para tentar implementá-la. Ou acha que foi uma gaffe o primeiro-ministro dizer que queria ir além da troika? Não. Quando a ministra das Finanças agora diz que é necessário um novo corte das pensões de 600 milhões de euros, não é uma gaffe, é mesmo o que querem fazer. A direita portuguesa mudou de natureza.
Como?
A direita que nos governa não é a direita que conhecíamos da doutora Manuela Ferreira Leite do professor Cavaco, do doutor Balsemão. Esta é uma direita radical do ponto de vista económico. Não são xenófobos nem são uma ameaça às liberdades, mas ideologicamente radicais do ponto de vista liberal, como a direita portuguesa nunca tinha sido.
O que o primeiro-ministro tem defendido vem dentro da linha da União Europeia. Como é possível mudá-las?
A Europa é o novo espaço político do combate democrático e a Europa é diversa. Desde as eleições Europeias tem havido sinais de mudança que importa valorizar. Com a Comissão Junckers a Europa veio dizer a Europa precisa de investimento. O Banco Central Europeu veio dizer que é preciso intervir no mercado, começar a comprar divida, aumentar liquidez. A Comissão Europeia veio dizer é necessário uma leitura inteligente e flexível do Tratado Orçamental. Isto é o contrário do que o Governo veio dizendo ao longo destes anos.
Mas ainda não aconteceu nada.
Se me disser, tudo isso é ainda insuficiente, só posso estar de acordo. Mas para que tudo isso se torne mais consistente, é preciso juntar à vontade de mudança na Comissão, uma nova maioria no Conselho, que não só apoie, como incentive e de força à Comissão para proceder a essa mudança. Vamos ter no final deste ano a oportunidade, com as eleições em Portugal e em Espanha, de deixar de ter no Conselho Europeu dois contravapores desta mudança na Europa, para passarmos a ter, espero, dois aceleradores.
Mas a desilusão da experiência grega dificulta isso?
O mérito do trabalho que fizemos com o cenário macroeconómico é o de desmentir a tese de que não era possível estar na Europa sem austeridade. A Esquerda radical quer sair da Europa para abandonar a austeridade. A direita radical que nos governa quer prosseguir a austeridade para nos manter na Europa. O cenário macroeconómico veio demonstrar que é possível virar a página da austeridade sem sair do euro. Se comparar a trajectória do cenário apresentado pelos nossos economistas com a da União Europeia, verificará que no final do período nós teremos uma maior redução da dívida e um défice menor do que o previsto pela Comissão Europeia. O que o cenário demonstra é que no resultado global da execução desta política composta pelo conjunto destas medidas o resultado é mais crescimento, menos desemprego, com menos divida e menos défice.
Pode vir ser, é um cenário, um estudo.
Primeiro disseram: não têm medidas. Apresentamos o estudo, fizemos as contas. E os outros? O que sabemos é que a política de hoje não resultou. Os outros não só não apresentam estudo como o que dizem é: vamos fazer o mesmo. Isso sabemos que não ser. Tinhas uma dívida de 97%, hoje é 130%. Tínhamos uma economia que não crescia, hoje temos uma economia que andou 15 anos para trás. Tínhamos uma taxa de desemprego elevada, temos um nível de emprego que está 20 anos para trás. Tínhamos de regredir 50 anos para encontrar um ano em que tenham emigrado tantos portugueses como em 2013. Uma coisa é certa, a continuação da política deste Governo não deu e não dará resultados. O que propomos é uma política alternativa que foi avaliada, testada, ensaiada e os técnicos dizem: dá resultado. Pode dizer que pode haver imprevistos? Claro. Mas governar é estar aos comandos.
E fazer opções?
Claro. Equilibrar as medidas. Por que é que nós propomos que um conjunto de medidas sejam tomadas de forma gradual? Por exemplo, a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social que é consensual. Eu não cheguei hoje à vida política. E posso orgulhar-me que das várias reformas que fiz, muitas vezes com arrojo, mas fiz com os caldos de galinha suficientes para que as coisas batessem certas. Há uma ideia feita de que a direita gere bem e a esquerda gere mal, mas essa ideia feita precisa ser demonstrada e no que me diz respeito, peço meças a qualquer membro do Governo que tenha alguma vez gerido melhor os dinheiros públicos do que eu.
Há uma área em que todos os governos falam, mas que até agora não descolou, a do mar. Por isso insisto se se deve fazer esse esforço de priorização ou financiar os projectos e áreas que apareçam?
Devemos concentrar-nos nos sectores que tenham maior capacidade produtiva. No mar o que precisamos antes do mais é de uma nova organização, desde logo a nível, governamental, para que a política do mar possa ser devidamente estruturada.
Não chega a comissão interministerial?
O Yes Prime Minister tinha uma personagem que representava o establishment, o Sir Humphrey, que tinha sempre uma solução. E sempre que era preciso falar de um problema a solução era criar uma comissão interministerial. Não é a comissão interministerial como não pode ser uma secretaria de Estado de um ministério sectorial, não obstante a excelência da personalidade que exerceu as funções de secretário de Estado do Mar no actual Governo, o comandante Pinto de Abreu. É uma das três áreas que eu tenho sinalizado, onde é absolutamente fundamental existir um ministro com a função transversal que permita a articulação do conjunto das políticas sectoriais.
Portanto, vai ter um ministro do Mar?
Sim. Tem de haver um ministro com função transversal. Há três áreas transversais, o mar, a modernização administrativa e o desenvolvimento e ordenamento regional.