Em Portugal haverá quase 50 mil pessoas acamadas a viver em casa

Direito de acesso à saúde estatal “está ameaçado se não houver medidas para corrigir debilidades”, diz o Observatório Português dos Sistemas de Saúde.

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Adriano Miranda

O observatório centrou este ano as suas atenções nas questões do acesso à saúde, abordando, por exemplo, as necessidades decorrentes de uma população cada vez mais envelhecida, com crescentes situações de dependência.

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O observatório centrou este ano as suas atenções nas questões do acesso à saúde, abordando, por exemplo, as necessidades decorrentes de uma população cada vez mais envelhecida, com crescentes situações de dependência.

O documento estima que haja no país 110.355 pessoas “dependentes no autocuidado” no domicílio, o que significa que precisam de ajuda para actividades básicas, como alimentarem-se, tomarem banho, vestirem-se, usarem o sanitário, levantarem-se da cama, transferirem-se entre a cama e uma cadeira. Destas, 48.454 são pessoas “acamadas”, “uma estimativa que peca por defeito”, realça o actual coordenador do observatório, Manuel Lopes, o professor e investigador da Escola Superior de Enfermagem São João de Deus da Universidade de Évora.

O que o relatório diz é, apesar do esforço, a rede de cuidados continuados continua muito abaixo das necessidades e que existem, no país, vários factores que perturbam “a equidade no seu acesso dos doentes acamados”. Há pessoas, “com condições de saúde semelhantes”, mas “uns são referenciados para a rede e outros não.”

Manuel Lopes sublinha ainda que a grande aposta da rede continuam a ser as unidades de internamento, as de longa duração e manutenção, por exemplo, estão quase lotadas (97%), quando as mais vantajosas seriam os cuidados domiciliários. Mas, paradoxalmente, esta é a única valência na rede de cuidados continuados que está subaproveitada, sendo “a mais barata”, e a que viria trazer mais bem-estar às pessoas, que respondem que gostariam de ficar em casa o máximo de tempo se tivessem escolha. “No caso da região Centro, por exemplo, as Equipas de Cuidados Continuados Integrados só estão usadas a 41% das suas capacidades (a taxa de ocupação a nível nacional era de 66%).

Manuel Lopes refere que existe “uma janela temporal para estas pessoas recuperem a sua autonomia após o internamento. Se não for feita uma intervenção a tempo ficam as sequelas e instala-se a dependência”. O responsável refere que é entre o hospital e a espera para uma vaga na rede que se perdem oportunidades e pode ficar comprometida a qualidade de vida.

O Relatório de Primavera explica que, face à espera para uma vaga na rede, os hospitais podem tender “a empurrar” o doente para o domicílio – na maioria dos casos, sem a assistência de que necessita”, para não terem de arcar com as despesas do prolongamento do seu internamento.

“A insuficiente assistência profissional proporcionada aos doentes e aos familiares cuidadores que ficam fora da rede tem implicações no agravamento da condição de saúde do doente.” Os autores referem investigações feitas junto desta população em que 68% destas pessoas apresentavam sinais de rigidez articular, 26% sinais aparentes de desidratação, 22% sinais de alteração do estado mental, 21% teve pelo menos um episódio de queda no último mês, 21% apresentava condição de higiene deficientes, 19% compromisso da integridade da pele (como úlceras de pressão), e 10% compromisso respiratório.

Os familiares, sentindo-se muitas vezes impotentes para lidar com este tipo de situações em casa e vendo-se sem apoio, acabam por deixar estas pessoas dependentes “circunscritas ao quarto, vendo-se assim deteriorar-se a sua condição de saúde.”

Passado um ano após a saída da troika de Portugal, o observatório – que é uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, Universidade de Évora, e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa – dá ainda conta da diminuição das idas às urgências, assinalando “a coincidência temporal entre a ocorrência desta diminuição e o aumento das taxas moderadoras.” “Também no acesso às consultas constatámos uma diminuição constante do número de consultas nos Cuidados de Saúde Primários desde 2008, num cenário em que o número de consultas médicas per capita e por ano é muito inferior à média da OCDE”, lê-se.

À pergunta que dá título ao relatório “Acesso aos cuidados de saúde. Um direito em risco?”, os autores respondem: “os portugueses ainda têm acesso aos cuidados de saúde estatais, apesar de esse direito estar ameaçado se não forem accionadas medidas que corrijam muitas das debilidades encontradas.”