“É preciso evitar uma geração perdida” na Síria, mesmo que a paz tarde
Ninguém consegue antecipar a evolução da situação síria. Mas Badreddine El Allali, adjunto do secretário-geral da Liga Árabe, sabe que é “quando estamos em guerra que temos de preparar a paz, os jovens que poderão começar de novo”.
“Há jovens que continuaram os estudos de Engenharia, de Gestão, no campo da Saúde, da Arquitectura. Estas conversas permitiram-me concluir que estão muito contentes por terem tido a oportunidade de continuar os seus estudos, o que não podiam ter feito se permanecessem na Síria”, afirma Allali, que vê nestes jovens não só o futuro da Síria, mas também futuros embaixadores entre o mundo árabe e a Europa.
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“Há jovens que continuaram os estudos de Engenharia, de Gestão, no campo da Saúde, da Arquitectura. Estas conversas permitiram-me concluir que estão muito contentes por terem tido a oportunidade de continuar os seus estudos, o que não podiam ter feito se permanecessem na Síria”, afirma Allali, que vê nestes jovens não só o futuro da Síria, mas também futuros embaixadores entre o mundo árabe e a Europa.
Eles “estão felizes por terem tido esta possibilidade e por se terem integrado com facilidade, por terem sido bem recebidos”, diz. “O programa é um sucesso e promete que estes jovens venham a ser úteis no seu país no futuro, para a reconstrução, mas também que actuem como diplomatas, que façam a ponte entre o seu país e Portugal, de forma particular, mas também entre a região e a Europa.”
Allali é adjunto do secretário-geral da Liga Árabe desde Setembro de 2014. Já visitou refugiados sírios no Líbano e na Jordânia, dois países que recebem perto de três dos quatro milhões de sírios que foram obrigados a sair do seu país, em fuga da guerra ou da fome. No interior permanecem mais de seis milhões de deslocados que não podem sobreviver sem ajuda internacional e esses são aqueles que é mais difícil ajudar. Mas passada a fronteira, as dificuldades continuam.
“São muitos e as infraestruturas destes países não estavam preparadas para receber tanta gente num tão curto espaço de tempo. Estes países fizeram um grande esforço para fornecer alojamento, alimentos, escolaridade e acesso a cuidados de saúde a estas pessoas, às necessidades básicas. Mas precisam de ajuda”, afirma o diplomata marroquino.
Até 2011, quando os sírios saíram à rua em protestos pró-democráticos que o regime de Bashar al-Assad reprimiu, a Síria era um dos países com melhores níveis de escolarização na região. É impossível saber ao certo o número de estudantes obrigados a interromper os estudos superiores. Mas basta visitar um campo de refugiados na Turquia, os arredores de Beirute ou uma cidade no Norte da Jordânia para conhecer dezenas que já desistiram dos seus sonhos e só querem poder trabalhar para se sustentarem a si e às suas famílias.
“É preciso evitar uma geração perdida”, diz Allali, consciente de que isso é muito difícil. Os que conseguem retomar e terminar os estudos são uma minoria. Ou têm meios para o fazer ou concorrem a bolsas. Na Europa há muitas disponíveis – só a Plataforma Global para os Estudantes Sírios tem mais de 3000 ofertas –, mas é mais fácil conseguir uma bolsa do que um visto. E não basta obter isenção de propinas, é preciso ter fundos para bolsas de subsistência.
Educação não é luxo
“Quando falamos de edução, há a educação de base, primária, essencialmente, e secundária. Alguns dizem que o ensino universitário é de luxo, eu considero que é uma escolaridade complementar. Por isso é que os esforços feitos por vários actores, como o Presidente Sampaio com esta iniciativa louvável, são tão importantes”, diz o diplomata. O principal problema, afirma, é a falta de dinheiro e a necessidade de acorrer às necessidades básicas.
Todos os anos há uma conferência de doadores que reúne dinheiro para a assistência aos refugiados sírios. Na última, em Março, no Kuwait, “foram feitas muitas promessas mas não chegam a metade das necessidades estimadas”. “Os fundos não são suficientes e a situação na Síria não é previsível. O dinheiro é usado de acordo com prioridades definidas. As organizações internacionais são chamadas a agir, cada uma no seu campo. O ensino superior é uma pequena parte deste esforço.”
O Ensino Superior ainda não é considerado uma prioridade global. Este ano, termina a avaliação da primeira fase dos Objectivos do Milénio. O ex-Presidente Sampaio tem pressionado para que na agenda pós-2015 sejam contemplados os estudos superiores, ou pelo menos para que este programa tome a forma de um mecanismo global permanente, pronto a accionar a cada nova crise. Não existe qualquer agência internacional dedicada a garantir que os jovens apanhados numa guerra podem terminar os seus cursos, como a UNICEF faz em coordenação com os países que recebem os refugiados em relação ao ensino primário e secundário.
“Este é um drama humano, que tem de ser enfrentado em conjunto por todos os países e não apenas pelos países que recebem os refugiados. Grandes esforços são feitos, mesmo para garantir o ensino de base. As estruturas escolares de um país como o Líbano, que tem quatro milhões de habitantes e recebeu 1,5 milhões de refugiados que chegaram de um dia para o outro, não aguentam”, lembra Allali.
No Líbano, há desde 2013 mais sírios em idade escolar do que libaneses e as escolas primárias funcionam por turnos. O mesmo acontece em algumas cidades da Jordânia e nos campos de refugiados geridos pelo Alto Comissariado da ONU para os Refugiados no país.
Para já, a Liga Árabe está a pôr em marcha “um mecanismo de coordenação humanitária que se vai ocupar de seguir situações que necessitem de uma acção urgente, que possa avaliar cada situação com rapidez e garantir que que cada actor se ocupa do que melhor pode fazer, evitando que diferentes grupos trabalhem nas mesmas áreas”. “Infelizmente, o número de desastres naturais e humanos não para de aumentar, no mundo e na região árabe”, diz Allali. A ideia deste mecanismo é “tornar cada acção rápida e coordenada no terreno”.
Sem bolas de cristal nem grandes optimismos sobre o futuro imediato da Síria, o vice-secretário geral só sabe que um dia a guerra vai terminar. E que é “quando estamos em guerra que temos de preparar a paz, preparar os jovens que poderão reconstruir o país e começar de novo” quando isso for possível. “Sem esperança não se alcança nada, congelamos e deixamos o pior acontecer, é preciso sempre reagir e esperar pelo melhor.”