Fóssil de ave com longas penas coloridas descoberto pela primeira vez no Brasil
O fóssil muito bem conservado de uma pequena ave hoje extinta que data do Cretácico Inferior, a Idade de Ouro dos dinossauros, permite perceber melhor a evolução das penas das aves.
Algures no Nordeste do actual Brasil (que na altura fazia parte do Gonduana) vivia uma pequena ave, hoje extinta, com dentes e grandes olhos, do tamanho de um colibri e que se destacava sobretudo pelas suas longas e coloridas penas caudais.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Algures no Nordeste do actual Brasil (que na altura fazia parte do Gonduana) vivia uma pequena ave, hoje extinta, com dentes e grandes olhos, do tamanho de um colibri e que se destacava sobretudo pelas suas longas e coloridas penas caudais.
Esta é a principal conclusão do estudo do primeiro fóssil inteiro de ave, extremamente bem conservado, a ser descoberto naquela altura, naquela região. Os resultados, obtidos por investigadores brasileiros e argentinos, foram publicados esta terça-feira na revista Nature Communications.
Até aqui, a maior parte dos fósseis de aves do Cretácico Inferior, antepassadas das aves modernas, tinham sido encontradas na China – e algumas na Mongólia e até em Espanha –, explica em comunicado aquela revista. Isso faz aliás dizer aos autores, no início do seu artigo, que “actualmente estes fósseis constituem a melhor fonte de informação que temos para perceber as primeiras etapas da evolução das penas das aves”.
Mas acontece que as penas caudais em forma de “fitas”, semelhantes às do novo fóssil, apenas tinham podido ser observadas em espécimes, por assim dizer, bidimensionais – isto é, “espalmados” à superfície de lajes.
Foi isso o que mudou com a nova descoberta: o fóssil originário da América do Sul agora estudado por Ismar de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernando Novas, do Museu Argentino de Ciências Naturais, e respectivos colegas estava incluído numa laje que, ao abrir-se em duas partes, revelou todo o animal em 3D, com as suas características anatómicas a surgirem da rocha em baixo-relevo. E completo com o seu conjunto de penas.
Diga-se que o fóssil, do grupo dos Enantiornithes (aves com dentes e garras nas asas), mas de género e espécie indeterminados, foi descoberto no estado brasileiro do Ceará, na chamada Formação Crato – “um dos mais bem conhecidos ecossistemas terrestres do Cretácico Inferior”, escrevem ainda os autores no seu artigo.
“Já foram descobertos milhares de fósseis nesta formação da Bacia do Araripe”, do Nordeste do Brasil, diz Ismar de Souza Carvalho, entrevistado pela Nature Communications: peixes, pterossauros (répteis voadores), insectos. “Mas numa rocha muito especial, descobrimos uma pequena ave voadora com 115 milhões de anos". Ou seja, do Cretácico Inferior.
Com base no estado de desenvolvimento ósseo do animal fossilizado, os cientistas afirmam que a ave não era ainda adulta quando morreu.
“No fóssil vêm-se ossos, dentes e penas”, explica por seu lado Fernando Novas. “A ave era muito pequenina, do tamanho de um colibri, mas tinha olhos grandes e penas muito compridas na região da cauda. Trata-se de uma das aves fósseis mais antigas da América do Sul.”
Seja como for, este fóssil permitiu analisar, com um nível de pormenor sem precedentes, a estrutura e a função das penas das aves pré-históricas. “O esqueleto está coberto de penas filamentosas”, lê-se ainda no artigo, “incluindo cerca de dez rémiges (penas de voo) ancoradas no antebraço.” Quanto às duas longas penas caudais, que “são cerca de 30% mais compridas do que o esqueleto”, assemelham-se a fitas rígidas (formadas pelo ráquis ou haste central da pena) e têm barbas (ramificações que formam a pena propriamente dita) a nascer perto da sua extremidade.
Mas isso não era tudo o que o fóssil tinha para contar: os cientistas observaram ainda que, na parte mais próxima do corpo da ave, as hastes das penas apresentavam séries de cinco pontinhos escuros. E na sua opinião, trata-se de vestígios de padrões de cor.
As penas caudais “parecem ter formado uma estrutura dupla rígida, com barbas simétricas na ponta que (…) eram igualmente rígidas”, explicam ainda. “Ora, esta morfologia não está optimizada do ponto de vista aerodinâmico.”
E acrescentam ainda que a mobilidade deste par de penas era provavelmente restrita e que não terá sido possível abrirem-se “em leque” como nas aves actuais que possuem penas caudais. Por outro lado, essas penas também não parecem ter servido para equilibrar a ave, salientam. Qual terá sido então a função das longas penas, que ao que tudo indica eram portanto coloridas?
É uma pergunta difícil, respondem os autores, uma vez que hoje em dia nenhuma espécie de ave moderna apresenta penas com esta morfologia. “Eram provavelmente importantes para a identificação dos indivíduos da espécie”, frisa Fernando Novas, “dos filhos com os pais, dos machos com as fêmeas”. E para atrair parceiros sexuais.