Shelter 2: a mãe de todas as mães virtuais

“Shelter 2” é um jogo sueco sobre os esforços de uma mãe lince para proteger as crias até serem autónomas

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A percepção que temos da natureza é fortemente intermediada por anos de exposição a documentários sobre “vida selvagem”. Este género popular, quase tão antigo quanto a própria existência de imagens em movimento, apurou técnicas de narrativização do comportamento animal que se tornaram numa espécie de segunda natureza. Neste género, os animais surgem, em geral, tratados como personagens que apelam à empatia dos espectadores. Como notou o arquivista e historiador do cinema Jan-Christopher Horak, nos documentários vêmo-los em “actividade incessante”, quando parte importante das existências de muitos deles é passada em repouso, e enfatizam-se as “emoções violentas” da luta pela sobrevivência.

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A percepção que temos da natureza é fortemente intermediada por anos de exposição a documentários sobre “vida selvagem”. Este género popular, quase tão antigo quanto a própria existência de imagens em movimento, apurou técnicas de narrativização do comportamento animal que se tornaram numa espécie de segunda natureza. Neste género, os animais surgem, em geral, tratados como personagens que apelam à empatia dos espectadores. Como notou o arquivista e historiador do cinema Jan-Christopher Horak, nos documentários vêmo-los em “actividade incessante”, quando parte importante das existências de muitos deles é passada em repouso, e enfatizam-se as “emoções violentas” da luta pela sobrevivência.

Na sequência de abertura de “Shelter 2”, o jogo mais recente do estúdio independente sueco Might & Delight sobre os esforços de uma fêmea de lince para proteger quatro crias até serem autónomas, esta é perseguida por uma alcateia, conseguindo escapar-lhe no último momento. A cena, tensa como num “thriller”, para além de ensinar movimentos básicos de fuga, também identifica o lobo como “antagonista”. Em segurança, encontrará o refúgio onde nascerá a ninhada, a que poderemos atribuir nomes, o que contribui para a comoção da perda de filhotes que vários confessam sentir.

Poderá pensar-se, por estas primeiras sequências, que “Shelter 2” procura corresponder àquelas convenções de representação da “vida selvagem” ancoradas na lógica do espectáculo, mas não é o caso. A linearidade do primeiro jogo de 2013, então com texugos, foi substituída por uma abordagem "aberta", com um mapa que pode ser percorrido livremente, pretexto para uma experiência de imersão estética numa floresta pristina que é como um livro “pop-up” que se abre para nós. Se os linces caçam presas (lebres e cervos, principalmente) em perseguições velozes, também recuperam energia ou simplesmente vagueiam, em contraponto à “actividade incessante” dos documentários para conveniência dos espectadores.

Com ênfase na fruição estética e numa experiência poética, apoiada por aforismos e pela banda sonora pós-rock dos Retro Family, “Shelter 2” explora caminhos abertos por “The Endless Forest” da Tale of Tales, em que os jogadores interagem online enquanto cervos numa floresta encantada mediante comportamentos codificados. A recepção crítica geral de rejeição ou indiferença que tem tido revela mais sobre a própria crítica do que sobre o jogo, nomeadamente o desfasamento entre as expectativas dos críticos de encontrarem num jogo variedade de “conteúdos” que mantenham o jogador ocupado - em “actividade incessante” - ou “desafios” que proporcionem oportunidades para se registarem “feitos”, e a realidade mais complexa da produção de videojogos actual.