David Torn was here
Dois novos álbuns tocados pelo génio musical de um dos grandes alquimistas musicais da actualidade.
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Ao gravar o terceiro álbum do seu projecto Snakeoil para a germânica ECM, o saxofonista e compositor Tim Berne recorre de novo a David Torn como produtor. E percebe-se porquê. Se no álbum homónimo de estreia e em Shadow Man, segundo registo do grupo, Berne operava com um quarteto, destilando algum do mais complexo e denso jazz de câmara deste novo século, aqui optou por adicionar um quinto elemento ao grupo, tornando cruciais a espacialidade e clareza da música tocada. Ainda mais, tratando-se de uma guitarra que oscila entre o atmosférico, a música concreta, e ocasionais riffs de quase-metal. Assim, ao anterior quarteto que contava com Oscar Noriega nos clarinetes, Matt Mitchell no piano e Ches Smith na bateria e percussão, junta-se agora em You’ve Been Watching Me o guitarrista Ryan Ferreira, compondo um quinteto que funciona como uma bem oleada máquina de execução do universo composicional de Berne. O equilíbrio que identificámos no anterior Shadow Man, entre o cerebral e visceral, surge agora um pouco alterado com a inclusão deste quinto elemento. Fica a ganhar o fôlego composicional de Berne, que conquista uma nova e importante voz para o denso tecido que compõe cada tema, mas fica, talvez, a perder a componente visceral e orgânica da música. Percebemos no entanto, passados pouco mais de dois minutos do tema inicial, Lost in Redding, que Berne está decidido a contrabalançar a densidade cerebral da música com uma abordagem invulgarmente enérgica por parte da banda, tornando You’ve Been Watching Me o mais intenso, complexo e desafiante registo de Snakeoil até à data. <_o3a_p>
E se David Torn se revela uma peça chave na transparência sónica de You’ve Been Watching Me, nada melhor para comprovar o seu imenso génio musical do que escutar o mais recente Only Sky, registo a solo que sucede ao igualmente brilhante Prezens, de 2007. Gravado apenas com guitarra e alaúde eléctrico, Only Sky é alquimia pura, futurismo visionário e absoluta elegância cósmica. Ambient music do mais alto calibre é contaminada com visões de road-music, de blues, rock e metal, em passagens densas e cinemáticas que não cedem um milímetro a um conforto calculista e predeterminado, antes seguindo a visão iconoclasta, profundamente poética e radicalmente artística do guitarrista. Ouça-se Reaching barely, sparely fraught para um exemplo superior da arte de Torn.