Os voos mais altos de António Capucho
Não é a primeira vez e não será com certeza a última que um militante notável de um partido passa para o lado de lá da barricada. Já tivemos vários casos em Portugal: Basílio Horta, Zita Seabra, Vital Moreira, Pina Moura, Eurico Figueiredo e por aí fora. Até já tivemos casos como o de Freitas do Amaral que, quando se aproximou do PS de José Sócrates, viu Paulo Portas enviar a sua fotografia que estava no Largo do Caldas directamente para o Largo do Rato. Não tem absolutamente nada de mal que tal aconteça. Até é saudável que ninguém fique preso a um partido por mero sectarismo, seguidismo ou ideologia obsoleta. As pessoas às vezes evoluem, mudam de opinião e os partidos nem por isso. Às vezes é o contrário.
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Não é a primeira vez e não será com certeza a última que um militante notável de um partido passa para o lado de lá da barricada. Já tivemos vários casos em Portugal: Basílio Horta, Zita Seabra, Vital Moreira, Pina Moura, Eurico Figueiredo e por aí fora. Até já tivemos casos como o de Freitas do Amaral que, quando se aproximou do PS de José Sócrates, viu Paulo Portas enviar a sua fotografia que estava no Largo do Caldas directamente para o Largo do Rato. Não tem absolutamente nada de mal que tal aconteça. Até é saudável que ninguém fique preso a um partido por mero sectarismo, seguidismo ou ideologia obsoleta. As pessoas às vezes evoluem, mudam de opinião e os partidos nem por isso. Às vezes é o contrário.
Mas há casos que desafiam a compreensão e o de António Capucho é um deles. Esta semana, o antigo presidente da Câmara de Cascais conseguiu dizer que é independente, que admite regressar ao PSD, se os sociais-democratas mudarem de líder, mas também diz que pode vir a estar com o PS, “se for convidado para voos mais altos”, e até admite “votar nos pequenos partidos” e só não vota porque “Pedro Passos Coelho ainda ganha isto”. Isto tudo numa única semana. Foi de uma ponta à outra do Parlamento, sentou-se em todas as bancadas e hasteou bandeiras de todas as cores.
O que move António Capucho? Diz, numa entrevista ao jornal i esta semana, que não se quer oferecer para nenhum cargo. Já disse inclusive a António Costa do PS que o apoiava “sem nenhuma contrapartida” e que não quer que fique a ideia de que faz isto porque quer "um tacho”. Se não é o tacho, o que move Capucho?
O próprio diz que o seu futuro político ligado ao PS está “completamente em aberto”, mas que, “se for convidado para voos mais altos, não [diz] à partida que não”. Às más-línguas dirão: "Não negues à partida um tacho que não conheces." Um tacho é talvez uma forma deselegante de apelidar um cargo de nomeação política. “Mas vê-se como deputado do PS?”, insiste o jornalista. O antigo conselheiro de Estado responde: “Não tenho qualquer ambição política, mas não posso negar uma situação que me interesse.” Uma ou duas perguntas mais à frente acrescenta: “Politicamente não posso negar que, se aparecer uma coisa que me interesse, não esteja disponível.”
António Capucho, militante social-democrata desde 1974, já ocupou muitos cargos neste país. Já foi membro do Conselho de Estado, secretário de Estado, ministro, deputado e eurodeputado. No PSD, ocupou cargos como os de secretário-geral, vice-presidente e líder parlamentar.
Em Janeiro de 2010, e depois de dez anos na Câmara de Cascais, suspendeu o mandato por "razões de saúde" e um ano depois renunciou ao lugar. Em Abril de 2011 desentende-se com Passos Coelho porque não queria ser candidato a vice-presidente da Assembleia da República, mas sim a presidente. Queria voos mais altos. E puxou dos galões: "Não aceito a minha secundarização face a alguém que não tem currículo político minimamente comparável." E disse mais: "Se o partido deseja a minha candidatura ao Parlamento não pode ignorar – desculpem a imodéstia – que fui vice-presidente do Parlamento Europeu, ministro dos Assuntos Parlamentares e líder parlamentar, para além de todos os outros cargos que o meu currículo atesta."
Passos Coelho não se emocionou. Não só não o convidou para o lugar, que já tinha reservado para Fernando Nobre, como em Maio desse mesmo ano ainda o "desconvidou" do lugar do PSD no Conselho de Estado. Capucho lamentou na altura só ter “sabido pelos jornais”. Mas tarde, em 2013, mostrou-se disponível para ser presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), cargo que é de nomeação do ministro da Defesa. Pediu uma audiência a Aguiar-Branco e, segundo contou na altura ao jornal Sol, esta hipótese nasceu de uma série de pessoas ligadas à CVP que o convidaram a avançar para a liderança da instituição. Passos Coelho continuou a não se emocionar.
Na altura, Capucho ainda avisou: se não avançasse para a CVP, estaria “disponível para encarar uma candidatura autárquica”. Assim foi, ou melhor, assim não foi. O PSD não o escolheu nem para uma coisa, nem outra e Capucho escolheu candidatar-se à Assembleia Municipal de Sintra pela lista independente Sintrenses com Marco Almeida, um ex-PSD. Por apoiar um candidato contra as listas do PSD, foi expulso. Assim mandam os estatutos do partido do qual ele próprio foi co-autor. Capucho não gostou e voltou a puxar dos galões. “Não há ninguém no partido que tenha um currículo igual ao meu”, disse na altura ao PÚBLICO. Passos não se impressionou, nem se emocionou.
Em Maio do ano passado voltámos a ouvir falar em António Capucho quando decidiu apoiar Francisco Assis nas eleições europeias, demonstrando "admiração pelas qualidades pessoais e políticas" do candidato. Na semana passada deu o seu apoio a António Costa por lhe reconhecer “qualidades pessoais e políticas”. Na tal entrevista ao jornal i, Capucho justifica: “Se o projecto for interessante, não hesitarei em apoiá-lo.” O jornalista pergunta: “António Costa dará um bom primeiro-ministro?” Ao que Capucho responde: Só depois de se abrir a melancia se vê, mas acho que sim.” Enquanto Capucho vai descobrindo se o projecto do PS é interessante e vai degustando a melancia, espera por voos mais altos. A história e os cargos de António Capucho não se comentam, contam-se.