Avó Patti Smith emociona no primeiro dia do Nos Primavera Sound
Emocional, Patti Smith, vibrantes, os Caribou, alienígena, FKA Twigs, e eficientes, os Interpol. Eis os destaques da primeira noite de Nos Primavera Sound que começou esta quinta-feira na cidade do Porto.
Não espanta que, na primeira de duas aparições no Nos Primavera Sound (esta sexta interpretará na íntegra com a banda o primeiro álbum, Horses, de 1975), o público a tenha recebido com devoção.
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Não espanta que, na primeira de duas aparições no Nos Primavera Sound (esta sexta interpretará na íntegra com a banda o primeiro álbum, Horses, de 1975), o público a tenha recebido com devoção.
A maior parte – nós inclusive – esperava uma sessão intimista e solene, com ela, só, em formato acústico entregue à palavra falada. Os lugares sentados – pela primeira vez no festival – reforçavam essa ideia. Mas logo ao primeiro tema percebeu-se que não iria ser assim.
Surgiu acompanhada pelos três músicos e abriu com dois temas, com destaque para Dancing barefoot, que colocaram de imediato toda a gente em polvorosa, com os seguranças a desistirem de alinhar o público – que se levantou de imediato das cadeiras de plástico – ou de chamar a atenção para não serem tiradas fotos a partir da plateia.
Foi uma demonstração de enorme vitalidade aquela que Patti Smith deixou na sua primeira vez no Porto. A magnífica voz mantém-se inalterável, é servida por um naipe de excelentes músicos (com destaque para o guitarrista Lenny Kaye e para o baixista Tony Shananan) e a sua atitude é inquieta, mas também esperançosa.
Há três anos, em conversa com ela, já depois de ter ganho o National Book Award pelo livro Apenas Miúdos, dizia-nos que, apesar do mundo conturbado de hoje, sentia-se feliz, revelando que ainda vislumbrava preconceitos por ser oriunda do rock, mas hoje, da literatura às artes, ou no activismo político, é um modelo a seguir.
E isso emana para a assistência. Não é apenas a música e poesia. Nunca foi. Mas hoje o seu carisma parece mais pertinente do que nunca, mostrando-se uma voz reflexiva em relação ao que a rodeia, sem deixar de evidenciar que as transformações colectivas não são indissociáveis das individuais. E essa força sente-se em palco.
Ao longo de uma hora a empatia com a assistência foi total. Não foram precisas muitas palavras. Mais do que uma voz de consciência sociopolítica o que se viu foi uma Patti Smith que acredita no poder da música para unir as pessoas, comunicando com elas de forma graciosa. Às tantas disse que já era avó e fez uma dedicatória a um dos netos e, num noutro momento, evocou o matemático John Nash, recentemente falecido. Mas a poesia falada fica para outro dia.
O que se viu foi acima de tudo a uma demonstração de nervo com a americana a cantar – e a gritar, uivar e a dançar – com uma presença em palco magnetizante, colocando toda a gente a cantar com ela na interpretação de Banga, Because the night e, claro, People have the power. No final viam-se muitas lágrimas. Arrebatador, sim.
A única estreia
Depois da catarse Patti Smith, um mergulho no universo futuristicamente lascivo de FKA Twigs poderia ser difícil, mas não. Deu para perceber que a inglesa, a única estreia em Portugal da noite, já tem aqui admiradores a sério. Nas primeiras filas sabia-se as canções de cor e a cada movimento ouviam-se gritos de satisfação.
O que é curioso nela é que, na teoria, dir-se-ia estar a léguas de poder conquistar grandes plateias. A sua música não é fácil, um composto electrónico retorcido, industrializado, meio-máquina-meio-mulher, e ao vivo também não corresponde ao lugar-comum da música para festivais, esse cliché que toda a gente repete e ninguém sabe o que é.
Vimo-la há pouco tempo numa sala e, coreograficamente, o que se viu no Porto ficou aquém, até porque se apresentou sem bailarinos, mas em tudo o resto foi um excelente espectáculo. No centro do mercado pop, onde ela se movimenta, não existe quem arrisque tanto neste momento, transpondo para palco – com a ajuda de três músicos, em efeitos electrónicos, percussões ou baixo – uma música obsessiva.
As canções dos seus dois EPs e do álbum LP1 são reconhecíveis, embora exista sempre um rumor que parece vindo do centro da terra que institui um ambiente de alguma estranheza. A voz sensual, o clima de mistério, a movimentação em palco teatralizada, os baixos subsónicos e as batidas lentas e claustrofóbicas de temas como Two weeks ou Papi pacify, marcaram uma prestação onde os convertidos se satisfizeram e novos admiradores nasceram.
Caribou energéticos
O efeito de surpresa que FKA Twigs alcança é algo que os americanos Interpol já não provocam. Pelo contrário, no seu caso, os seus concertos de hoje jogam-se no efeito de reconhecimento. Não espanta que seja quando tocam as canções mais antigas – em particular do seu primeiro álbum, o excelente Turn On The Bright Lights, de 2002 – que acabam por conquistar a multidão que têm em frente.
O ano passado, no festival Nos Alive, tinham sido uma desilusão. Agora foram bem mais revitalizantes, embora a impetuosidade romântica dos primórdios, alicerçada numa música rock inspirada no pós-punk, se tenha perdido pelo caminho, sem que se vislumbre no imediato um caminho alternativo. O que há, por enquanto, é uma voz intensa, uma guitarra serpenteante e a eficácia das canções do passado, o que dá para um concerto pragmático, mas não brilhante.
Essa energia que os Interpol parecem ter perdido, têm-na os canadianos Caribou de Dan Snaith a rodos. Com um magnífico jogo de luzes e com os quatro músicos próximos entre si, destacando-se os teclados e as duas baterias dispostas em frente uma da outra, arrancaram um concerto electrizante, alicerçado em temas do último álbum Our Love (2014), mas também no anterior Swim (2010).
Quem já os tinha visto anteriormente sabia ao que ia. Uma máquina trepidante de ritmo, com qualquer coisa de hipnótico e psicadélico, mas que, principalmente com o último álbum, também abre espaço para as vozes se evidenciarem em canções de pendor mais clássico.
Eram quase três da manhã quando terminaram, mas mesmo assim o público exigiu o seu regresso, já depois de se terem despedido com a exuberante Can’t do without you, camadas de ritmo, voz, dissonância e melodia dispostas horizontalmente, até ao infinito.
Muitas horas antes, pelas 17h, o português Bruno Pernadas e o seu colectivo (nove músicos em palco) haviam sido os primeiros a entrar em acção, com a sua música pop caleidoscópica, de contornos jazzísticos, a revelar-se uma escolha acertada para receber o público. Houve até tempo para mostrarem um tema novo, Galaxy, longa digressão jazzística, e territórios adjacentes, que fazem prever novos desenvolvimentos criativos depois do álbum inaugural de 2014.
No primeiro dia apenas funcionaram três palcos – actuaram também Mac DeMarco, à mesma hora de Patti Smith, ou os Juan Maclean – prevendo-se que, esta sexta e sábado, as escolhas sejam mais difíceis de realizar, com quatro palcos a funcionar em simultâneo. Antony, Spiritualized, Belle & Sebastian ou Jungle são alguns dos destaques.
No resto, quase tudo na mesma, o que é um bom sinal, com um excelente ambiente multinacional e uma assistência que deverá ter rondado as 27 mil pessoas que a organização previa. A maior novidade acaba por ser a nova localização lateral da zona de convidados, permitindo que o vale em frente ao palco principal respire ainda mais. Uma boa ideia. Até porque hoje se prevê uma enchente lá pelas 19h quando Patti Smith regressar ao Parque da Cidade para tocar na íntegra o álbum que gravou há 40 anos.
Texto actualizado às 11h16 com os restantes concertos da noite