De escuteiro a fundador da "Amazon das drogas" e condenado a prisão perpétua

Ross Ulbricht, 31 anos, criou o Silk Road, uma loja online que permitia a venda de drogas e outros produtos ilegais. A juíza quis fazer dele um exemplo e foi implacável: prisão perpétua sem liberdade condicional.

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Segundo a acusação, Ulbricht acumulou uma fortuna de cerca de 18 milhões de euros Lyn Ulbricht via Reuters

Em vez de livros novos ou telemóveis usados, quem entrava no Silk Road ia à procura de duas coisas, acima de tudo: anonimato e drogas. Muitas drogas. Cannabis e heroína. LSD e ecstasy. Mas também medicamentos que se vendem nas farmácias; garrafas de Krating Daeng – a forte bebida energética tailandesa que deu origem ao mais diluído Red Bull ocidental –; ou documentos de identificação falsos.

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Em vez de livros novos ou telemóveis usados, quem entrava no Silk Road ia à procura de duas coisas, acima de tudo: anonimato e drogas. Muitas drogas. Cannabis e heroína. LSD e ecstasy. Mas também medicamentos que se vendem nas farmácias; garrafas de Krating Daeng – a forte bebida energética tailandesa que deu origem ao mais diluído Red Bull ocidental –; ou documentos de identificação falsos.

Durante três anos, o anonimato da operação e o aumento do volume de negócios no Silk Road renderam a Ross Ulbricht mais de 18 milhões de euros – a soma das partes que lhe cabiam por cada transacção feita entre compradores e vendedores, sempre pagas com a moeda virtual bitcoin, que não envolve bancos nem cartões de crédito.

Mas o obscuro mini-império de Ulbricht desmoronou-se em finais de 2013, quando foi detido por agentes do FBI numa biblioteca pública em São Francisco, no estado da Califórnia, em flagrante delito: estava a teclar no seu computador portátil e ligado à área de administração do Silk Road com o nome de utilizador Dread Pirate Roberts – nome do mítico e impiedoso pirata do livro The Princess Bride, escrito pelo norte-americano William Goldman.

Acusado de ser líder de uma organização criminosa – uma acusação geralmente reservada aos chefes da máfia –, e de seis outros crimes, Ulbricht foi condenado na sexta-feira a uma pena invulgarmente pesada: prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

De acordo com a lei norte-americana, a juíza Katharine B. Forrest não podia sentenciar Ross Ulbricht a menos de 20 anos de prisão, mas o criador do Silk Road já esperava pior, depois de a acusação ter pedido uma pena "substancialmente superior ao mínimo obrigatório". O que poucos esperavam, incluindo Ulbricht, era que a juíza quisesse fazer dele um exemplo, condenando-o à pena máxima que a lei permitia.

"O que você fez não tem precedentes. E, sendo a primeira pessoa a ultrapassar essa linha, senta-se neste tribunal como réu e tem de suportar as consequências desse facto", declarou Katharine B. Forrest, antes de proferir a sentença, que será alvo de recurso.

De escuteiro e bem-sucedido aluno universitário, Ross Ulbricht transformou-se no “chefe de uma organização digital de tráfico de droga que operava em todo o mundo”, segundo a acusação.

"Uma experiência"
A juíza sublinhou esse papel quando se dirigiu a Ulbricht na sala de audiências: "Não pode haver dúvidas de que ninguém está acima da lei, independentemente da sua instrução e dos seus privilégios. Todos são iguais perante a lei. Não pode haver dúvidas de que ninguém pode gerir uma enorme organização criminosa, e que essa actividade possa ser minimizada só porque existe apenas na Internet", disse Katharine B. Forrest. Admitiu no entanto que o criador do Silk Road "não encaixa no típico perfil de criminoso".

Foi nessa aparente disparidade entre o perfil de rapaz bem integrado e instruído, e o rótulo de perigoso criminoso internacional, que a defesa apostou para tentar convencer a juíza de que Ulbricht nunca pensou em criar uma organização criminosa – o Silk Road foi uma "experiência na área da economia", um "mercado sem interferência do Estado, aberto a todas as oportunidades".

Numa carta enviada à juíza no início da semana, Ulbricht mostrou-se arrependido e pediu clemência, argumentando que o tempo que já tinha passado na cadeia foi suficiente para "reflectir" sobre as suas "acções": "A ideia do Silk Road era dar às pessoas a liberdade para fazerem as suas próprias escolhas, para alcançarem a sua felicidade. Em vez disso, transformou-se num caminho conveniente para satisfazerem a dependência de drogas. Não defendo nem nunca defendi o uso excessivo de drogas. Com o Silk Road aprendi que quando damos liberdade às pessoas, nunca sabemos o que vão fazer com ela", escreveu Ross, ele que era conhecido pelos seus ideais libertários.

Em tribunal ficou provado que Ulbricht ganhou milhões com uma loja online que permitia a venda de drogas ilegais, e que pelo menos seis pessoas morreram após terem consumido drogas compradas no Silk Road. Mas a dureza da sentença deixou os seus apoiantes em estado de choque, e a sua mãe, Lyn, perdida numa floresta negra em busca do filho que conhecia: "Eu sei que se o Ross saísse da prisão amanhã, as autoridades nunca mais ouviriam falar dele. O Ross não é uma ameaça maior para a sociedade do que eu."