Escola onde ia passar a terceira ponte sobre o Tejo continua ao abandono

Antiga escola industrial Afonso Domingues, na zona oriental de Lisboa, fechou há cinco anos para deixar passar o comboio de alta velocidade, mas este nunca arrancou. Espaço tem sido vandalizado e ainda não se sabe que destino o Estado lhe dará.

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“Amo-te Afonso”. Vista ao longe, a frase desenhada à mão num placard vermelho em forma de coração, pendurado no portão principal da escola, parece coisa de adolescentes mas não é. O autor assina em letras pequeninas Alberto Pereira, o “Máfias”, 77 a 81 – serão as datas em que frequentou o estabelecimento. Nos anos seguintes ao fecho da Afonso Domingues multiplicaram-se as manifestações de antigos alunos, revoltados com o encerramento apressado que pôs fim a mais de um século de história.

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“Amo-te Afonso”. Vista ao longe, a frase desenhada à mão num placard vermelho em forma de coração, pendurado no portão principal da escola, parece coisa de adolescentes mas não é. O autor assina em letras pequeninas Alberto Pereira, o “Máfias”, 77 a 81 – serão as datas em que frequentou o estabelecimento. Nos anos seguintes ao fecho da Afonso Domingues multiplicaram-se as manifestações de antigos alunos, revoltados com o encerramento apressado que pôs fim a mais de um século de história.

A decisão de fechar portas foi comunicada à direcção da ESAD por ofício em Março de 2010, com efeitos a partir de Agosto. Em Julho desse ano, o Ministério da Educação, então tutelado por Isabel Alçada, justificava ao PÚBLICO que a urgência se devia ao facto de a Refer ter manifestado, no final de 2009, a intenção de avançar com a “expropriação da escola no âmbito da construção da linha de alta velocidade e da terceira travessia do Tejo”. Para evitar “uma perturbação maior” durante o período de aulas, mesmo perante os avanços e recuos do projecto da alta velocidade, a tutela resolveu fechar antes que começasse um novo ano lectivo. Alunos (eram 290, apesar de o espaço ter capacidade para 840) e professores (mais de 80) foram distribuídos por outras escolas da zona.

“Puseram o carro à frente dos bois”, resume hoje o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, Belarmino Silva (PS), classificando o argumento da construção da terceira travessia como “um mero pretexto” para fechar esta escola, como aconteceu com tantas outras pelo país. "A travessia nem daqui por 30 anos está feita", afirma.

O autarca critica o Governo por não ter salvaguardado as instalações, os materiais e os equipamentos existentes. Um ano antes do encerramento tinham sido feitos investimentos avultados em quadros interactivos, computadores e na rede de Internet sem fios, que abrangia todo o recinto. “Quando se fechou a escola ficou lá todo o recheio, excepto os arquivos. É como uma pessoa que sai de casa e fecha a porta, mas deixa a janela aberta para os ladrões entrarem”, descreve Belarmino Silva.

Os ladrões acabaram por entrar. Em 2011, a Afonso Domingues foi assaltada quatro vezes numa semana, em Agosto. Os suspeitos, detidos pela PSP, levaram material informático como computadores, impressoras e um router. Desde então, foi fartar vilanagem.

Um dos portões da frente está aberto. Passando o autêntico matagal que foi crescendo livremente em volta da escola, entra-se sem esforço no edifício principal, cuja estrutura está ainda em bom estado. As portas estão escancaradas. Apenas as janelas do rés-do-chão foram emparedadas. Nos dois pisos superiores do grande edifício cor-de-rosa (cujas paredes estão ainda impecavelmente pintadas), as janelas estão abertas ou já sem vidros. Aqui e ali há cortinas a adejar com o vento.

Nos corredores e nas salas de aula parece que passou um tornado e ficou tudo de pernas para o ar: papéis espalhados pelo chão (cadernetas de alunos, exemplares de testes, fichas de avaliação, documentos administrativos), restos de trabalhos manuais, caixotes, muitos armários de madeira vazios caídos. Das instalações eléctricas só há vestígios: foram arrancadas as tomadas, os fios, as lâmpadas, os candeeiros. Dos quadros interactivos restam as marcas nas paredes. E os painéis de azulejos que adornavam as escadarias interiores desapareceram.

No grande pátio das traseiras há pneus espalhados pelo chão cimentado. No antigo ginásio, que mantém os espaldares nas paredes e pouco mais, há rastos de pessoas sem-abrigo, como roupa e cobertores amontoados nos balneários. Mas é nos amplos edifícios das oficinas, onde em tempos funcionaram os laboratórios da antiga escola industrial – que formou electricistas, soldadores, serralheiros e carpinteiros –, que mais se nota o vandalismo. Paredes rabiscadas a tinta, mais armários de madeira empilhados e vazios, esqueletos de carros velhos destruídos. Por todo o lado há marcas de tinta amarela deixadas por "balas" utilizadas para a prática do paintball. Diz-se também que a PSP tem feito ali alguns treinos, uma informação que o PÚBLICO não conseguiu confirmar.

Segundo Belarmino Silva, após o encerramento não faltaram entidades interessadas em ocupar o espaço. “Os bombeiros do Beato, por exemplo, que não têm instalações”, indica. O presidente da Junta de Freguesia do Beato, Hugo Xambre Pereira (PS), explica que contactou o Ministério da Educação diversas vezes, durante 2012 e 2013, pedindo a cedência de pelo menos parte das instalações aos bombeiros, que ocupam actualmente as antigas cavalariças do duque de Lafões, sem condições.

A resposta chegou a 7 de Agosto de 2013, assinada pelo director-geral dos estabelecimentos escolares, José Duarte, dizendo que a escola fora "há vários meses" disponibilizada à Direcção-Geral do Tesouro e Finanças. Era esta entidade que estava a "realizar os procedimentos para a sua rentabilização (...) sabendo esta direcção-geral que o Ministério da Administração Interna se conta entre os interessados pelo equipamento". A Hugo Chambre Pereira foi dito que o próximo inquilino poderia ser o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Quanto aos bombeiros do Beato, a Câmara de Lisboa cedeu um terreno à corporação para a construção do quartel, que ainda não avançou por falta de verbas.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Educação e Ciência, dirigido por Nuno Crato, sobre o destino da escola mas não teve resposta.