Mais austeridade, menos meritocracia
O sector público demonstra grandes dificuldades no que toca a avaliar e recompensar os funcionários com base no mérito e no seu desempenho, revela estudo financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que quis avaliar o funcionamento institucional em Portugal.
Com o propósito de avaliar a qualidade e funcionamento de seis instituições nacionais através desta amostra, o estudo tenta perceber e avaliar como funcionam as instituições, quer privadas quer públicas, a nível nacional. Estiveram envolvidos vários investigadores, mas o projecto foi coordenado pela professora da Universidade Nova de Lisboa Margarida Marques e pelo professor Alejandro Portes da Universidade de Princeton.
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Com o propósito de avaliar a qualidade e funcionamento de seis instituições nacionais através desta amostra, o estudo tenta perceber e avaliar como funcionam as instituições, quer privadas quer públicas, a nível nacional. Estiveram envolvidos vários investigadores, mas o projecto foi coordenado pela professora da Universidade Nova de Lisboa Margarida Marques e pelo professor Alejandro Portes da Universidade de Princeton.
As instituições do sector privado (EDP e Bolsa de Lisboa) são as que surgem melhor classificadas. O relatório, intitulado Valores, qualidade institucional e desenvolvimento em Portugal, refere que “o facto de duas organizações privadas estarem melhor classificadas em termos de determinantes de qualidade institucional pode proporcionar algum suporte para aqueles que defendem totais privatizações”. Uma explicação para isso é o facto de as organizações privadas em causa serem precisamente as duas organizações mais sujeitas a monitorizações externas e regulação internacional, diz o relatório.
Apesar das grandes diferenças detectadas entre as instituições estudadas, a EDP é a que globalmente apresenta os melhores resultados. De qualquer das formas, o estudo denota uma grande tolerância na falta de bonificações com base no mérito nas instituições do país, o que é “severamente condenado e penalizado noutros países avançados aos quais Portugal é comparado”. Por outro lado, o estudo também refere que as instituições portuguesas estão “muito abertas à inovação tecnológica e muito empenhados em adoptar as práticas mais recentes”. A maior preocupação continua a estar no Sistema Nacional de Saúde, representado neste estudo pelo Hospital de Santa Maria.
EDP e a influência junto do Governo
Ainda assim, apesar das instituições privadas serem as melhores classificadas, também há problemas. A EDP revelou ter uma grande capacidade de influência política e económica junto do Governo nacional e de outras instituições. O investigador Nuno Vaz da Silva refere que “isso acontece devido ao potencial económico e industrial da empresa, mas também aos conhecimentos pessoais e profissionais dos elementos da administração e de outros órgãos, como o Conselho Geral e de Supervisão, junto do poder político”. A influência da EDP nota-se em diversos aspectos e para o investigador “é mais provável que a EDP consiga influenciar as decisões das agências do Estado e as empresas privadas, do que o inverso", sublinhando que a Fundação EDP é a maior fundação empresarial nacional.
O investigador reconhece que a existência de monopólios tem custos para os clientes, ainda que no caso de Portugal “não pode sequer ser imputada directamente à EDP”. Para Nuno Vaz da Silva, a liberalização do sector e o seu impacto reduzido merecem “uma profunda reflexão”, já que concluíram que não resultou num grande benefício de custo para o consumidor final. O estudo realça “incentivos perversos para que a maioria dos clientes dos serviços eléctricos continue em sistema de mercado regulado”, como é o caso de novos contratos com cláusulas que penalizam a mudança de operador, a revisão trimestral das tarifas ou a deficiente informação de mercado. No entanto, o autor da análise reconhece que a “ineficiente liberalização” não é culpa da EDP, mas antes da responsabilidade das entidades reguladoras e legisladoras que não implementaram as políticas mais eficazes.
Bolsa de Lisboa a concorrer
No caso da Bolsa de Lisboa, apesar de bem classificada, o caso é diferente. “A Bolsa acaba, no fundo, por ser o concorrente da banca e, como tal, não é vista com bons olhos pela mesma”, explica o investigador. As empresas em geral têm uma grande necessidade de apoio por parte da banca, e a necessidade de financiamento gera uma série de interesses entre empresas, bancos e empresários. Com dimensão reduzida, as empresas acabam por dar preferência à banca já que têm muita dificuldade em suportar os custos de estar cotadas.
ASAE e os riscos da nova estratégia
A ASAE, outra das instituições em estudo, revelou uma tentativa de mudança no seu percurso. Este órgão, que é responsável pela fiscalização de cerca de 900 mil empresas, está a adoptar uma nova orientação estratégica. Segundo o investigador Mário Contumélias, responsável por esta análise, “não se sabe se esta nova orientação estratégica, associada ao novo perfil do seu dirigente máximo, será capaz de manter a organização como uma ferramenta de desenvolvimento do país, disciplinadora dos mercados sob a sua alçada”. O investigador considera que foi a “liderança forte, personalizada e estável” que permitiu que o índice de incumprimento do mercado não ultrapassasse os 20%. Também o congelamento de novas contratações e promoções se revela um entrave a um melhor desempenho.
Mário Contumélias nota que desde 2013 se assiste a uma tentativa de prevenção ao invés da penalização, mas questiona esta nova forma de actuação, sessões de esclarecimento públicas e seminários. Há o risco, diz, de que a ASAE “se torne numa entidade preventiva (isto é, de aconselhamento), em vez de uma sólida agência inspectiva e reguladora, como foi no passado”. As contenções orçamentais também não estão a facilitar a tarefa da ASAE, a “carência de meios materiais” e as “avarias frequentes” de parte fundamental do trabalho, como é o caso dos automóveis, não bonificam esta caracterização.
Fisco com tratamento desigual
Já na Autoridade Tributária sobressai a pressão fiscal desigual sobre os contribuintes. O pequeno contribuinte é, para Ana Maria Evans, “tratado como um número”, todos os processos a que tem de aceder são automatizados, tornando difícil a descoberta e a correcção em caso de erro, o mesmo não acontece a grandes contribuintes, ou é, para estes, mais fácil combatê-lo. Há, segundo o estudo, uma falta de equidade “entre o controlo apertado a que estão sujeitos os pequenos contribuintes e o tratamento mais tolerante dispensado às grandes empresas e às elites económicas”, realça.
Ainda assim, “a informatização retirou às repartições de finanças a capacidade de controlar os fluxos de informação e, como tal, diminuiu muito a influência e poder dos seus chefes e funcionários a nível local”, refere a investigadora. Segundo explica, esta informatização veio combater a possibilidade de troca de favores e gratificações já que “entre pilhas e pilhas de papel que se acumulavam nas repartições, era fácil deixar prescrever processos sem que isso fosse detectado”.
CTT e a dúvida da privatização
No que toca ao sistema postal, os CTT são ainda uma grande dúvida pelo curso da sua privatização. Apesar de contrariar o contexto da crise económica e, ao contrário do que acontece noutros países, conseguiu arrecadar lucro, os resultados da privatização podem ainda ter um rumo diferente. O risco é semelhante ao que foi enfrentado pelo sistema postal da Argentina e do Chile, avisam os investigadores que lembram que “as tentativas de privatização em ambos os países originaram maus resultados, acabando por ter de voltar ao controlo do Estado” e que as operadoras postais privadas se apropriaram de segmentos mais rentáveis, “abandonando o resto do país, em especial, as zonas rurais”. O curso da privatização dos CTT em Portugal ainda está para ver, admite o relatório. Ainda assim, o estudo assinala alguns sinais de perigo como o congelamento de novas contratações e promoções. Mas não só. Nota-se também, anota o relatório, muita influência pela “cor do partido no Governo”, “pequenos favores”, “relações pessoais e políticas” e “simpatias pessoais”.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas