Brincar com a comida

Preferimos que sejam estes ou o Costa a dizer-nos (em Novembro) que as coisas afinal estão muito pior do que esperávamos e que afinal a vaselina vai mesmo ter que levar mais duas pazadas de areia?

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Dominic Ebenbichler/Reuters

Batem os quatro anos e os gatos viram-se para nós outra vez, descem os magníficos olhos e os longos bigodes às nossas existências e vemos, com um colectivo tremor espinha acima, aquelas bocas de lábios finos e dentes longos e marmóreos a sorrirem-nos mais uma vez.

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Batem os quatro anos e os gatos viram-se para nós outra vez, descem os magníficos olhos e os longos bigodes às nossas existências e vemos, com um colectivo tremor espinha acima, aquelas bocas de lábios finos e dentes longos e marmóreos a sorrirem-nos mais uma vez.

O mundo rodou e rodou à volta da bola de fogo e lá chegámos novamente à altura em que a nossa participação quase que parece necessária. Os anos a brincarem com as nossas vidas, sem vergonha nem culpa, ufanos a dizer que está tudo bem, que o que nos magoa foi acção meritória, que o que nos destrói por dentro e por fora foi necessário, justificado, no fundo no fundo uma inteligente escolha nossa, apagam-se em dois ou três meses de boas notícias plantadas, estatísticas fajutas e sorrisos para as câmaras. As garras recolhem por momentos e os nossos predadores são por um segundo suaves e benevolentes criaturas sonolentas ao sol, só à espera duma carícia para nos ronronarem reconhecidos. Se for caso disso até o subcomissário rambo de Guimarães leva uma arrochada, só para vermos o quanto eles nos amam, lá no fundo, lá muito no fundo.

Vá, desconcentremo-nos lá do filho doutor a servir às mesas nas ilhas Cayman, da avó na maca no corredor do hospital, do miúdo sem infantário, do fim do fundo de desemprego, da conta da luz, do microondas avariado e do IMI, do carro penhorado (também já não chega o dinheiro para o passe quanto mais para a gasolina), da pensão a ir para as cucuias ou do sorridente Ricardo (ao sol do Estoril) a comprar um par de “golf shoes” com as nossas poupanças, da mulher a chorar baixinho na cama ou do marido a cagar sangue silenciosamente. Esqueçamos lá essas mesquinhices, essas picuinhices das nossas vidinhas pequeninas e insignificantes e concentremo-nos no que realmente interessa, no que tem funda, verdadeira e histórica relevância.

Preferimos que sejam estes ou o Costa a dizer-nos (em Novembro) que as coisas afinal estão muito pior do que esperávamos e que afinal a vaselina vai mesmo ter que levar mais duas pazadas de areia?

E o espantalho que de Belém nos vai dizer que a reserva presidencial o impede de comentar a última escandaleira (depois de prometer regenerar e valorizar e mais não sei o quê a república) tem mesmo de ser alfabetizado ou serve o Rui Rio?

Porque isso é que é importante, isso é que é crucial explicam-nos as fileiras de dentes luzidios que nos sorriem da televisão. A abstenção é que é um pecado muito negro e muito feio, qualquer dia somos piores que a Holanda ou a Dinamarca, que falta de sentido de cidadania! Pior que não irmos largar o boletim de quatro em quatro anos só o facto de preenchermos o intervalo a queixarmo-nos. Mas ainda não percebemos que o modelo é deitar o papelinho e depois atarmos a burra durante uma legislatura, como responsáveis que somos por todas as promessas que os gatos não cumprem?! Vá... se nos meterem a câmara no focinho em dia de greve do metro, podemos mandar vir que os gajos que não fazem nem deixam fazer, mas fiquemos por aí, esse tanto chega.

O que é que havemos nós de fazer? Que mais querem vocês? A europa pelo natal? Ó filhos, os inteligentes que pensem em alternativas que eu tenho mais que fazer, vou mas é ver os “Gigolos” na Sic Radical a ver se aprendo a dar orgasmos múltiplos à Maria...

Que de todo o modo já sei que quando a rataria se virar e comermos o gato, hão-de vir e dizer que somos muito brutos e muito maus e muito feios e não temos modos nenhuns à mesa. Coitadinhos dos gatos, que nesta terra só se castiga o sucesso.