Clima de “medo” na administração pública atrasa atribuição dos vistos gold

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem novo manual de procedimentos para os vistos que só pode ser consultado em sala fechada.

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O interesse dos investidores estrangeiros na Avenida da Liberdade já não está só nas lojas de luxo, mas também na reabilitação residencial Dário Cruz

Há maior lentidão, maior burocracia e uma atitude de receio que faz com que “até tirar uma simples dúvida” seja missão impossível junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de algumas secretarias de Estado ou mesmo da AICEP, sublinhou o sócio da Garrigues responsável pelo departamento de Imobiliário e Urbanismo.

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Há maior lentidão, maior burocracia e uma atitude de receio que faz com que “até tirar uma simples dúvida” seja missão impossível junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de algumas secretarias de Estado ou mesmo da AICEP, sublinhou o sócio da Garrigues responsável pelo departamento de Imobiliário e Urbanismo.

Como exemplo das dificuldades que se sentem actualmente na obtenção destas autorizações de residência desde o início das investigações por suspeitas de crimes como corrupção passiva e activa e abuso de poder, referiu a criação de um novo manual de boas práticas para o procedimento de atribuição dos vistos. “É uma boa iniciativa porque vem tornar os procedimentos mais objectivos”, mas só pode ser consultado nas instalações do SEF, numa sala fechada com uma câmara, e sem telemóvel por perto. E o próximo agendamento para consulta já só está disponível para o início de Agosto.

“Pelos disparates de algumas pessoas, tivemos problemas que afectaram 0,5%, ou menos, dos vistos atribuídos”, mas, por causa disso, “um regime que funcionava e que foi um claro incentivo ao investimento em Portugal está a ser penalizado”, disse Miguel Marques dos Santos, a propósito das investigações em curso. O advogado referiu o exemplo de um cliente chinês que está neste momento a equacionar um investimento imobiliário de 50 milhões de euros, perante as demoras num processo que antes tardava três a quatro semanas e, agora, pode durar seis meses.

De acordo com as estatísticas disponibilizadas na página de Internet do SEF, até 30 de Abril de 2015 tinham sido atribuídos 356 vistos. Ao longo de 2014, foram atribuídos 1526. Segundo Marques dos Santos, os vistos gold representam “um potencial de 500 a 600 milhões de euros de investimento por ano”.

“É preciso que a Administração Pública se descontraia e retome o que estava a fazer bem”, disse o advogado, que falava na apresentação da segunda edição do guia de investimento imobiliário para estrangeiros em Portugal (The Property Handbook), uma iniciativa conjunta da Garrigues e da CBRE Portugal (que "partilham" diversos clientes estrangeiros), que agrega toda a informação necessária para investir no mercado português. Um mercado que atravessa um período de crescimento, muito diferente do ponto em que estava quando o primeiro guia saiu, em 2012, ano de “marasmo completo”.

De lá para cá, o que mudou? Em primeiro lugar, a imagem do país, “que se alterou radicalmente”, garantiu o director-geral da CBRE Portugal, Francisco Horta e Costa. O regresso do país aos mercados financeiros e o crescimento da economia colocaram Portugal no mapa, num momento de grande liquidez dos investidores internacionais, que vêem no mercado português, e em particular em Lisboa, uma oportunidade de conseguir rentabilidades estáveis, em activos de qualidade com preços muito inferiores aos de outras capitais europeias. “Em Lisboa temos óptima matéria-prima, óptima qualidade de vida e uma grande diversidade de bairros e recantos que é valorizada pelos estrangeiros”, explicou Francisco Horta e Costa.

Surto de reabilitação
A revisão da lei do arrendamento, que permitiu desbloquear a lei da reabilitação urbana ao acabar com as rendas baixas em edifícios a precisar de intervenção e restauro, somada à criação dos vistos gold e do regime fiscal para residentes não habituais, contribuiu para o actual “surto de reabilitação” para projectos residenciais e hotéis em Lisboa e no Porto, disse o responsável.

De acordo com os dados da CBRE, em 2014, o desenvolvimento de projectos de reabilitação urbana e turísticos nas duas principais cidades do país totalizou 200 milhões de euros e a expectativa é que duplique em 2015, graças essencialmente aos investidores chineses, brasileiros, ingleses, norte-americanos, do Médio Oriente e holandeses. Em Lisboa, o filet mignon está na Avenida da Liberdade, onde o metro quadrado pode chegar aos três mil euros, mas a baixa da capital e a Duque de Loulé são outras áreas que já entraram nos radares destes investidores.

Já os investimentos em projectos de imobiliário comercial, onde estão particularmente activos os fundos norte-americanos (que representaram 57% do investimento no ano passado), poderão superar este ano a barreira dos mil milhões de euros (no início de Junho os valores rondavam já os 800 milhões, quase tanto como o total de 2014). Um montante que, ainda assim, fica abaixo dos 1,4 mil milhões de euros de 2007, ano de pico do sector imobiliário, que antecedeu a crise financeira de 2008.

De lá para cá mudou a origem dos investidores (caiu o peso de portugueses e britânicos, por exemplo), mas mudaram também as características dos investimentos: se agora a maioria é estrangeira (com destaque para os EUA, Ásia e América Latina), pelo menos 30% a 40% dos projectos são asseguradas por capitais próprios (quando antes eram assegurados exclusivamente por financiamentos bancários), o que faz com que “os investidores tenham outro tipo de responsabilidade”.

Vêm para cá “com a certeza de que os produtos são vendáveis” e têm “planos de negócio realistas”. Ou seja, se antes se investia e “depois logo se via se os compradores apareciam”, hoje, as premissas são outras.

“Isto leva-me a crer que não estamos perante uma bolha, mas uma nova realidade”, diz Francisco Horta e Costa. Por isso, apesar de considerar que o momento é de “optimismo com cautela”, e de reconhecer que Portugal está na moda e que isso é algo que não vai durar para sempre, garante que o mercado português tem “grande potencial” e assim deverá continuar por muitos anos. E porque não há dúvidas das origens de alguns dos principais investidores, adianta que o novo guia será disponibilizado em breve em mandarim no site da CBRE.