Portugal condenado em Estrasburgo por um processo que durou 26 anos
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ainda não definiu qual a indemnização que vai aplicar a Portugal. Queixosos pedem 24 milhões de euros.
Na semana passada, respondendo à queixa apresentada pelos filhos dos proprietários, de nacionalidade espanhola e entretanto já falecidos, a 1.ª secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou que a duração deste processo litigioso “foi excessiva” e não respondeu assim à exigência contemplada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, onde se estabelece que todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja apreciada (…) num prazo razoável por um tribunal”.
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Na semana passada, respondendo à queixa apresentada pelos filhos dos proprietários, de nacionalidade espanhola e entretanto já falecidos, a 1.ª secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou que a duração deste processo litigioso “foi excessiva” e não respondeu assim à exigência contemplada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, onde se estabelece que todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja apreciada (…) num prazo razoável por um tribunal”.
Por essa razão o tribunal de Estrasburgo decidiu que o Estado português violou o que se encontra previsto no artigo 6 da convenção. No mesmo processo, o tribunal considerou ainda que o Estado português infringiu dois outros artigos: o que estabelece que todas as pessoas, cujos direitos e liberdades reconhecidos na convenção tenham sido violados, “têm direito a um recurso efectivo perante uma instância nacional” e o que estipula “ninguém pode ser privado da sua propriedade a não ser por razões utilidade pública e nas condições previstas na lei e nos princípios gerais do direito internacional”.
Para já, o TEDH ainda não decidiu qual a multa que aplicará a Portugal por este conjunto de violações. Os queixosos pediram cerca de 24 milhões de euros por prejuízos materiais e mais 1,2 milhões por danos morais. Na defesa apresentada em Estrasburgo, o Governo português alegou que o pedido de indemnização é “infundado” e que os danos morais estão “manifestamente sobrevalorizados".
Nesta deliberação, aprovada a 4 de Junho passado, conclui-se que os queixosos, herdeiros do empresário espanhol Joaquin Peña, tiveram de “suportar uma carga especial e exorbitante que rompeu o justo equilíbrio que deve reinar entre, por um lado, as exigências do interesse geral e, por outro, a salvaguarda do direito de cada um ao respeito dos seus bens”. Joaquin Peña era o proprietário da sociedade imobiliária Habitat, que esteve na origem da actual Miraflores, um bairro do concelho de Oeiras..
O valor da indemnização pelos dois terrenos, com uma área de 24.375 metros quadrados, começou por ser fixado, no final do primeiro julgamento em Portugal, em Julho de 1992, em quase 15 milhões de euros, desceu depois para cerca de 10,8 milhões de euros num novo processo, que culminou em Julho de 1993, voltou a subir para perto de 19,4 milhões em mais um julgamento, terminado em Setembro de 1997 e no último, realizado em Dezembro de 2008, o montante fixado pelo tribunal foi de 2,2 milhões de euros. Uma quantia que foi actualizada, de acordo com os índices da inflação, para 2,7 milhões de euros. Foi esta a verba que a família Diaz Peña recebeu em 2010.
Na sua sentença, o TEDH frisa que este montante “é consideravelmente inferior a todos os outros que tinham sido fixados antes”. O tribunal de Estrasburgo dá também razão aos queixosos na sua constatação de que o processo esteve parado 14 anos no Tribunal de Oeiras. Sobre isto o Governo português “não apresentou nenhuma explicação”, sublinha ainda o TEDH.
O Governo admitiu que a duração do processo “ultrapassou os prazos normais para este tipo de procedimentos”, mas alegou que tal se justificou devido “à complexidade particular do caso“ e pelo facto de terem sido anulados três julgamentos.
A expropriação dos terrenos foi decidida em 1980 pelo secretário de Estado das Obras Públicas. Nos primeiros relatórios apresentados pela Direcção-Geral das Construções Escolares referia-se que os terrenos apenas tinham “uma vocação agrícola”. Já os queixosos argumentam que estes integravam um plano de urbanização acordado, ainda antes do 25 de Abril, entre a Câmara de Oeiras e sociedade imobiliária Habitat, no qual se autorizava uma área de construção de cerca de 78 mil metros quadrados.
No último julgamento, em 2008, o tribunal de Oeiras reconheceu que os terrenos expropriados faziam parte do plano de urbanização contratado com a Habitat, mas subscreveu também as conclusões a que tinham chegado, sete anos antes, os peritos nomeados pelo Estado: escreveram eles que, dado “o tempo decorrido desde a declaração de utilidade pública, não era possível definir com certeza a densidade de construção que estava autorizada” para ali no momento da expropriação. Por isso, era preferível “optar por densidades médias” e, nesta perspectiva, a superfície de construção devia ser fixada, para efeitos de indemnização, em 17.250 metros quadrados.
Com semelhante conclusão, o Tribunal de Oeiras acabou por “sancionar os queixosos pela duração de um processo pela qual estes não podem ser dados como responsáveis”, sentenciou o TEDH. Estado e queixosos têm agora três meses para se pronunciarem sobre a decisão dos juízes de Estrasburgo.
Um projecto das "mil e uma noites"
O projecto de urbanização de Miraflores mereceu, em 1960, títulos em jornais que apresentavam o futuro bairro como a “cidade das mil e uma noites”. Uma exposição inaugurada em Janeiro desse ano dava conta que a nova urbanização iria ocupar 475 mil metros quadrados de terrenos do vale de Algés pertencentes à sociedade imobiliária Habitat, de que era proprietário Joaquin Peña.
O primeiro contrato assinado entre a Câmara de Oeiras para levar por diante a urbanização desta zona data de 1962. Em 1973 foi assinado um novo contrato, que envolveu também o então chamado Instituto da Família e o Fundo de Fomento da Habitação. A história deste projecto, que tinha Gonçalo Ribeiro Telles como responsável pela da arquitectura paisagística, tem sido recordada no blogue A Gazeta de Miraflores. A construção iniciou-se em meados dos anos 60, com o objectivo de captar para aquela localidade cerca de 4500 famílias de classes socialmente favorecidas.
O chamado edifício Compave e os edifícios Orquídeas, na Av. das Túlipas, fazem parte do projecto original, interrompido após o 25 de Abril. Já previsto nos anos 60, o centro comercial só foi terminado em 1990. Segundo o autor do blogue A Gazeta de Miraflores, o que foi construído até hoje é muito mais do que a área residencial prevista no projecto de Joaquin Peña, que apresentava como novidades a existência de zonas verdes junto a todos os blocos, garagens subterrâneas e várias infra-estruturas desportivas, como courts de ténis e piscinas. Também estava prevista a construção de uma “aldeia portuguesa” , que funcionaria como um retrato concentrado da arquitectura e artesanato regional.