“Deixarmo-nos levar pelo gosto dos outros é caminho certo para o fracasso”
Joan Manuel Serrat estreou-se como cantor há 50 anos e a digressão que celebra esse feito passa pelo Coliseu de Lisboa, esta quinta-feira, pelas 21h30.
“Esse título resume um pouco o espírito deste trabalho. São 50 canções para celebrar 50 anos e na verdade, sempre que alguém escolhe está a fazer uma antologia. Esta minha escolha não obedece a nenhuma ordem ou sentido, nem temporal nem de qualquer outro tipo. Creio que merecem uma desordem, estas canções, porque eu não quis fazer uma colectânea de coisas já gravadas, preferi gravar de novo todas as canções que me pareceram precisar de ser regravadas, sobretudo por questões de arranjos e sobretudo de voz. São canções de outros tempos gravadas com a minha voz de hoje, com os sons de hoje. E não podia haver nenhum tipo de ordem para elas.”
Mas se canções de Antología Desordenada foram, na esmagadora maioria, regravadas, há onze que transitaram de outros discos tal como foram gravadas. Uma é Cremant núvols, uma belíssima canção do seu disco Mô (2006), gravado exclusivamente em catalão. Mas as restantes são sobretudo duetos e parcerias: com Noa, Miguel Ríos, Ana Belén, Victor Manuel, Carlos Nuñez, Soledad Giménez ou Mercedes Sosa (1935-2009), entretanto desaparecida. “Com Mercedes Sosa, regravar seria impossível”, ironiza Serrat. “Mas com Noa [em Es caprichoso el azar], o resultado seria igual. Por isso não teria muito sentido regravá-la. Quando quis regravar canções, agora, foi no sentido de melhorá-las. Neste caso corria o risco de prejudicá-las em vez de as melhorar.”
A começar nas escolhas, o que o move aqui, como habitualmente, foi o seu gosto pessoal. “O trabalho de um artista é movido sempre pelo seu gosto pessoal”, diz Serrat. “Quem não o faz, equivoca-se. Porque deixarmo-nos levar pelo gosto dos outros é caminho certo para o fracasso.”
Como um barco na água
Editado a 4 de Novembro de 2014, o quádruplo álbum Antología Desordenada pôs em marcha uma digressão mundial de Serrat com mais de uma centena de concertos. Começou em Espanha e prosseguiu pela América do Sul: finas de Fevereiro no Uruguai, Março e Abril na Argentina e no Chile, Maio e Junho pela Europa e depois estará em muitos outros palcos até Novembro. Para Serrat é um prazer ou quase um dever fazer isto? Ele não hesita na resposta. “Não é um dever, não, pelo contrário. Eu divirto-me muito a fazer isto. E desfruto muito muito mais agora, porque os prazos são cada vez mais curtos e cada concerto é para mim muito importante, mesmo que de manhã esteja em Paris e no dia seguinte num lugar mais humilde. E divirto-me o mais que posso, porque não creio que seja possível ter esta profissão sem nos divertimos com ela.”
Trabalhar num novo disco, coisa que está nos seus horizontes, vai ter de esperar. “Gostaria, mas de momento este é tão intenso que estou a deixar-me levar. Um pouco como um barco na água. Não quero ter a angústia de pensar num novo projecto quando este ainda me absorve tanto.” Compor é também algo que não o ocupa muito durante as digressões. “Preocupo-me mais em recolher histórias do que desenvolvê-las. Mas quando estou em casa, escondido para que a minha mulher pense que não estou [dá uma gargalhada], aí sim, escrevo. E divirto-me muito a escrever.”
Combustão permanente
Reflectindo sobre a situação da música em Espanha, Serrat diz: “Não é muito diferente da que penso existir em Portugal e noutros países da Europa. Há muita oferta e pouca informação. Nos escaparates há bastantes artigos, mas falta muita gente que faz música muito interessante. O mundo da informática e da internet abre caminhos novos, mas há nomes que é preciso procurar muito para encontrar. Ainda hoje me espanta que, num mesmo dia, em Singapura, Estocolmo ou Lisboa seja número 1 a mesma canção.” Influência da indústria e meios de comunicação. “Há gente muitíssimo interessante que se não tem nenhum eco dos seus primeiros trabalhos acaba por ficar desanimada, por muito jovem e muito entusiasta que seja. Se não os condenam ao silêncio, não lhes dão a difusão merecida. Porque tudo o que não se ouve é como se não existisse.”
No seu caso particular, olhando para trás e para o presente, conclui: “Penso que tive a sorte de viver momentos importantes, pessoalmente e como cidadão. Da ditadura à democracia, vi em várias etapas como os sonhos se iam desvanecendo e era necessário reinventá-los. Ou como na música latina em geral é cada vez mais difícil conquistar espaço a outros idiomas, e isso sucede com a música portuguesa, espanhola, italiana, que antes conviviam com muita comodidade. Vi erguerem-se ditaduras, e isso foi triste, mas também as vi cair. A vida é isto, uma combustão permanente. Mas tenho-me sentido bem com o meu trabalho, fazendo companhia ao tempo.”
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“Esse título resume um pouco o espírito deste trabalho. São 50 canções para celebrar 50 anos e na verdade, sempre que alguém escolhe está a fazer uma antologia. Esta minha escolha não obedece a nenhuma ordem ou sentido, nem temporal nem de qualquer outro tipo. Creio que merecem uma desordem, estas canções, porque eu não quis fazer uma colectânea de coisas já gravadas, preferi gravar de novo todas as canções que me pareceram precisar de ser regravadas, sobretudo por questões de arranjos e sobretudo de voz. São canções de outros tempos gravadas com a minha voz de hoje, com os sons de hoje. E não podia haver nenhum tipo de ordem para elas.”
Mas se canções de Antología Desordenada foram, na esmagadora maioria, regravadas, há onze que transitaram de outros discos tal como foram gravadas. Uma é Cremant núvols, uma belíssima canção do seu disco Mô (2006), gravado exclusivamente em catalão. Mas as restantes são sobretudo duetos e parcerias: com Noa, Miguel Ríos, Ana Belén, Victor Manuel, Carlos Nuñez, Soledad Giménez ou Mercedes Sosa (1935-2009), entretanto desaparecida. “Com Mercedes Sosa, regravar seria impossível”, ironiza Serrat. “Mas com Noa [em Es caprichoso el azar], o resultado seria igual. Por isso não teria muito sentido regravá-la. Quando quis regravar canções, agora, foi no sentido de melhorá-las. Neste caso corria o risco de prejudicá-las em vez de as melhorar.”
A começar nas escolhas, o que o move aqui, como habitualmente, foi o seu gosto pessoal. “O trabalho de um artista é movido sempre pelo seu gosto pessoal”, diz Serrat. “Quem não o faz, equivoca-se. Porque deixarmo-nos levar pelo gosto dos outros é caminho certo para o fracasso.”
Como um barco na água
Editado a 4 de Novembro de 2014, o quádruplo álbum Antología Desordenada pôs em marcha uma digressão mundial de Serrat com mais de uma centena de concertos. Começou em Espanha e prosseguiu pela América do Sul: finas de Fevereiro no Uruguai, Março e Abril na Argentina e no Chile, Maio e Junho pela Europa e depois estará em muitos outros palcos até Novembro. Para Serrat é um prazer ou quase um dever fazer isto? Ele não hesita na resposta. “Não é um dever, não, pelo contrário. Eu divirto-me muito a fazer isto. E desfruto muito muito mais agora, porque os prazos são cada vez mais curtos e cada concerto é para mim muito importante, mesmo que de manhã esteja em Paris e no dia seguinte num lugar mais humilde. E divirto-me o mais que posso, porque não creio que seja possível ter esta profissão sem nos divertimos com ela.”
Trabalhar num novo disco, coisa que está nos seus horizontes, vai ter de esperar. “Gostaria, mas de momento este é tão intenso que estou a deixar-me levar. Um pouco como um barco na água. Não quero ter a angústia de pensar num novo projecto quando este ainda me absorve tanto.” Compor é também algo que não o ocupa muito durante as digressões. “Preocupo-me mais em recolher histórias do que desenvolvê-las. Mas quando estou em casa, escondido para que a minha mulher pense que não estou [dá uma gargalhada], aí sim, escrevo. E divirto-me muito a escrever.”
Combustão permanente
Reflectindo sobre a situação da música em Espanha, Serrat diz: “Não é muito diferente da que penso existir em Portugal e noutros países da Europa. Há muita oferta e pouca informação. Nos escaparates há bastantes artigos, mas falta muita gente que faz música muito interessante. O mundo da informática e da internet abre caminhos novos, mas há nomes que é preciso procurar muito para encontrar. Ainda hoje me espanta que, num mesmo dia, em Singapura, Estocolmo ou Lisboa seja número 1 a mesma canção.” Influência da indústria e meios de comunicação. “Há gente muitíssimo interessante que se não tem nenhum eco dos seus primeiros trabalhos acaba por ficar desanimada, por muito jovem e muito entusiasta que seja. Se não os condenam ao silêncio, não lhes dão a difusão merecida. Porque tudo o que não se ouve é como se não existisse.”
No seu caso particular, olhando para trás e para o presente, conclui: “Penso que tive a sorte de viver momentos importantes, pessoalmente e como cidadão. Da ditadura à democracia, vi em várias etapas como os sonhos se iam desvanecendo e era necessário reinventá-los. Ou como na música latina em geral é cada vez mais difícil conquistar espaço a outros idiomas, e isso sucede com a música portuguesa, espanhola, italiana, que antes conviviam com muita comodidade. Vi erguerem-se ditaduras, e isso foi triste, mas também as vi cair. A vida é isto, uma combustão permanente. Mas tenho-me sentido bem com o meu trabalho, fazendo companhia ao tempo.”