Investigador propõe fim do monopólio dos partidos na escolha de deputados

Defende a introdução do sistema que vigora na Irlanda, Finlândia e Alemanha.

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A Assembleia da República viveu ontem uma sessão morna Rui Gaudêncio

“Um deputado está focado em representar o partido ou os eleitores? O objectivo do deputado é garantir que irá continuar a ser eleito, está focado no partido, em trabalhar para o partido. Se o eleitor passar a intervir nesta escolha, o deputado mudará o seu foco para as questões do eleitorado”, justificou à Lusa Jorge Fernandes, autor do livro “O Parlamento Português”.

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“Um deputado está focado em representar o partido ou os eleitores? O objectivo do deputado é garantir que irá continuar a ser eleito, está focado no partido, em trabalhar para o partido. Se o eleitor passar a intervir nesta escolha, o deputado mudará o seu foco para as questões do eleitorado”, justificou à Lusa Jorge Fernandes, autor do livro “O Parlamento Português”.

No sistema de voto preferencial usado em alguns países como a Irlanda, a Finlândia ou a Alemanha, o boletim de voto inclui a lista de candidatos e o eleitor vota num partido e também no candidato que entende que melhor o pode representar, pelo que os deputados eleitos podem não corresponder à ordem em que figuram na lista partidária.

No ensaio recentemente editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o investigador defende que o sistema eleitoral nacional “poderia melhorar com a introdução de medidas para promover a personalização, isto é, uma estrutura institucional que permita aos cidadãos escolherem os candidatos”.

A introdução do voto preferencial, mantendo-se o mesmo número de deputados na Assembleia da República (230), assim como a fórmula eleitoral de apuramento dos votos, “traria uma vantagem evidente aos eleitores”, defende Jorge Fernandes, doutorado em Ciências Sociais e Políticas no Instituto Universitário Europeu, em Florença, em 2013.

“Se os deputados necessitassem de competir não só pelo voto partidário como também pelo voto pessoal, seriam obrigados a realizar um trabalho muito mais intenso no círculo eleitoral, conhecendo os problemas das várias regiões do país”, afirma.

“Mantendo a proporcionalidade e a estabilidade governativa, o voto preferencial retiraria aos partidos políticos o monopólio da selecção dos deputados, abrindo espaço à intervenção mais próxima dos cidadãos”, diz Jorge Fernandes, lembrando que a confiança dos portugueses na AR tem vindo a decair nos últimos anos. Na última década, segundo o investigador, “a percentagem de cidadãos que afirmam confiar no parlamento caiu de 58%, em 2003, para 13%, em 2013”.

Uma quebra que o autor entende que se deve a “um fenómeno mais vasto de desgaste do sistema político”, com uma desconfiança generalizada não só em relação às instituições nacionais como também às da União Europeia.

A reforma do sistema eleitoral para a AR tem sido tema de debate em alguns partidos, que têm proposto a redução do número de eleitos ou a criação de círculos uninominais (um círculo eleitoral em que é eleito apenas um representante para uma legislatura). O líder do PSD e actual primeiro-ministro Pedro Passos Coelho defendeu na sua moção de candidatura à presidência do partido a diminuição do número de deputados, associada a um sistema de voto preferencial opcional.

Contudo, nas linhas orientadoras para o programa eleitoral, apresentadas esta semana por PSD/CDS-PP nada é referido quanto ao sistema eleitoral da AR. Já o PS promete reformar o sistema eleitoral para a AR “introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adopção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos”, segundo o programa do partido aprovado este sábado em Convenção.