Passos Coelho e o mito urbano

Há uma ligação harmoniosa entre o mito, a fantasia e o primeiro-ministro de Portugal. Também ele vive num mundo imaginário, pois há muito desistiu de ver que o caminho que pretende para o país, colocando-nos, consequentemente, num labirinto sem saída

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Enric Vives-Rubio

As histórias, e muitas das mais fabulosas histórias, entram no universo do mundo da fantasia e do imaginário, dos mitos ou de acontecimentos grandiosos do passado. Quem nunca ouviu a história da fada dos dentes, do cavaleiro sem cabeça, ou as controversas histórias sobre vampiros e lobisomens? São mitos e lendas que percorreram gerações até aos dias de hoje, alicerçadas na dicotomia verdadeira entre o magnífico mundo do imaginário e a consciência crítica que a ciência nos induz.

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As histórias, e muitas das mais fabulosas histórias, entram no universo do mundo da fantasia e do imaginário, dos mitos ou de acontecimentos grandiosos do passado. Quem nunca ouviu a história da fada dos dentes, do cavaleiro sem cabeça, ou as controversas histórias sobre vampiros e lobisomens? São mitos e lendas que percorreram gerações até aos dias de hoje, alicerçadas na dicotomia verdadeira entre o magnífico mundo do imaginário e a consciência crítica que a ciência nos induz.

Vem este breve intróito a propósito das recentes declarações do primeiro-ministro de Portugal, a respeito de declarações suas sobre a emigração jovem, as quais apelidou de mito urbano.

A primeira reacção que vivenciei após ler tais declarações foi de regozijo, pelo rápido esclarecimento do nosso primeiro-ministro. Quem, pelo seu bom nome, demoraria anos a responder a tão graves injúrias de que foi alvo pelos inúmeros jovens, e não só, que involuntariamente tiveram de deixar o nosso país?

Após o regozijo, claro que não poderia deixar de perceber a persistente "saída" do mundo real com que Passos Coelho nos tem vindo a presentear. Há, paradoxalmente, duas realidades em Portugal: a realidade do primeiro-ministro — manifestamente mais apelativa e reconfortante — e a realidade com que os portugueses têm de viver — a qual não é tão empolgante como a anterior.

Ocorre, porém, que o mundo real — e para mal dos portugueses — é aquele onde 154 mil famílias deixaram de conseguir pagar a prestação da sua casa, onde há 300 mil idosos em risco de pobreza e 110 mil pessoas perderam o direito a ter o Rendimento Social de Inserção. O país real é aquele onde 350 mil portugueses tiveram de emigrar e onde 450 mil pessoas não encontram emprego há mais de um ano.

Há, no entanto, uma ligação harmoniosa entre o mito, a fantasia e o primeiro-ministro de Portugal. Essa será, porventura, o único princípio de coerência que encontro no nosso primeiro-ministro: também ele vive num mundo imaginário, pois há muito desistiu de ver que o caminho que pretende para o país, colocando-nos, consequentemente, num labirinto sem saída.

Se Passos Coelho está irredutível no caminho, como as parcas e previsíveis propostas da coligação assim o demonstram, aliadas à sua paixão pela austeridade e ao radicalismo ideológico com que nos governa, estará, sem assim o querer — e numa analogia com “Astúcia da Razão” — a dar uma oportunidade histórica para reinventarmos o nosso destino colectivo à esquerda.