ADN antigo dá pistas sobre “revolução” cultural da Idade do Bronze na Europa
O “mapa genético” dos europeus e asiáticos de hoje tem apenas uns milhares de anos – e na Europa, é o resultado de migrações em massa de povos oriundos das estepes da Eurásia.
Mas agora, duas análises genéticas independentes – realizadas num total de 170 genomas humanos pré-históricos – vêm levantar uma ponta do véu sobre o que terá acontecido. E sugerem fortemente que, de facto, foram as migrações em grande escala que estiveram na origem da autêntica “revolução” cultural que marcou a Idade do Bronze na Europa. Os dois estudos foram publicados na quinta-feira na revista Nature.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Mas agora, duas análises genéticas independentes – realizadas num total de 170 genomas humanos pré-históricos – vêm levantar uma ponta do véu sobre o que terá acontecido. E sugerem fortemente que, de facto, foram as migrações em grande escala que estiveram na origem da autêntica “revolução” cultural que marcou a Idade do Bronze na Europa. Os dois estudos foram publicados na quinta-feira na revista Nature.
De onde vinham esses migrantes? Segundo as conclusões dos estudos, eram oriundos de uma região que abrange parte daquilo que são hoje a Roménia, Moldávia, Ucrânia, Rússia e Cazaquistão. “Esse tumultuoso período viu surgir novas tecnologias e tradições culturais – a utilização de armas sofisticadas, carroças puxadas por cavalos, mudanças nos ritos funerários – que se espalharam pela Europa e a Ásia, vindas das estepes entre o Mar Negro e o Mar Cáspio”, explica a revista científica britânica em comunicado.
“A força motora do nosso estudo era perceber as grandes mudanças económicas e sociais que se verificaram no início do terceiro milénio antes da era cristã, dos Urais à Escandinávia”, diz por seu lado Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca) e um dos autores principais de um dos trabalhos, em comunicado da sua universidade. “As velhas culturas agrícolas do Neolítico foram substituídas por uma percepção totalmente nova da família, da propriedade e do indivíduo. Eu e outros arqueólogos pensamos que estas mudanças aconteceram na sequência de migrações em grande escala.” Os resultados vêm portanto confirmar essa ideia.
Estes cientistas sequenciaram na íntegra o ADN extraído de 101 esqueletos (a maior sequenciação de sempre de ADN antigo), com idades entre 8000 e 3000 anos, encontrados um pouco por toda a Europa e Ásia Central. E um dos principais resultados da sua análise genética é que as migrações conduziram a uma profunda “reescritura” do genoma dos europeus, que até à Idade do Bronze eram geneticamente muito semelhantes aos povos da Ásia Central. De facto, lê-se no mesmo comunicado, a composição genética e a distribuição dos povos na Europa e Ásia actuais “é um fenómeno surpreendentemente recente, com apenas uns milhares de anos.”
Eis a história que os genes parecem agora contar, explica o comunicado: há uns 5000 anos, um povo que tinha desenvolvido um novo sistema da família e da propriedade (e que os arqueólogos designam de cultura Iamna) migrou do Cáucaso para Oeste. No Norte da Europa, misturou-se com as populações autóctones da Idade da Pedra, dando origem a uma nova cultura, designada “cultura da cerâmica cordada” pelos especialistas. Do ponto de vista genético, esta cultura é próxima das populações actuais do Norte dos Alpes.
Mais tarde, há uns 4000 anos, uma outra cultura, designada Sintashta, surgiu no Cáucaso. Inventora de novas armas e de carroças, espalhou-se rapidamente pela Europa fora. Quanto à região a leste dos Urais, no coração da Ásia, ela terá sido colonizada há uns 3800 anos pela cultura dita Andronovo, descendente da cultura Sintashta.
Por último, já no fim da Idade do Bronze e no início da Idade do Ferro, houve uma migração de povos do Leste asiático para a Ásia Central. Mas neste caso, lê-se no mesmo documento, em vez de daí resultar uma mistura genética, como na Europa, verificou-se uma substituição genética. Os genes de origem europeia (que o mesmo estudo mostra tinham sido “importados” para a Ásia Central pela cultura Andronovo) simplesmente desapareceram.
A análise desta equipa também revela algumas surpresas: por exemplo, que a pigmentação clara da pele já era frequente entre os europeus da Idade do Bronze. E ainda que a tolerância à lactose – que tornou os humanos capazes de beber leite – só surgiu na Idade do Bronze, ou seja, bastante mais tarde do que se pensava até aqui.
No outro estudo, uma equipa internacional co-liderada por David Reich, da Universidade de Harvard (EUA), analisou, pelo seu lado, partes do genoma de 69 europeus que também viveram há 8000 e 3000 anos. Os seus resultados, que batem certo com o da equipa de Willerslev, estabelecem principalmente uma relação (ainda por confirmar, alertam os próprios autores) entre as migrações em massa vindas das estepes eurasiáticas e a origem das línguas indo-europeias.
“Ambas as equipas fornecem novos indícios acerca de uma controvérsia de longa data em torno das origens da família de línguas indo-europeias”, escreve John Novembre, geneticista da Universidade de Chicago (EUA), num comentário na mesma edição da Nature.
E acresenta: “Conjuntamente, estes estudos sugerem que as deslocações populacionais da Idade do Bronze foram importantes para a evolução genética da Eurásia. Claro que o ADN antigo não pode ser uma prova da forma como as línguas se difundiram, mas (…) se os genes se deslocaram em massa, é muito provável que as palavras também o tenham feito.”