Serrat, que já não tem 20 anos
O regresso de Joan Manuel Serrat satisfez o público que acorreu ao Coliseu de Lisboa na noite de 4 de Junho, mas uma afonia recente do cantor atenuou o efeito que a música proporcionaria
Poderia não ter sido assim, até porque gravações recentes dão conta de que o cantautor catalão mantém, aos 71 anos, ainda uma razoável segurança e amplitude vocal. Mas uma afonia recente, que o levou inclusive a cancelar alguns concertos em finais de Maio, antes da sua apresentação em Portugal, limitou-lhe a voz e obrigou-o a um maior esforço. Um esforço visível, sobretudo, na primeira parte do concerto, que encheu a plateia do Coliseu dos Recreios mas deixou quase deserto o agora chamado balcão, ou seja, as bancadas antes designadas por “geral”. Isso não impediu que o público presente o aplaudisse com frequência, sobretudo quando reconhecia aos primeiros acordes qualquer canção que lhe era mais próxima. Mas impediu que o concerto, que pôs fim a um afastamento de duas décadas de Serrat dos palcos portugueses (a última vez que actuou em Lisboa, por exemplo, foi em Dezembro de 2014, no CCB, por alturas da Lisboa94), fosse a festa que devia ter sido. Serrat é, no entanto, profissionalíssimo, e apesar do concerto parecer a dada altura demasiado arrastado, soube manter o público sempre atento e perto da música que, ali, fez desfilar várias histórias e épocas. Afinal sempre tinham passados 20 anos…
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Poderia não ter sido assim, até porque gravações recentes dão conta de que o cantautor catalão mantém, aos 71 anos, ainda uma razoável segurança e amplitude vocal. Mas uma afonia recente, que o levou inclusive a cancelar alguns concertos em finais de Maio, antes da sua apresentação em Portugal, limitou-lhe a voz e obrigou-o a um maior esforço. Um esforço visível, sobretudo, na primeira parte do concerto, que encheu a plateia do Coliseu dos Recreios mas deixou quase deserto o agora chamado balcão, ou seja, as bancadas antes designadas por “geral”. Isso não impediu que o público presente o aplaudisse com frequência, sobretudo quando reconhecia aos primeiros acordes qualquer canção que lhe era mais próxima. Mas impediu que o concerto, que pôs fim a um afastamento de duas décadas de Serrat dos palcos portugueses (a última vez que actuou em Lisboa, por exemplo, foi em Dezembro de 2014, no CCB, por alturas da Lisboa94), fosse a festa que devia ter sido. Serrat é, no entanto, profissionalíssimo, e apesar do concerto parecer a dada altura demasiado arrastado, soube manter o público sempre atento e perto da música que, ali, fez desfilar várias histórias e épocas. Afinal sempre tinham passados 20 anos…
A noite começou com Serrat ainda de voz velada no remate das frases e sobretudo no vibrato, que parecia exigir-lhe maior esforço. El carrusel del Furo, De vez en cuando la vida e De cartón piedra antecederam Mi niñez e Hoy por tí, manãna por mí, canção composta em parceria com Joaquín Sabina e publicada no álbum assinado pelos dois e intitulado La Orquestra Del Titanic.
Depois veio o momento catalão. Ella em deixa, primeira canção que ele escreveu (e gravou num EP, em 1965), antecedeu Cançó de matinada e Ara que tinc vint anys. E foi a propósito desta que ele contou uma história que já não é nova, mas é deliciosa. O título quer dizer “agora que tenho vinte anos” e a canção foi, desde então, um sucesso. Mas quando Serrat completou 40 anos achou ridículo continuar a cantá-la com o título original. E então mudou-o para Fa vint anys que tinc vint anys, ou seja, “faz vinte anos que tenho vinte anos”. E aos 60, como seria? Ou melhor, como foi. Mudou-o e ficou assim: “Faz vinte anos que eu disse que há vinte anos tinha vinte anos”…
Não foi a única história que contou, contou outras. Como Aznavour, Montand ou Sinatra, Serrat tem o espírito do “entertainer” que sabe o que dizer e como dizer para agarrar o público. Depois de cantar três canções em catalão, seguiram-se, agora em castelhano, Pueblo blanco, Penélope e Niño silvestre, esta antecedida por uma espécie de manifesto actual, alertando para o facto de milhões de crianças no universo serem exploradas das mais diversas formas (sexualmente, como trabalhadores forçados, como soldados, até sacrificadas para extracção de órgãos) e como isto “ocorre no mundo que compartilhamos com elas, mundo esse onde a maior parte são pobres e a maior parte dos pobres são crianças.” Depois disto já ninguém ouviu indiferente tal canção.
Vieram depois Algo personal e, em sequência, a poesia cantada de Antonio Machado (Llanto y coplas) e Miguel Hernandez (Para la libertad). O concerto prosseguiu com No hago otra cosa que pensar en tí, a muito popular Mediterráneo, o eloquente Romance de “Curro El Palmo” e um trio de canções que o aproximou ainda mais do público: Tu nombre me sabe a yerba, Aquellas pequeñas cosas e Hoy puede ser um grand día.
Findo o concerto, houve ainda lugar a dois bis. O primeiro com Lucía e Cantares, canção composta por três estrofes de Serrat e outras três do poeta Antonio Machado e que cita a célebre frase “Caminante no hay caminho, se hace caminho al andar.” O segundo trouxe Poema de amor e Bienaventurados, a fechar. No total foram 24 canções, 16 das quais retomadas do quádruplo álbum Antología Desordenada, que serve de base a estes concertos. As outras foram escolhidas ao gosto de Serrat, que ao contrário da sua voz (esta para azar dele e nosso), não sofreu nestes 50 anos de carreira qualquer afonia.