Opiniões e percepções

Hoje as opiniões estão na moda. Lamentavelmente, opina-se e não se discutem factos.

Sobre um estudo académico acerca do “sentir” dos trabalhadores no contexto organizacional e as supostas influências externas, o melhor é ler Francisco Louçã; uma das autoras “encarregou-se, aliás, de aniquilar o dito estudo, declarando ao Expresso que “não há representatividade na amostra””… “é poucochinha”. Mas, segundo Louçã, “se o homem” – outro dos autores – “é de Princeton onde não há Maçonaria nem Opus Dei então o estudo deve estar certo”. O “estudo” não merece mais.

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Sobre um estudo académico acerca do “sentir” dos trabalhadores no contexto organizacional e as supostas influências externas, o melhor é ler Francisco Louçã; uma das autoras “encarregou-se, aliás, de aniquilar o dito estudo, declarando ao Expresso que “não há representatividade na amostra””… “é poucochinha”. Mas, segundo Louçã, “se o homem” – outro dos autores – “é de Princeton onde não há Maçonaria nem Opus Dei então o estudo deve estar certo”. O “estudo” não merece mais.

Um inquérito a internos (Acta Med Port, 2015), com 12,5% de respostas, diz-nos que 90% estavam satisfeitos com o internato, 85% satisfeitos com a profissão e 86% com o local de formação. O que fez notícia? Que há 65% de internos que ponderam emigrar. Mas ninguém referiu que os que menos afirmaram vontade de emigrar foram os médicos de Medicina Geral (MGF), Medicina Legal e Saúde Pública. Nem que os Anestesistas, de que temos falta, são os que consideraram ter melhores perspectivas de carreira, logo seguidos dos de Oncologia Médica (os cancros tendem a aumentar) e da MGF. Uma coisa é certa, a emigração nunca se combaterá com diminuição do número de licenciados formados em Portugal.

Em o “Sistema de Saúde português no Tempo da Troika: A experiência dos Médicos” do ISCTE, estudo encomendado pela Ordem dos Médicos, a amostra, auto-seleccionada, é pequena (7,8% de respostas, 7,5% dos quais sem actividade profissional activa) e de 2013. Não há nenhuma comparação com resultados prévios! Mesmo sem ter havido divulgação do questionário, algumas respostas mereceriam ser noticiadas. 83.5% dos médicos nos hospitais públicos não afirmaram ter conhecimento directo ou indirecto da recusa de tratamentos inovadores. No sector não hospitalar público, 75,6% não sentiram pressão para gastar menos com os doentes e 78% para a não prescrição de certos medicamentos. Por outro lado, é curioso que a pressão para a não prescrição de medicamentos – não se diz porque via ou modo - esteja sobretudo relacionada com antibióticos, antidiabéticos e anti-hipertensores, áreas onde é preciso melhorar o que se receita. É referido faltas de que material? Quais? Quantas vezes? Como era antes da troika? Adiamentos de cirurgias? Porquê? Qual o cirurgião que nunca adiou uma cirurgia? Quantos foram os adiamentos? Por outro lado, 78,7% dos “internos consideram que houve um decréscimo da qualidade de formação”. Comparado com o quê? Estes internos não deviam ser os mesmos do outro estudo.

Nesta amostra há opiniões dos médicos sobre o que acham que os doentes pensam. Ou seja, a percepção por interposta pessoa. De forma mais precisa, a DGS publicou, em 2015, um estudo de satisfação de utentes sobre o sistema de saúde português. Não sendo possível comparar as respostas, porque os universos são diferentes, interessa rever as opiniões que os utentes têm, em vez do que os médicos julgam que os doentes pensam. 90,7% da população inquirida considerou ser “bem atendida” pelos profissionais de saúde. 83% da população inquirida sentiu-se confortável e cómoda no contacto com o sistema de saúde. 87,2% não deixou de adquirir os medicamentos prescritos e a maioria (87,9%) não deixou de se medicar por dificuldades financeiras. Os doentes pedem medicamentos mais baratos – também dizem os médicos auscultados pelo ISCTE - porque eles existem. E isso não é bom? 90,1% dos inquiridos revelam que não faltaram às consultas por dificuldades financeiras, do mesmo modo que não deixaram de realizar exames médicos, tratamentos ou consultas de seguimento. 95,5% não faltaram por causa de transportes. A taxa de abandono de tratamentos e consultas, 13%, reportada pelos utentes é muito menor do que os 63% de abandono reportado pelos médicos.

“Consoante o ponto de observação a realidade é vista de forma fracturada, enganadora.[…]as sondagens favoráveis ao poder tendem a ficar pelas páginas interiores e as desfavoráveis a terem chamada de primeira página”, anotou Correia de Campos (Reformas da Saúde, 2008) para que nunca se esquecesse, presumo. Hoje as opiniões estão na moda. Lamentavelmente, opina-se e não se discutem factos.

Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde