A poesia anda à solta pelas ruas, e noites, de Lisboa
Lisboa, outrora cidade de grandes tertúlias literárias e berço de alguns dos maiores poetas portugueses, é também hoje um local de revivalismo para a arte da palavra dita. São cada vez mais os locais da capital onde se declama poesia.
Por entre poltronas e sofás, a sala compõe-se, progressivamente, com a chegada de mais pessoas. Numa das paredes, a supervisionar, António Variações recebe do alto de seu retrato todos os que aqui chegam. Num ambiente familiar e aconchegado, a luz baixa e o fumo dos cigarros desvendam um espaço onde são sobretudo jovens que aqui acedem no intuito de ouvir e poderem também eles declamar poesia.
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Por entre poltronas e sofás, a sala compõe-se, progressivamente, com a chegada de mais pessoas. Numa das paredes, a supervisionar, António Variações recebe do alto de seu retrato todos os que aqui chegam. Num ambiente familiar e aconchegado, a luz baixa e o fumo dos cigarros desvendam um espaço onde são sobretudo jovens que aqui acedem no intuito de ouvir e poderem também eles declamar poesia.
Miguel Pires, de 26 anos, encontra-se nessa condição. Mais tarde, irá ler poesia da sua autoria em microfone aberto. Considera estas sessões como fundamentais “visto que revelam novas formas de poesia, sem cair na linha dos grandes poetas portugueses. É sentir de maneira diferente e, por essa razão, é algo revitalizador”.
No Primeiro Andar, as sessões de poesia abraçam um mote muito particular. Denominam-se Babel’sCurse e pegam no mito bíblico, em que Deus decidiu confundir os homens da Terra através da multiplicação de diferentes línguas. Assim, cada sessão da Babel’s escolhe poetas de diferentes países do mundo que serão lidos de forma bilingue, ou seja, em Português, através das respectivas traduções, e na língua materna dos poetas, algo que ajuda a que a sala se preencha com pessoas de diferentes nacionalidades.
Teresa Ferreira, de 30 anos, é a proprietária deste espaço e conta que o Primeiro Andar “procura ter sempre novas abordagens em relação à cultura, à arte e à literatura. Para além disso, é fundamental que os portugueses se liguem a novas formas de cultura”.
A organizar este evento, encontra-se Vasco Macedo, de apenas 25 anos. Estudante de Mestrado na Universidade Nova de Lisboa (UNL), Vasco conta que a faculdade lhe permitiu conhecer pessoas que partilhavam estes mesmos interesses. Assim, ele e os amigos começaram por realizar algumas tertúlias de forma privada, sendo que a certa altura acharam “interessante realizá-las de forma mais pública”. Entretanto, Vasco acabaria por se tornar um dos fundadores de uma revista literária denominada Apócrifa – Projecto Literário em Curso (PLEC), algo que contribuiu decisivamente para a criação destes eventos de poesia.
Para além da Babel’s Curse, Vasco organiza também as “Terças de Poesia Clandestina”, que ocorrem neste momento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Iniciadas em Alfama, no Café Central, passaram depois pelo Rossio, no Quintal, antes de chegarem à Avenida de Berna. A partir deste mês, irão novamente mudar-se, desta vez para a galeria Adamastor Studios, situada na Praça dos Restauradores.
As “Terças de Poesia Clandestina” apresentam-se como um evento que “foge às abordagens mais institucionais” e que procura trazer à leitura os novos autores. Através de um formato composto por duas intervenções programadas, existe também espaço para todos aqueles que queiram recitar livremente.
Ainda que algo céptico, Vasco olha com bons olhos para esta tendência crescente de locais onde se declama poesia. “É preciso haver bons eventos de poesia. É importante que as pessoas sejam sérias, sem ser austeras ou conservadoras. Tem de ser bem feito e ter princípios éticos.”
Do Cais do Sodré…
Ao descer pela Baixa, em direcção ao rio, no Cais do Sodré, encontra-se o Bar Povo, onde se organiza todas as segundas-feiras uma sessão para declamar poesia, geralmente acompanhada por alguma música ao vivo. Nestes dias, a noite é inteiramente dedicada à leitura de poesia e o silêncio reflecte na sala o olhar permanentemente atento daqueles que aqui vêm.
Nuno Miguel Guedes começa por apresentar os convidados ao público, numa noite dedicada ao poeta português Al Berto. Nuno Grácio irá acompanhar, com a sua guitarra, as leituras de Alexandre Sarrazola, Diogo Dória, Pedro D’Orey e Teresa Coutinho.
A música que ecoa calmamente no ar contribui para que as leituras captem mais facilmente a atenção do público. Sem que se pare o serviço de jantar, os versos de Al Berto, mas também de Mário Cesariny, despertam um aplauso encantado. Com muita gente em pé, por falta de espaço, o Povo recebe uma assistência eclética.
Sofia Ortolá, de 25 anos, conta que também já declamou poesia e considera que estes eventos “são importantes, porque divulgam uma forma de arte e como tal é também uma forma de sensibilizar as pessoas”. Numa outra ponta da sala, junto ao balcão, encontra-se André Gomes, com 63 anos, que se declara, desde logo, como um adepto de poesia. “Para além do mais somos um país de poetas”, conclui, esboçando um sorriso.
Esta iniciativa denominada Poetas do Povo acontece desde Fevereiro de 2013, dinamizada pela Cultural Trend Lisbon e reúne na mesma sala artistas de diversos quadrantes. Alex Cortez, de 54 anos, antigo membro dos Rádio Macau, organiza o evento. “A poesia interessa-nos e sempre gostámos de realizar e produzir espectáculos relacionados com a palavra viva”. Para além disso, Alex considera “importante que existam e coexistam vários eventos desta natureza, organizados por diferentes pessoas e que, neste momento, praticamente não haja um dia da semana em Lisboa que não tenha um evento de poesia em qualquer lado. Isso é muito bom, para a cultura e é fundamentalmente bom para as pessoas.”
…passando por Alfama…
Seguindo até Alfama, mais precisamente pela Rua dos Remédios, encontram-se dois espaços que também dedicam tempo na agenda para a declamação de poesia. O bar/restaurante Bela organiza, com a colaboração do actor André Gago, uma sessão de poesia nas primeiras terças-feiras de cada mês. Anabela Paiva, de 54 anos, proprietária deste espaço, considera-se uma adepta de longa data de poesia e decidiu criar estes eventos em conformidade “com o público que frequenta esta casa e que gosta de música e de cultura”.
Por outro lado, encontra-se também o bar/restaurante Sagrada Família. Este espaço dedica todas as noites de terça-feira à arte da palavra dita, em colaboração com Tiago Gomes, artista e poeta português. Vanessa Amorim, de 26 anos, gerente da casa, conta que decidiram criar estes eventos visto “que não são assim tão convencionais” e fundamentalmente como uma forma de “dar voz a todos, numa linha condutora que se constrói a cada noite”.
…a caminho de São Bento
Numa outra ponta da capital, perto de São Bento, encontra-se o Bar Atelier Real. Associado ao atelier de dança e artes performativas de João Fiadeiro, este espaço representa “uma forma de não fechar o Real apenas à dança e à performance, abrindo-o também às outras áreas culturais”, sublinha Marta Moreira, gerente deste bar.
Aqui, a poesia ganha protagonismo todas as quintas-feiras de duas em duas semanas, num ambiente sereno e praticamente familiar. Esta iniciativa tem sido desenvolvida pelo poeta português Nuno Moura, de 45 anos, que declama poesia desde meados de 1998, ano em que fundou a sua primeira editora, chamada Mariposa Azual, juntamente com Helena Vieira.
Nuno conta que nesse ano viajou a Barcelona onde ficou a conhecer “um grupo catalão que se chama Accidents Polipoètics” e que liam poesia de uma forma como nunca antes tinha visto na sua vida. “Quando voltámos a Lisboa, vinha com essa ideia, adorava fazer algo assim.” Nesse momento, e aproveitando o lançamento do seu livro Nova Asmática Portuguesa, que foi também o primeiro livro da editora Mariposa Azual, juntou-se com Paulo Condessa e Miguel Granja e começaram “a ensaiar à maneira dos Accidents Polipoètics”.
Na altura acabariam por formar um grupo denominado Colectivo Poético (Co.Po). Depois de uma primeira actuação na Barraca, Miguel Granja acabaria por sair, mas as leituras nunca mais terminaram. “Depois continuámos com o “Copo” já sem o ponto. Continuámos sempre e fizemos, a partir daí, imensas leituras”.
No Bar Real, Nuno Moura convida sempre algum autor com quem irá dividir as leituras. Num pequeno estrado, que serve como palco para a sua performance, os versos são entoados de forma muito interpretativa, onde a musicalidade do poema ressalta ao ouvido mais desprevenido. Para além disso, encara estes eventos como fundamentais na divulgação de novos autores e de novas obras. “Se não lês ao vivo, o livro segue o curso normal, sai das gráficas, nós distribuímos e fica nas livrarias. Daí que seja muito importante apresentar os livros ao vivo, é uma forma de chegar directamente às pessoas.”
Já com bastante experiência na declamação de poesia, Nuno surpreende-se com a quantidade de locais que surgem com este tipo de eventos. “Nunca houve tantos locais com poesia ao vivo. Dantes havia apenas na Barraca e algumas coisas muito esporádicas. Agora é sistemático e isso é fantástico.”
Locais para ouvir poesia em Lisboa
Poetas do Povo (Restaurante/Bar)
Rua Nova do Carvalho, nº32
Periodicidade: Semanal (segundas-feiras)
Bar Primeiro Andar
Rua das Portas de Santo Antão, nº110 (entrada ao cimo da rampa, entre o Coliseu e o Ateneu - porta preta do lado esquerdo)
Periodicidade: Quartas-Feiras (sem dias definidos)
Bar Real
Rua do Poço dos Negros, nº 55, São Bento
Periodicidade: De duas em duas semanas (quintas-feiras)
Sagrada Família (Restaurante/Bar)
Rua dos Remédios, nº 98, Alfama
Periodicidade: Semanal (Terças-Feiras)
Bela – Vinhos e Petiscos
Rua dos Remédios, nº 190, Alfama
Periodicidade: Mensal (Primeira Terça-Feira do mês)
Teatro Passagem de Nível
Pç. José Afonso, 15 E - C. C. Colina do Sol, Lj. 55, Amadora
Periodicidade: Mensal (Ultima Sexta-Feira do mês)
Bar “A Barraca”
Largo de Santos, nº 2
Periodicidade: Semanal (quintas-feiras)
Inda a Noite é uma Criança (Bar)
Praça das Flores, 8, Lisboa
Periodicidade: Semanal (quintas-feiras)
Texto editado por Ana Fernandes