Do outro lado do espelho
Entre o registo e a encenação, o novo filme de Ulrich Seidl levanta questões e deixa dúvidas.
E fá-lo com um “documentário” (as aspas são propositadas) que vai ao encontro dessa imagem, descendo às caves de vários cidadãos austríacos aparentemente normais para mostrar o que aí se esconde. O célebre caso de Natascha Kampusch, raptada e mantida durante anos a fio numa cave, nunca está muito longe da cabeça do espectador, mas a Seidl (que sabe isso muito bem) o que interessa é muito mais aquilo que a cave representa: uma espécie de “teatrinho” onde se encena uma outra vida, entre o isolamento do mundo social e a recriação do que se desejaria que a vida fosse.
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E fá-lo com um “documentário” (as aspas são propositadas) que vai ao encontro dessa imagem, descendo às caves de vários cidadãos austríacos aparentemente normais para mostrar o que aí se esconde. O célebre caso de Natascha Kampusch, raptada e mantida durante anos a fio numa cave, nunca está muito longe da cabeça do espectador, mas a Seidl (que sabe isso muito bem) o que interessa é muito mais aquilo que a cave representa: uma espécie de “teatrinho” onde se encena uma outra vida, entre o isolamento do mundo social e a recriação do que se desejaria que a vida fosse.
Com a ajuda rigorosa do director de fotografia Martin Gschlacht, Seidl filma os seus sujeitos como se a câmara fosse um espelho de duas faces, uma janela entre dois mundos em que as regras de um não fazem forçosamente sentido no outro. O alcoólico com uma cave do tamanho de uma casa cheia de memorabilia nazi, o caçador que guarda troféus exóticos e espingardas de grande calibre junto a uma mesa cheia de medicamentos, a assistente social que se abandona ao masoquismo da dor não são filmados como exemplos nem como singularidades. Antes como “gente como eu e você”, cujas “excentricidades” (à falta de melhor palavra) são niveladas por uma mesma bitola, pelo olhar neutro de um cineasta que prolonga a tradição formalista, politicamente incorrecta, que nos habituámos a reconhecer no moderno cinema austríaco.
Na Cave, ainda assim, deixa um certo travo amargo na boca, devido à própria dúvida instalada de raiz no dispositivo: o que é “real” e o que é “ficcional”, o que é mero registo e o que é encenado para efeitos do filme? No seu olhar sem condescendências para com os “subterrâneos” da sociedade, Seidl está a forçar-nos a admitir o que está escondido, ou apenas a alinhar eventuais atracções de um
freak-showsocial? Cada espectador que escolha por si, na certeza de que
Na Cavesugere que a provocação que celebrizou Seidl e que fez de filmes como
Import Exportou Dog Days “pára-raios” no cinema europeu da última década parece ter já entrado em piloto automático.