A profeta de Wall Street falhou nos negócios
Meredith Whitney acertou no subprime, mas não conseguiu vingar na nova vida de gestora da alta finança. Apontam-se-lhe duas fragilidades: a qualidade da equipa que reuniu e a demasiada dependência em relação a um investidor.
A notícia, avançada pelo The Wall Street Journal, vem confirmar informações anteriores que davam conta dos problemas que a Kenbelle Capital LP de Meredith estava a enfrentar, principalmente depois de o seu principal financiador, a BlueCrest, do milionário Michael Platt, ter exigido que o capital investido, cerca de 50 milhões de dólares, fosse restituído.
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A notícia, avançada pelo The Wall Street Journal, vem confirmar informações anteriores que davam conta dos problemas que a Kenbelle Capital LP de Meredith estava a enfrentar, principalmente depois de o seu principal financiador, a BlueCrest, do milionário Michael Platt, ter exigido que o capital investido, cerca de 50 milhões de dólares, fosse restituído.
Numa entrevista que concedeu ao canal Fox Business Network, na quarta-feira, Meredith Whitney tinha reconhecido que a experiência na Kenbelle tinha sido um fracasso e que estava a tentar ultrapassar a situação.
A BlueCrest assumiu-se como a alavanca financeira de que Meredith Whitney precisava para se lançar na área do capital de risco, que é constituída por empresas que apostam em negócios emergentes ou inovadores que ainda não têm reconhecimento do mercado financeiro, mas apresentam grande potencial de crescimento.
O problema é que a Kenbelle, que encetou este caminho, não conseguiu as rentabilidades pretendidas e, segundo as agências de informação financeira, teve um arranque débil e o percurso tornou-se ainda mais penoso no ano passado, ao acumular, nos primeiros 11 meses de 2014, uma perda de 12% nos activos aplicados. No caso da BlueCrest, os 50 milhões de dólares investidos já tinham emagrecido para 46 milhões de dólares, numa análise que não conta com eventuais alavancagens bancárias.
Analista na empresa de research e análise Oppenheimer, em Nova Iorque, Meredith Whitney tornou-se mundialmente conhecida quando, em 2007, divulgou um relatório em que alertava que o Citigroup ia reduzir os seus dividendos devido aos impactos que o chamado “crédito subprime”, então a entrar numa crise que esteve na base da Grande Depressão, teria no seu balanço.
A nota de Meredith lançou nuvens negras sobre o título em Wall Street, o seu valor entrou em profundo declínio e, pouco tempo depois, o presidente executivo da instituição, Charles Prince, foi obrigado a reconhecer os problemas e deixou o cargo pelo seu próprio pé. O "Citi", como outros grandes bancos norte-americanos, chegou a perder mais de 70% do seu valor, quando os preços das casas entraram em colapso, colocando em causa os empréstimos que tinham sido concedidos a famílias de mais baixos rendimentos.
Oráculo de Wall Street
A partir daí, a analista transformou-se numa espécie de oráculo de Wall Street e era presença frequente nas televisões a comentar os desenvolvimentos da crise que teve a sua origem oficial na falência do Lehman Brothers e acabou por obrigar a Administração norte-americana a avançar com um plano de resgate da banca que ascendeu a 700 mil milhões de dólares.
Meredith deixou a Oppenheimer em 2009 para criar a sua própria agência de análise e research, a Meredith Whitney Advisor Group. Mas o sucesso mediático que tinha acumulado não funcionou na captação de clientes. Fontes conhecedoras do mercado garantem que a empresa, com um andar de luxo na capital financeira dos Estados Unidos (Wall Street) que entretanto foi posto no mercado de arrendamento, não conseguiu reunir uma equipa que lhe garantisse créditos de competência e eficácia. E, por outro lado, falhou na captação de uma base sólida de clientes que lhe proporcionasse a rentabilidade necessária.
Após este fracasso, a analista tentou criar as bases para lançar uma nova agência de rating. A antecipação da oportunidade foi bem recebida, porque as grandes agências de notação financeira estavam desacreditadas depois de terem falhado redondamente na detecção do “lixo” que as grandes instituições financeiras tinham acumulado. Quando a crise do subprime se espalhou a eito, ficou atestado que os gigantes que tinham as mais elevadas recomendações em termos de notação por parte das Moody’s, S&P e Fitch estavam em situação de pré-bancarrota. Mas também aqui a aposta de Meredith não conseguiu “ganhar tracção”, como lembrava ontem o The Wall Street Journal.
Com os negócios a claudicarem, cada vez menos requisitada pelas televisões para opinar sobre a situação económica e financeira, longe do fulgor do final da década passada, Meredith Whitney dedicou-se à escrita e lançou um livro, O Destino dos Estados, em que avançava duas novas teses, uma das quais esteve na base de uma nova etapa na sua carreira.
A primeira tese respeitava à situação financeira de muitos municípios norte-americanos e aos riscos de uma onda nacional de defaults (incumprimento financeiro), com consequências imprevisíveis para a estabilidade financeira do país. Houve, de facto, situações graves a este nível, como a de Detroit, mas que acabaram por gerar soluções sem que se verificasse o perigo de alastramento. Na Califórnia, o estado correu também o risco de ficar em situação de não conseguir pagar aos credores nas datas previstas, mas acabou por fazer sem grandes sobressaltos um acordo de reestruturação de dívida. Meredith reconheceu, num programa televisivo, que se tratara de um palpite.
A segunda tese era a de que o mapa de prosperidade nos Estados Unidos estava a ver o seu centro de gravidade deslocar-se dos estados costeiros para os estados do interior, na sequência da crise económica e financeira que o país viveu.
Meredith defendia que os estados costeiros tinham subscrito políticas fiscais muitas abertas que estavam respaldadas no boom do mercado imobiliário e que se tinham comprometido com benefícios sociais que, fechada a torneira dos impostos sobre as casas, haviam tornado a execução orçamental mais difícil e condicionado o desenvolvimento e o crescimento económicos.
Mais focados noutro tipo de actividades, os estados do centro não tinham caído na armadilha do imobiliário e estavam, por isso, mais protegidos dos impactos da crise, com níveis de crescimento que ultrapassavam os indicadores médios para o conjunto dos Estados Unidos.
Foi a partir desta análise que Meredith decidiu avançar com a constituição da Kenbell Capital, em 2013, e do fundo de investimento American Revival. A sede da empresa foi colocada nas Bermudas, onde, assinalava o The Wall Street Journal, a própria Meredith possuía uma moradia no exclusivo condomínio Mid Ocean Club.
O objectivo da antiga analista era apostar nas tais empresas dos estados do interior com elevado potencial de crescimento. Sem arcaboiço financeiro próprio, Meredith conseguiu que o investidor Michael Platt, da BlueCrest Capital Management, avançasse com uma dotação de 50 milhões de dólares e foi com base neste capital que a empresa começou a fazer investimentos.
Uma das apostas recaiu sobre a Conn’s Inc, uma firma de distribuição que, dois meses após a aposta do American Revival, estava a gerar um retorno de 4%. Mas em Junho de 2014 as perdas associadas ao investimento eram já significativas, após um declínio de cerca de 40% nos títulos da empresa.
Outras apostas falhadas de Meredith centraram-se em duas instituições financeiras, uma com sede em San António e outra no Arkansas, colocando dificuldades num caminho que a antiga analista pensava que iria estar recheado de rosas.
É na sequência destes falhanços que Michael Platt exige a restituição do dinheiro que tinha investido na empresa fundada por Meredith. A margem de manobra do investidor tinha-se reduzido depois de o responsável da sua área de trading electrónico ter decidido abandonar os quadros para iniciar um negócio.
A antiga analista recusou, numa primeira fase, a devolução do dinheiro que Platt tinha colocado na American Revival, alegando que o contrato previa que o montante não poderia ser realocado no espaço de dois anos. Mas acabou por ser obrigada a chegar a um acordo com a BlueCrest cujos termos não foram revelados.
Mesmo assim, o advogado de Meredith, Stanley Arkin, garantiu que, no âmbito de encerramento das actividades da empresa todos os investidores externos tinham sido reembolsados ainda em Maio e disse acreditar que Meredith regressará com um novo negócio. “Ela é uma das mais extraordinárias profissionais na indústria financeira e um talento que irá muito longe”, defendeu Arkin em declarações ao The Wall Street Journal.
Erros a evitar
Se regressar, terá de evitar cometer os erros que cometeu no passado recente. Um analista que acompanhou os passos de Meredith no jogo do capital de risco e que pediu anonimato à agência Bloomberg, defende que ela cometeu imprudências que acabaram por lhe ser fatais.
A primeira foi não ter conseguido reunir uma equipa de analistas capazes de a acompanharem a escolher os destinos dos investimentos. A segunda foi ficar muito ou quase exclusivamente dependente de apenas um investidor.
Roberto Whitelaw, responsável pelo departamento de finanças na Universidade Stern, de Nova Iorque, alerta que a constituição de um fundo exige mais do que uma interessante tese de investimento, numa directa para a aposta que Meredith defendeu para os estados do interior norte-americano. “O que é uma tese? Uma tese é uma história. O primeiro problema é que a história pode estar errada e o segundo é que, mesmo que esteja certa, trata-se sempre de uma questão de tempo”, afirmou à agência Bloomberg.