Argumentário PAF
Reformar o Estado? Impossível, esgotou-se o tempo da anestesia, com a saída da Troika.
Este argumentário tem um pequeno problema: é quase inteiramente falso. Em contexto de grave crise económica e financeira internacional e sem escamotear erros cometidos, não foi o governo anterior que provocou a entrada da Troika, foram as oposições coligadas que derrubaram o segundo governo Sócrates que era minoritário. Como bem afirmou Teixeira dos Santos, no momento da decisão não havia alternativa. Mas ela existiu sempre até à queda do governo, bastaria que fosse aprovada a orientação aceite por Berlim, Bruxelas e Frankfurt, conhecida como PEC 4. A intervenção externa que agora o Governo vê como má, por meras razões eleitorais, na altura era vista como redentora pelos partidos da direita. O programa da Troika, ainda negociado pelo governo anterior com a concordância do PSD, continha a austeridade em limites toleráveis e identificava reformas necessárias. A coligação, mal tomou conta do poder, foi para além da Troika, praticou a extorsão financeira às classes médias e fugiu a reformas de fundo. Preferiu a teoria da culpa e expiação a modernizar o Estado. O País foi dividido entre novos e velhos, pensionistas e activos, empregados e desempregados, funcionários e outros trabalhadores. Dividir para reinar. Os sacrifícios esvaíram a economia, afugentaram imigrantes, destruíram centenas de milhares de postos de trabalho, multiplicaram o desemprego, esmifraram funcionários e pensionistas, secaram o sistema científico, emagreceram apoios sociais, agravaram pobreza, criaram miséria envergonhada e desiludiram jovens, forçando-os a emigrar. A administração foi maltratada e empobrecida, o sistema de ensino e justiça invadidos por disfunções virais de que ainda se não libertaram, a saúde apertou cinto e garrote, levando a mais desigualdade, mais doença por tratar, menor eficiência e crises sazonais à menor tensão dos elementos. O investimento cessou, o consumo interno secou e um suposto milagre reduziu importações ao osso. O crescimento passou a negativo até 2014, o PIB regrediu. O défice aumentou e só recentemente irá atingir os objectivos fixados para há dois anos. Apesar da venda ao desbarato de quase toda a economia pública, a dívida disparou de 109 para 130% do PIB. Longe de ter recuperado, a economia perdeu força e só pela recusa constitucional de mais austeridade ela pode agora, lentamente, levantar a cabeça. O terceiro argumento é o único verídico: a Troika saiu, acusada de todos os males pelo governo, como bode expiatório e os Portugueses não querem repetir este circuito de erros e violências. Razões mais que suficientes para que os eleitores vejam a PAF como os flamengos viam o Duque de Alba: um papão agora sorridente, mas que vai obrigar o Povo a mais austeridade.
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Este argumentário tem um pequeno problema: é quase inteiramente falso. Em contexto de grave crise económica e financeira internacional e sem escamotear erros cometidos, não foi o governo anterior que provocou a entrada da Troika, foram as oposições coligadas que derrubaram o segundo governo Sócrates que era minoritário. Como bem afirmou Teixeira dos Santos, no momento da decisão não havia alternativa. Mas ela existiu sempre até à queda do governo, bastaria que fosse aprovada a orientação aceite por Berlim, Bruxelas e Frankfurt, conhecida como PEC 4. A intervenção externa que agora o Governo vê como má, por meras razões eleitorais, na altura era vista como redentora pelos partidos da direita. O programa da Troika, ainda negociado pelo governo anterior com a concordância do PSD, continha a austeridade em limites toleráveis e identificava reformas necessárias. A coligação, mal tomou conta do poder, foi para além da Troika, praticou a extorsão financeira às classes médias e fugiu a reformas de fundo. Preferiu a teoria da culpa e expiação a modernizar o Estado. O País foi dividido entre novos e velhos, pensionistas e activos, empregados e desempregados, funcionários e outros trabalhadores. Dividir para reinar. Os sacrifícios esvaíram a economia, afugentaram imigrantes, destruíram centenas de milhares de postos de trabalho, multiplicaram o desemprego, esmifraram funcionários e pensionistas, secaram o sistema científico, emagreceram apoios sociais, agravaram pobreza, criaram miséria envergonhada e desiludiram jovens, forçando-os a emigrar. A administração foi maltratada e empobrecida, o sistema de ensino e justiça invadidos por disfunções virais de que ainda se não libertaram, a saúde apertou cinto e garrote, levando a mais desigualdade, mais doença por tratar, menor eficiência e crises sazonais à menor tensão dos elementos. O investimento cessou, o consumo interno secou e um suposto milagre reduziu importações ao osso. O crescimento passou a negativo até 2014, o PIB regrediu. O défice aumentou e só recentemente irá atingir os objectivos fixados para há dois anos. Apesar da venda ao desbarato de quase toda a economia pública, a dívida disparou de 109 para 130% do PIB. Longe de ter recuperado, a economia perdeu força e só pela recusa constitucional de mais austeridade ela pode agora, lentamente, levantar a cabeça. O terceiro argumento é o único verídico: a Troika saiu, acusada de todos os males pelo governo, como bode expiatório e os Portugueses não querem repetir este circuito de erros e violências. Razões mais que suficientes para que os eleitores vejam a PAF como os flamengos viam o Duque de Alba: um papão agora sorridente, mas que vai obrigar o Povo a mais austeridade.
Uma compilação de anteriores afirmações de Passos Coelho, barítono categórico e pomposo, circula nas redes sociais: recusa de aumentar impostos, especialmente o IVA, seria criminoso cortar as pensões baixas, urgente reduzir os bónus dos gestores públicos, necessário cortar a despesa do Estado, pugnar por reformas estruturais. Privatizar activos para realizar dinheiro seria política criminosa; jamais reduziria ordenados abaixo dos mil euros; acabar com o 13º mês seria tremendo disparate. Choroso, lamentava os 300 mil desempregados sem subsídio. Algumas das suas frases ficaram célebres pela antítese da prática posterior: “aumentar impostos é sempre o caminho mais fácil”, “ não iremos diminuir mais a despesa, mas sim aumentar a base de incidência de impostos”, “não matemos o doente com a cura”, “não digamos hoje uma coisa, amanhã outra”, devemos “valorizar cada vez mais a palavra, para podermos acreditar nela.
Com a aproximação das eleições tudo muda. Os Portugueses já não são piegas mas empreendedores, os cientistas já não tratam de inutilidades, acrescentam conhecimento, a Segurança Social pública já não é para reformar, mas para consensualizar, a classe média já não vive acima das possibilidades, passou a ser o cimento da coesão social. Vale a pena um exercício de imaginação sobre quais vão ser as novas promessas, como devolver cortes a pensões e ordenados em quatro anos, devolver sobretaxa de IRS ainda este ano e extinguir suavemente a contribuição de solidariedade, mesmo nas pensões mais altas. Ameaças encobertas, como o corte permanente de 600 milhões em pensões, não verão mais a luz do dia, até Outubro.
Mais interessante será a girândola de benesses: médico de família a todos os Portugueses, aumentar os recursos para Universidades e Ciência, reduzir ou mesmo extinguir a pobreza, baixar as tarifas da energia, aumentar a natalidade, distribuir mais depressa os fundos comunitários, acabar com a burocracia, aproximar a justiça dos cidadãos em tempo e em custo, colocar professores a tempo e horas, ampliar o crédito às empresas, reformar o Estado, apaziguar as forças de segurança, contentar os militares, aumentar juízes e magistrados.
Cada promessa tem seu caveat: médico para todos depende de investimento nas unidades familiares e nos cuidados continuados, os quais foram congelados; mais dinheiro para Universidades vem associado a reformas dos anos trinta, à Carneiro Pacheco; reduzir a pobreza depende mais do emprego que tudo o resto e quem o considere um dano colateral da economia nunca perceberá o seu papel no crescimento. Baixar as tarifas da energia, agora que é o Governo da China quem a produz, obriga a um incidente diplomático. Aumentar a natalidade implicaria fazer regressar a Portugal os 350 mil que emigraram em quatro anos, oferecer-lhes emprego e tranquilidade para poderem ser pais e mães. Distribuir mais depressa os fundos europeus, como? Se nem em ano de eleições os responsáveis se tornaram diligentes. Para acelerar a burocracia seria necessário compreender a administração e conquistá-la, quando o Governo se entreteve a depreciá-la, substituindo-a por afilhados e consultores. Acelerar a justiça e baixar-lhe os custos implicaria criar respeito, em vez de gerar cobiças de dourados vistos e negócios correlativos. Colocar os professores a tempo e horas, sim, aí creio ser possível: são menos os colocandos e mais os informáticos, Crato vai cumprir seu ideal, seria desastroso falhar. Crédito fácil para empresas parece difícil, continuando o famoso banco de fomento envolto em bruma nortenha. Reformar o Estado? Impossível, esgotou-se o tempo da anestesia, com a saída da Troika. Pagar melhor a forças de segurança, militares, juízes e magistrados, claro que sim, inventar-se-á o dinheiro. O pior virá depois, quando a sinfonia dos excluídos exigir o mesmo.
O recente episódio da denúncia das colonoscopias contratualizadas com privados a preços baixos, em vez de realizadas no público com recursos próprios e meios decentes, gerou noitadas para se alcançar uma das 150 senhas trimestrais. Espelho desta governação: deteriora o público em nome do mercado, esgana o privado com tabelas baixas, castiga o contribuinte por estar doente. Só falta chamar piegas aos que protestam.
Professor catedrático reformado