Rajoy admite que tem de governar “mais perto dos cidadãos”
Os resultados das municipais e autonómicas foram difíceis de digerir e o primeiro-ministro só falou um dia depois de encerradas as urnas. Não fala em derrota, defende a “estabilidade” e insiste na “recuperação económica”.
As reacções de Rajoy às eleições de domingo demoraram. Havia muito para digerir: não são só as maiorias absolutas perdidas, são bastiões que o partido considerava inatacáveis, como a câmara de Madrid, ou município e a comunidade de Valência, Castela y León. Regiões onde a população viu aumentar as desigualdades na actual legislatura, ao mesmo tempo que se acumulavam os casos de corrupção envolvendo altos líderes do partido no poder.
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As reacções de Rajoy às eleições de domingo demoraram. Havia muito para digerir: não são só as maiorias absolutas perdidas, são bastiões que o partido considerava inatacáveis, como a câmara de Madrid, ou município e a comunidade de Valência, Castela y León. Regiões onde a população viu aumentar as desigualdades na actual legislatura, ao mesmo tempo que se acumulavam os casos de corrupção envolvendo altos líderes do partido no poder.
Na noite eleitoral, nenhum alto dirigente do PP falou. E os espanhóis tiveram de esperar até ao final da tarde de segunda-feira, no fim da reunião do Comité Executivo do partido, em Madrid, para ver e ouvir o chefe de Governo.
À porta fechada, falou-se de “debate sobre renovação interna” e de “problemas de comunicação” com os eleitores. Da sede do PP, na rua Génova da capital, a mensagem enviada às sedes de todo o país é só uma: lembrar que o partido foi o mais votado, somando seis milhões de votos.
Rajoy fez o que pôde, insistindo na “recuperação económica” de que falam os números e defendendo que esta “é mais fácil com estabilidade política”. Faltam seis meses para as legislativas e está tudo em aberto. Dentro do PP, Rajoy não tem oposição – se Esperanza Aguirre se tivesse saído bem em Madrid, poderia vir dela o desafio – e cada vez tem menos companheiros da sua geração, a que chegou ao poder com José María Aznar, primeiro-ministro entre 1996 e 2004.
O discurso da “estabilidade” e da “recuperação económica” não vai chegar para não perder o país, diz José Pablo Ferrándiz, principal investigador do instituto Metroscopia, responsável pelas sondagens publicadas no diário El País.
“Pouca gente vê melhorias nas suas vidas. Nós fazemos inquéritos todas as semanas e temos um indicador muito simples sobre a percepção. Há pessoas que vêem que a crise já não está a aumentar mas não vêem mudanças na sua economia familiar nem têm perspectivas de que a sua situação vá melhorar. Também não atribuem o desacelerar da crise a decisões do Governo”, descreve o sociólogo. “Se vêem algumas em melhorias, atribuem-nas a factores externos.”
Um vento fresco
As maiorias absolutas acabaram e 69% dos espanhóis dizem que isso é positivo. Os partidos vão ter de negociar e as próximas semanas serão passadas a fazer isso mesmo. O PSOE, que se aguentou como segunda força e recuperou em várias regiões, apesar de ter perdido 2% dos votos face às municipais e autonómicas de Maio de 2011, terá de decidir se debate com o Podemos, o partido à sua esquerda que pode juntar-se aos socialistas para impedir o PP de governar em muitas cidades e regiões.
Podemos e Ciudadanos, o novo partido de centro-direita, vão ter de decidir se querem estabilidade e se estão dispostos a ceder, sentados à mesa com os “velhos partidos”, com o bipartidarismo que dizem ter vindo combater. Sem abdicar dos princípios que fizeram deles forças nacionais incontornáveis, mas provando que não querem o caos, apenas e só uma nova forma de fazer política. Do comportamento de todos se começará a formar um retrato mais aproximado do país que chegará às legislativas.
“No próximo semestre vão produzir-se poucos governos sólidos, mas o melhor é este vento que vem da rua, este vento limpo e fresco”, comenta no El País o veterano jornalista de política Iñaki Gabilondo.
Afinal, a “esquerda radical”, que jornais como o El Mundo dizem ter vencido em Madrid e Barcelona, as candidaturas populares apoiadas pelo Podemos – na capital, Manuela Carmena já anunciou que quer entender-se com o PSOE e impedir Esperanza Aguirre, que elegeu apenas mais um vereador do que a ex-juíza, de governar –, não assusta tantos espanhóis como o PP pensava. O país mudou e não só admite como deseja a mudança.
Terramoto e mudança
Tudo começou há quatro anos, com o 15M, o nome pelo qual ficou conhecido o movimento dos Indignados que se manifestou pela primeira vez a 15 de Maio nas Portas do Sol de Madrid, uma semana antes das últimas municipais e autonómicas.
“Rajoy e o PP foram os únicos que não entenderam”, diz Antoni Gutiérrez-Rubí, assessor de comunicação e especialista em movimentos sociais. Inspirado nas revoltas árabes, o 15M deu origem a protestos com mais ou menos consequências de Londres a Washington, passando pela América Latina. Durante os primeiros anos, repetiam-se as manifestações todas as semanas nas principais cidades de Espanha. Depois, “surgiu o Podemos e os protestos abrandaram, havia outra forma de canalizar o desejo de mudança”, explica Pablo Ferrándiz.
Se as primeiras sondagens a anunciarem o possível fim do bipartidarismo que ditou as regras no país desde o fim do franquismo e da Transição, em Novembro do ano passado, foram descritas como um “terramoto” não foi por falta de aviso, foi por falta de leitura do que as pessoas dizem na rua e nos inquéritos.
O mal conhecido
A mudança só não é mais rápida, defende Pablo Ferrándiz, porque “o voto dos maiores de 65 anos continua a concentrar-se de forma esmagadora no PP e o voto rural ainda conta muito em algumas zonas, onde é mais difícil e demorará mais tempo a entrar o discurso dos novos partidos”, com secretários-gerais como Iglesias, com 36 anos, e Albert Rivera, de 35.
Com o tempo, antecipa o vice-presidente do Metroscopia, “é até possível que o velho bipartidarismo venha a ser substituído por um novo, liderado agora pelo Podemos e pelo Ciudadanos”.
Para já, certo é que os dois partidos de sempre e os dois novos estão em condições de travar uma disputa acesa pelo próximo Congresso e que a formação do próximo governo nacional vai implicar um processo negocial e será bem diferente das anteriores.
Pode não faltar assim tanto para que os espanhóis deixem de repetir um ditado popular que Adela, cabeleireira reformada de 66 anos, citou para explicar ao PÚBLICO ter votado nos socialistas para a comunidade de Madrid e para o município, mesmo gostando “do discurso e da postura” da ex-juíza Manuela Carmena. “Mais vale o mal conhecido do que o novo por conhecer.”