O Alexandre, a Mariana e António Nóvoa
“Não deixemos que a esperança também emigre”.
Primeiro problema: onde deixar o carro, vindos de Braga, pois eu e o marido decidíramos ir cedo para arranjar lugar no Teatro? Estacionámos, mas havia um problema com o parcómetro. Um arrumador perguntou delicadamente se podia ajudar. Pelo modo como se expressava, vi que não era como os arrumadores habituais. Disse-lho. Ele confirmou que outros já lhe tinham dito o mesmo. Perguntei o que lhe acontecera. De modo humilde e tentando esconder a tristeza, lá foi dando alguns pormenores. Tinha razoáveis habilitações académicas - indicou algumas -, mas há dois anos que não conseguia emprego. Já não tinha carro nem net, e o estado dos dentes da frente, para cuja recuperação não tinha dinheiro, também tinham sido um obstáculo à obtenção de emprego. Perdera a vergonha e tornara-se arrumador. Uma professora amiga dissera-lhe que vergonha era ficar de braços caídos. Ele sabia que era diferente dos outros arrumadores, mas sabia também que não era isso que lhe ia arranjar emprego. Percebi-o bem: a interminável construção civil à volta da nossa casa, dantes tão sossegada, e a falta de alternativas logísticas, mesmo para descanso de verão, agravaram a minha situação oncológica. Mas em que é que essa explicação me retira as dores e o perigo de vida? Seguimos as sugestões deste arrumador – só fixei um dos seus nomes, Alexandre - e sei que nunca mais o esquecerei.
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Primeiro problema: onde deixar o carro, vindos de Braga, pois eu e o marido decidíramos ir cedo para arranjar lugar no Teatro? Estacionámos, mas havia um problema com o parcómetro. Um arrumador perguntou delicadamente se podia ajudar. Pelo modo como se expressava, vi que não era como os arrumadores habituais. Disse-lho. Ele confirmou que outros já lhe tinham dito o mesmo. Perguntei o que lhe acontecera. De modo humilde e tentando esconder a tristeza, lá foi dando alguns pormenores. Tinha razoáveis habilitações académicas - indicou algumas -, mas há dois anos que não conseguia emprego. Já não tinha carro nem net, e o estado dos dentes da frente, para cuja recuperação não tinha dinheiro, também tinham sido um obstáculo à obtenção de emprego. Perdera a vergonha e tornara-se arrumador. Uma professora amiga dissera-lhe que vergonha era ficar de braços caídos. Ele sabia que era diferente dos outros arrumadores, mas sabia também que não era isso que lhe ia arranjar emprego. Percebi-o bem: a interminável construção civil à volta da nossa casa, dantes tão sossegada, e a falta de alternativas logísticas, mesmo para descanso de verão, agravaram a minha situação oncológica. Mas em que é que essa explicação me retira as dores e o perigo de vida? Seguimos as sugestões deste arrumador – só fixei um dos seus nomes, Alexandre - e sei que nunca mais o esquecerei.
No Rivoli, ao tentar explicar porque se candidatava, AN falou de Mariana, 19 anos, estudante universitária, que lhe mandara uma mensagem em que falava da sua tristeza por viver num Portugal cinzento que sentia sem alegria, sem esperança e sem futuro, temendo ter de emigrar para ganhar o seu sustento. Veio-me de imediato à memória um magnífico jovem enfermeiro de Lisboa que, depois do mestrado, não satisfeito com as más condições em que tinha de trabalhar, emigrou para Londres e foi tão bem recebido no hospital onde agora estava. Esses enfermeiros, qualificados e pautados pela ética do cuidado, queria-os em Portugal, não no estrangeiro. E tantos outros jovens de outras áreas. Nunca mais me esqueço do dia em que, a um e-mail meu, me respondeu já de um café em Londres.
Não sei se AN vai ganhar ou não. É certo que, como disse no Porto, representa uma candidatura improvável. Mas isso nada diz dos resultados que irá alcançar. O que sei é que a candidatura de AN veio trazer muita esperança, a meu ver fundada, a muitas portuguesas e muitos portugueses. Como disse no Rivoli, “A política não serve para justificar inevitabilidades, para se conformar com a fatalidade, serve para dar o exemplo, para abrir caminhos. Com coragem, com alegria, porque a alegria é a coisa mais séria da vida. Todos temos direito à humanidade da vida, à felicidade. Espero que voltemos a acreditar. Não deixemos que a esperança também emigre”. Recordei-me então de um antigo Daily Show de Jon Stewart (já agora, porque é que não há um programa do género em Portugal?), em que, aquando da vitória de Obama em 2008, o opositor republicano Mccain tivera de dizer aos seus correligionários que era preciso respeitar um homem que elevara tanto a esperança dos americanos. AN convenceu muitos de nós de que a esperança substantiva não tem que emigrar. Só posso querer que esse desejo, essa audácia da esperança, se vá concretizando.
Professora aposentada da UMinho (laura.laura@mail.telepac.pt)