Um acto médico relevante que exige isenção
A segunda opinião médica deve tornar-se um elemento de ponderação e equilíbrio cada vez mais importante e exigível.
Com o aprofundamento do conhecimento científico e a explosão tecnológica, a prestação de cuidados de saúde obriga a uma pluridisciplinaridade condicionante do acto individual. Mas este mantém um peso decisivo para um serviço técnico-profissional de qualidade e humanizado no qual a lucidez tarimbada do médico é determinante.
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Com o aprofundamento do conhecimento científico e a explosão tecnológica, a prestação de cuidados de saúde obriga a uma pluridisciplinaridade condicionante do acto individual. Mas este mantém um peso decisivo para um serviço técnico-profissional de qualidade e humanizado no qual a lucidez tarimbada do médico é determinante.
A prática da medicina vocacionada para o doente está a ser substituída por uma prática de serviços, ditos de saúde, muito atentos à perspectiva de negócio, em que o médico (e outros técnicos de saúde) passa para lugar terciário e de mero operariado, desvirtuando-se, tantas vezes, o binómio doente-médico. Uma das motivações desta deriva é, claramente, a tentativa de silenciamento de profissionais que têm a particularidade de exercer interacção com a intimidade dos outros cidadãos e, por essa via, cativarem um certo poder intolerado pelos mentores do, feroz e desumano, actual dominador da sociedade: o dinheiro. O doente é o centro, enquanto consumidor.
A imposição de normas, regras, procedimentos, sistemas contra-relógio, prioridades administrativas e de gestão, ditaduras economicistas, etc., constrangem o exercício da prática médica, enquanto relação livre, humana e desejada, entre doente e médico.
O sistema para tentar livrar-se de responsabilidades atribui ao exercício da medicina um cariz liberal e apoia uma ideia pública de culpa e erros médicos que são, na maioria, atribuíveis à orgânica do próprio sistema e, a maior parte das vezes, sem responsabilidade directa e negligente do lado do médico.
Aqui chegado, realço a importância da utilização de um conceito que, tradicionalmente, era limitado ao âmbito clínico e presencial, de carácter quase estritamente técnico, em que dúvidas clínicas eram apreciadas por um outro médico, em regra de grande prestígio e que opinava e, eventualmente, assumia a condução do caso. Esta era a segunda opinião médica com presença do doente e repetição, quantas vezes supérflua, de exames auxiliares.
Tal decorria da limitação de meios, dificuldades de diagnóstico e de confrontação de opiniões, condicionamentos na divulgação do conhecimento, circunstâncias que empolgavam o acto médico individual e magistral. Só alguns tinham facilidade de acesso ao conhecimento e às boas relações (internacionais e institucionais).
Hoje, a livre, célere e dinâmica circulação do conhecimento e de pessoas e bens torna quase instantânea a capacidade de apreciação e discussão clínica. E o registo informático é um auxiliar importante.
As condicionantes adversas actuais, que envolvem o acto médico e a prestação de cuidados de saúde, enredados por políticas, gestões e administrações — mais atentas ao “material” da actividade em saúde do que ao humano e científico — impõem a liberalização da segunda opinião como acto mais pragmático e motivador enquanto apreciação, análise, ponderação e aconselhamento médico baseado no processo clínico, não exigindo, ao cidadão, a sua presença, nem a sujeição a repetições, quando não justificadas, de actos e procedimentos.
Noutros países, é prática corrente, sem preconceitos nem constrangimentos, a prática da segunda opinião médica. Em muitos casos, nomeadamente no âmbito dos seguros de Saúde, não há financiamento de certos actos médicos sem segunda opinião. Noutros casos, os próprios médicos a solicitam.
Os custos atribuíveis à “Saúde” são muito onerados com excessos de zelo (overtreatment). São várias razões, entre elas a pressão da indústria de materiais, de medicamentos, de novas tecnologias, da gestão, do marketing, da política, etc. Nem sempre para benefício real da saúde das pessoas.
O bom entendimento entre “players” é real e impõe comportamentos. A intervenção do médico é muito pressionada e condicionada por instituições e sistemas, à margem da sua verdadeira convicção profissional e humana. Porque a engrenagem não pode parar (!) e os médicos são meras peças, os eventuais “grão-médicos” são oleados ou postos fora dela.
O enfoque no negócio da Saúde, corroendo as fundações éticas da relação doente-médico, sugere que a segunda opinião médica deve tornar-se um elemento de ponderação e equilíbrio cada vez mais importante e exigível.
É de realçar que uma opinião médica fundamentada e isenta, seja primeira, segunda ou terceira, é uma opinião qualificada, que converge ou diverge, mas que é, sempre, para auxílio dos decisores e dos cidadãos.
Médico e coordenador médico da Best Medical Opinion — Pareceres Médicos & Perícias Médicas